4/29/2025

Os três cães (Conto), de Figueiredo Pimentel



OS TRÊS CÃES

Um pastor tinha dois filhos um rapaz e uma rapariga.

Quando chegou a hora de sua morte, chamou as duas crianças para junto de si, e disse-lhes:

Não tenho nada para lhes deixar senão esta choupana e três carneiros. Dividam, amistosamente a pequena herança, de modo que não despertem ciúmes nem inveja.

***

Depois, fechou os olhos, e expirou.

No dia seguinte, o rapaz, que se chamava Henrique, disse à irmã:

Que prefere você? a choupana ou os carneiros?

Prefiro a choupana, responde a mocinha.

Como quiser. Então, ficarei com os carneiros, e vou por este mundo de Cristo em fora, tentar fortuna. Nasci num domingo, e dizem que isso dá felicidade.

Partiu. Durante a viagem, passou dias angustiosos, e sofreu muitíssimas privações.

Um dia, em que estava sentado à beira do caminho, desanimado, em vista do mau sucesso das suas tentativas, e não sabendo para onde se dirigir, viu encaminhar-se para o lugar onde se achava, um homem, acompanhado de três enormes cães, que lhe disse:

O senhor tem três carneiros muito bonitos. Quer trocá-los pelos meus três cães?

Apesar da sua tristeza, Henrique pôs-se a rir e respondeu:

Ficaria embaraçado se aceitasse sua proposta. Os meus três carneiros cortam por si mesmo a erva de que têm necessidade, ao passo que eu seria obrigado a sustentar esses três animais, e nada tenho.

Ah! é que não sabe, retorquiu o desconhecido, que esses três cães são verdadeiramente maravilhosos. O senhor não só não terá precisão de se ocupar da subsistência deles, como eles tratarão da sua e de tudo quanto necessitar. O mais pequenino chama-se Provedor, o segundo Despedaçador, e o maior de todos Quebra-Ferro.

Henrique acabou por consentir na troca que lhe havia sido proposta, e não tardou em se regozijar com isso.

Uma vez, estando sozinho num bosque, longe de qualquer habitação, não tendo mais nem uma só migalha de pão, exclamou:

Provedor! à obra!...

Não foi preciso repetir a ordem. O cachorro partiu como uma flecha, e voltou, poucos minutos depois, trazendo um cesto cheio de excelentes provisões.

Bem!, disse Henrique. Com um companheiro desta ordem, não tenho mais que me incomodar com a comida, e posso viajar em paz.

Continuou a caminhar.

***

Um dia encontrou uma esplêndida carruagem, puxada por dois belos cavalos, e toda pintada de negro. O cocheiro estava também vestido de preto. Dentro via-se encantadora moça, trajando luto rigorosíssimo, e chorando amargamente.

À vista dessas demonstrações de infortúnio, Henrique sentiu o coração comovido. Interrogou o cocheiro, que, a princípio, o olhou desdenhosamente, do alto da boleia, e afinal se dignou de responder:

Perto daqui existe um dragão terrível, que durante muito tempo devastou o país, e que finalmente se retirou para uma gruta, com a condição de, todos os anos, numa data marcada, lhe entregarem a jovem que ele escolhesse. Este ano foi a princesa a vítima designada pelo monstro. O rei e o povo estão imersos em profundíssima dor, mas é forçoso obedecer à decisão da sorte, a fim de que o monstro tenha a sua presa.

Pobre moça!, murmurou Henrique olhando para a princesinha com os olhos úmidos. E acompanhou a carruagem.

Chegando ao sopé de uma montanha, o cocheiro parou o carro. A rapariga desceu, e começou a subir lentamente a ladeira pedregosa. Henrique quis acompanhá-la, apesar das recomendações e dos gritos do cocheiro, que, prudentemente, havia ficado no vale.

Pelo meio da ladeira apareceu subitamente o medonho animal, com o corpo revestido de escamas, grandes asas semelhantes às de um moinho, garras mais duras que o ferro e a língua flamejante. Da goela saía-lhe um turbilhão de vapores sulfurosos. Avançou para arrebatar a presa.

Então Henrique gritou:

Despedaçador!... à obra! à obra...

Despedaçador lançou-se rapidamente sobre o monstro, rasgou-lhe as carnes com os dentes, dilacerou-os e matou-o. Henrique arrancou-lhe alguns dentes, e meteu-os no bolso.

A princesa havia desmaiado. Quando recuperou os sentidos, o monstro jazia por terra. Cumprimentou Henrique, com grande transporte de alegria e gratidão, e pediu-lhe para acompanhá-la ao palácio de seu pai, de modo a ser dignamente recompensado.

O moço respondeu-lhe que iria vê-la na capital do reino, mas somente no fim de três anos, porque durante esse tempo, queria empreender muitas viagens. E, como persistisse inabalavelmente nessa resolução, a moça retomou a carruagem, e ele dirigiu-se para outro lado. Não imaginava sequer que a donzela, a quem acabava de salvar, se achava novamente exposta a inúmeros perigos.

****

O cocheiro havia formado diabólico projeto.

Ao atravessar uma ponte, sobre um grande rio, voltou-se para a princesa, e falou-lhe:

O seu cavalheiro deixou-a, sem nada lhe pedir. A senhora não deve mais se ocupar dele; e, assim, pode perfeitamente fazer a fortuna de um pobre homem, dizendo a seu pai que fui eu quem matou o dragão. Se não aceitar a minha proposta, lançá-la-ei ao rio, e ninguém se lembrará de perguntar o que lhe sucedeu, porque todos imaginaram que o monstro a devorou.

Em vão a mocinha protestou, pediu, rogou, suplicou. Para salvar a vida, foi obrigada a se submeter à resolução do cocheiro, e jurar solenemente que a ninguém revelaria aquela perfídia.

Gritos de prazer, exclamações de alegria irromperam em toda a cidade, quando viram regressar, sã e salva,  essa bela princesa, que devia servir de pasto ao terrível monstro. Ao vê-la, o rei tomou-a nos braços e choraram ambos de alegria.

Em seguida, também apertou nos braços o pérfido cocheiro, e disse-lhe:

Não somente me restituíste tudo quanto tenho de mais caro no mundo, mas libertaste o país desse terrível flagelo. Devo-te uma recompensa: casar-te-ás com minha filha, dentro de um ano. Ela é muito criança ainda, para se casar antes. Desde hoje, considero-te como meu genro. Terás o teu palácio e aí viverás como um grande fidalgo.

***

Passado tempo, a princesa, a quem esse casamento horrorizava, e que não se atrevia a revelar o seu segredo, pediu mais um ano de espera; e terceiro, ainda.

No fim dessa época, porém, o rei não consentiu em maior delonga, e fixou definitivamente o dia das bodas.

Na véspera desse dia, viram entrar um viajante, seguido de três cachorros extravagantes. Notando em todas as ruas preparativos de festa, perguntou a causa deles.

Responderam-lhe que a filha do rei ia desposar o homem que a havia salvo das garras do dragão.

Esse homem, exclamou o viajante, é um impostor!...

Os soldados da polícia, ouvindo-o falar daquela forma, sobre o genro do soberano, prenderam-no e conduziram-no a uma prisão gradeada de ferro.

Enquanto o pobre Henrique jazia sobre a palha úmida engolfado em tristes reflexões, pareceu-lhes ouvir subitamente os gemidos dos seus cachorros.

Eram, efetivamente, os fiéis animais que se aproximavam do cárcere.

Quebra-ferro, à obra!... exclamou.

Quebra-ferro precipitou-se sobre as grades do xadrez, quebrou-as, e também despedaçou as algemas do amo. O rapaz ergueu-se satisfeito, por se ver livre, mas triste por se lembrar que um traidor ia ser esposo da bela princesa.

Não sabia que fazer, e enquanto se dispunha a tomar uma resolução qualquer, sentiu que tinha fome.

Provedor, à obra, disse ele.

Alguns minutos depois, Provedor trouxe-lhe suculentas iguarias, envoltas em um guardanapo, no qual se via bordada uma coroa real.

Havia se dirigido diretamente ao palácio. Entrara no salão de jantar, onde o soberano se achava reunido com todos os membros da sua família e os personagens da corte.

Ao passar perto da noiva, lambeu-lhe as mãos. A princesa reconheceu-o, e foi ela mesma que arrumou o guardanapo.

O aparecimento do cão fê-la supor que o aventuroso mancebo, a quem devia a salvação, não podia estar longe.

Com essa esperança animou-se. Tomou seu pai pela mão, chamou-o de parte ao aposento vizinho, e narrou-lhe tudo quanto se havia passado no dia em que devia ser sacrificada.

O monarca mandou buscar Henrique. Era ele mesmo. A moça alegrou-se ao ver aquele belo e honesto mancebo, que se adiantou modestamente e tirou do seu saco de viagem os enormes dentes do dragão.

O rei conduziu o corajoso mancebo ao salão onde estavam reunidos os convidados. O infame cocheiro empalideceu.

Uma sentença justa condenou-o a expiar num calabouço o seu crime.

Henrique casou-se com a jovem.

No meio das festas desse feliz consórcio, lembrou-se de sua irmã, que ficara sozinha na pequena e miserável choupana. Desejou tornar a vê-la; mandou buscá-la, e abraçou-a com grande carinho e amizade.

Então, um dos seus fiéis cães, que eram encantados, tomou a palavra e disse-lhe:

Agora, a missão que o nosso amo nos confiou, está finda. Queríamos ver se a fortuna te endurecia o coração, e te faria esquecer a tua pobre irmã. Adeus, sê feliz!

Ditas essas palavras, os três cães transformaram-se em passarinhos, e voaram, cantando pelos ares em fora...


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2025.

4/28/2025

As sete dores de Nossa Senhora (Livro), de Coelho Neto

“Os quadros de “As Sete Dores da Santíssima Virgem Maria”, escritos pelo Sr. Coelho Neto, são um mimoso volume de interessantes e amenas leituras religiosas, que, pela sua elegância e beleza, prendem e recreiam o espírito e cativam o coração. O assunto nada perdeu da sua natural majestade sob a pena delicada de tão abalizado literato e aprimorado estilista, que o tratou com carinho, simplicidade o elegância de arte. É um mimoso ramalhete colhido mestre no precioso jardim da literatura, contornado ele belas imagens e ajustado cm finíssimas gazes de aprimorado estilo. É, pois, esse um livro ao qual não regatearemos nossos francos elogios e o nosso IMPRIMATUR, e ao seu Autor com abundância de coração damos a nossa bênção.” (J. Card, Arcebispo, 1907)

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4/27/2025

Nebulosas (Livro completo), de Narcisa Amália


 "À semelhança dos poetas de sua geração Narcisa Amália cantou sobretudo os sentimentos do coração, embalado ou sobressaltado no amor. Cisma, Saudades, Aspiração, Amargura, Resignação, Agonia — eis vários títulos de poesias das "Nebulosas" reveladores do princípio, do meio e do fim da maior parte das paixões amorosas. Acabam estas quase todas em lágrimas, raras sorriem no tempo. Cupido é felino sem os sete fôlegos da espécie."

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