Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Com o pensamento, talvez, de
aperfeiçoar a raça, já de si tão robusta e formosa, votou o Parlamento uruguaio
um projeto de lei determinando às autoridades que não realizem mais casamentos
sem que os noivos se tenham submetido, com resultado negativo, à reação de
Wasserman. Acham os legisladores de Montevidéu que a mulher constitui para os
homens uma cruz, e foi com pena deles, provavelmente, que se tomou a
providência. Que seria, em verdade, do mortal que tomasse aos ombros a cruz da
família depois de ter duas, ou três, constatadas num paciente exame de sangue?
Vindo de uma época excessivamente
escrupulosa, em que os pais dos namorados sindicavam das condições sanitárias
dos antepassados até à quinta geração, e em que os próprios noivos tomavam um
purgativo de óleo de rícino oito dias antes do casamento, — eu não podia ser
contrário à humanitária medida promulgada pelo governo do Uruguai. O meu
espírito faltaria, entretanto, ao seu dever de sinceridade, aos hábitos de franqueza
incondicional, se não confessasse o temor, que tenho, de que essa exigência
venha reduzir, ali, o número de casamentos.
O casamento é, realmente, hoje,
encarado por um prisma original, que degrada, é certo, a mulher, mas reintegra
a espécie na natureza, permitindo-lhe a realização do seu verdadeiro destino.
Dessa teoria, dava-me, ontem, uma perfeita imagem industrial o Sr. Roberto de
Aguiar, agente de pneumáticos americanos, ao explicar-me, sem constrangimento
nem entraves na língua:
— O casamento só pode ser julgado
com segurança senhor conselheiro, por pessoa que já teve automóvel. A esposa ou
o esposo definitivo é, para o homem ou para a mulher, uma espécie de automóvel
particular. E nada há no mundo, como o senhor sabe, que, como um automóvel
particular, dê tanto trabalho: um dia, é uma peça que falta; no outro, é a
gasolina; mais tarde, é a capota, que está estragada. O dono de um automóvel
vive a fazer despesas todos os dias, a incomodar-se a todo instante, e, quando
mais precisa do carro, tem a notícia de que ele não pode funcionar!
Eu encarei o homenzinho, disposto
a deixá-lo, àquela hora da madrugada, na primeira esquina da Avenida, e ele
continuou:
— Com a amante, ou o amante, não;
o amante, qualquer que seja o sexo, é o "táxi" do coração: a gente
toma-o, paga-o, e salta onde entende, sem perguntar, sequer, o nome da
"garage". Marido ou amante, auto particular ou "táxi", que
importa à mulher, ou ao homem, a espécie do veículo, se ele faz a viagem da
mesma maneira? E isso com a vantagem de, ao abandonar o carro, não ter
passageiro que se incomodar com o estado do motor, nem com a qualidade dos
lubrificantes.
Nesse momento, soavam, monótonas,
em uma torre da Avenida, três badaladas metálicas, quebrando o silêncio da
noite, quase acabada:
— Três horas! — espantou-se o
major Afonso Gomide, que ia conosco. — Vamo-nos?
O agente americano estendeu os
olhos pela Avenida deserta, e lamentou:
— Sim, senhor! Nem um
"táxi"!... E agora?
— Vamos no meu automóvel, —
convidou o major, fazendo sinal ao seu "chauffeur".
Desabituado desses luxos, eu
continuei o meu caminho, a pé...
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