9/28/2017

Remember (Conto), de Marques de Carvalho


Remember

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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I
Não tens então no peito a mínima raiva contra mim? — perguntei-lhe admirado, fitando-a todo comovido pelo prazer das recentes pazes.

— Não! confirmou a rir, sacudindo a loira cabecinha tentadora, onde os loucos anéis dos seus cabelos tremulavam faceiros, numa opulência, numa prodigalidade de adoráveis eflúvios fascinadores. E toda a sua pequenina pessoa, delicada e meiga, parecia desabrochar as florescências gentis das suas graças, dos seus divinos dotes triunfantes em meio à pujança da invejável mocidade!

— Pois bendita sejas tu, cândida e pura, amada e amante virgem, que tanta bondade tens na alma, quantas são as seduções capitosas do teu belo rostinho, coroado desses loiros cabelos, cujos anéis, loucos e faceiros, tremulam opulentos, em adorável prodigalidade de fascinadores eflúvios! — retorqui arrebatado em grande entusiasmo, atraindo-a castamente para mim, num impulso de gratidão, ainda todo comovido pelo prazer das recentes pazes.

E assim ficou justificado e perdoado o meu primeiro atrevimento, que manifestara-se no roubo dum beijo,— dum pequenino beijo fugitivo,— aquela bendita virgem, cândida e pura, cujo delicado corpo como que desabrochava as divinas graças triunfais em gentis florescências de invejável juventude pujante!

As rosas pareceram agitar-se nos verdes ramos, espreitar maliciosas esse entusiasmo da minha amante virilidade em face das seduções capitosas de tão belo rostinho!...

II
Mas anoitecera de todo. A latada que nos abrigava com os seus floridos jasmineiros rescendentes maior escuridão comunicava à parte do jardim onde havíamos feito pazes, após o intemerato roubo de um beijo colhido nos rubros lábios mádidos da minha pequenina amante fascinadora.

Um silêncio embaraçador enleava-nos em tíbia indecisão. A loira cabecinha dela descansava indolente no meu ombro, com os lindos anéis undiflavando-se-lhe tranquilos, concentrados, ao longo das corretíssimas espáduas.

E uma tentação chegou-me a súbitas, sob a latada que abrigava-nos com seus recendentes jasmineiros floridos, entre o silêncio enleando-nos embaraçadoramente em tíbia indecisão.

Já tinha-se curvado a minha fronte para a loira cabecinha a descansar-me no ombro, indolente e concentrada, e um desejo de intemerata relapsia assaltava-me poderoso, induzindo-me a colher novo beijo,— um fugitivo beijo pequenino e casto,— nos úmidos lábios da minha gentil e tentadora amante.

Ela, porém, de salto ergueu-se, vibrante e nervosa, rápida e precavida. Uma das mãos subiu-lhe célere à altura da cabeça, ameaçadoramente. Bateu o pesinho, numa expansão de enfado incipiente...

— Se reincidir, não perdoo mais! — exclamou, avisando-me, com a voz ainda repassada de toda a indolente volúpia de pouco antes e fugiu-me das mãos estendidas nervosamente, mais rápida que esses doces momentos de gozo que me concedeu, enquanto descansava a fronte no meu ombro, com os formosos anéis da adorável cabecinha louca undiflavando-se-lhe tranquilos pelas corretíssimas espáduas.

Deixei-me ficar, triste e concentrado, sob a perfumosa latada, em meio à escuridão, recordando o prazer das jubilosas pazes feitas após o roubo de um beijo,— do primeiro beijo, pequenino e casto,— aos ardentes lábios mádidos da minha bendita virgem.

E as rosas pareceram agitar-se nas verdes ramas invisíveis quase, num recolhimento compadecido, lamentando a inutilidade da minha juventude em face do capricho daquela pequenina cabeça loira, de triunfantes graças capitosas, que só admitira e perdoara o meu primeiro atrevimento... ainda tão inocente e retraído!...

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