
Não é mel para boca de asno
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
CAPÍTULO 1
Era um dia de
procissão de Corpus Christi, que a
igreja do Sacramento preparara com certo luxo.
A Rua do Sacramento, a
do Hospício, o Largo do Rocio estavam mais ou menos cheios de povo que
aguardava o préstito religioso.
Na janela de uma casa
do Rocio, atulhada de gente como todas as janelas daquela rua, havia três
moças, duas das quais pareciam irmãs, não só pela semelhança das feições, mas
ainda pela identidade dos vestidos.
A diferença é que uma
era morena, e possuía belíssimos cabelos negros, ao passo que a outra tinha a
tez clara e os cabelos castanhos.
Essa era a diferença
que se podia enxergar cá debaixo, porque se as examinássemos de perto veríamos
no rosto de cada uma delas os traços distintivos que separavam aquelas duas
almas.
Para sabermos os seus
nomes não é preciso subir à casa; basta aproximarmo-nos de dois rapazes que da
esquina da Rua do Conde olham para a casa, que ficava do lado da Rua do
Espírito Santo.
— Vês? diz um deles ao
outro levantando um pouco a bengala na direção da casa.
— Vejo; são as
Azevedos. Quem é a outra?
— É uma prima delas.
— Não é feia.
— Mas é uma cabeça de
vento. Queres ir lá?
— Não; vou passear.
— Passear, Meneses!
Não sou tão tolo que o acredite.
— Por quê?
— Porque eu sei onde
vais.
Meneses sorriu, e
olhou para o interlocutor perguntando:
— É uma novidade que
eu tinha vontade de saber.
— Vais para casa da
tua Vênus.
— Não conheço!
— Nem eu; mas é
natural...
— Ah! é natural!
Adeus, Marques.
— Adeus, Meneses.
E os dois rapazes
separaram-se; Marques dirigiu-se para a casa onde estavam as três moças, e
Meneses seguiu caminho pelo lado da Petalógica.
Se Marques olhasse
para trás, veria que Meneses, apenas chegou à esquina da Rua dos Ciganos, parou
de novo e lançou um último olhar para a janela em questão; no fim de alguns
segundos seguiu viagem.
Marques subiu pela
escada acima. As raparigas, que o tinham visto entrar, foram recebê-lo
alegremente.
— Não era o dr.
Meneses quem estava com o senhor? perguntou uma das Azevedos.
— Era, respondeu
Marques; convidei-o a subir mas ele não quis... Talvez fizesse mal, continuou
Marques, a casa não é minha, não acha, D. Margarida?
D. Margarida era uma
senhora que estava assentada na sala; era a dona da casa, tia das Azevedos, e
mãe da terceira moça que, com estas, estava à janela.
— Ora, ande lá, disse
D. Margarida, faça agora cerimônias comigo. Bem sabe que esta casa é sua e dos
seus amigos. A procissão já saiu?
— Para lhe falar a
verdade, não sei; eu venho do lado do Campo.
— Passou lá por casa?
perguntou uma das Azevedos, a morena.
— Passei, D. Luisinha;
estava fechada.
— É natural; papai
anda passeando e nós estamos aqui.
Marques sentou-se; Luisinha
foi para o piano, com a prima, e começou a tocar não sei que variações sobre
motivos da Marta.
Quanto à irmã de Luisinha,
essa foi encostar-se à janela, em posição tal que os seus dois belos olhos
castanhos observavam quanto se passava na sala; o corpo estava meio voltado
para a rua, mas a cabeça estava voltada para dentro.
Quando digo que ela
observava quanto se passava na sala, uso de uma expressão mal cabida, porque os
olhos da moça fitavam-se nos de Marques que achava meio de atender a D.
Margarida e às olhadelas da jovem Hortênsia.
Era nem mais nem menos
um namoro.
Hortênsia merecia bem
que um rapaz se apaixonasse por ela. Não era alta, mas era esbelta, e sobretudo
vestia com elegância suprema. Tinha duas coisas admiráveis: os olhos que eram
rasgados e profundos, e as mãos que pareciam ter sido cortadas a alguma
obra-prima da estatuária.
Comparando com ela, e
atendendo-se apenas ao exterior, Marques era uma bela escolha para o coração de
Hortênsia. Era bonito, mas a sua beleza não era nem efeminada, nem máscula;
apenas um meio-termo; tinha coisas de uma e coisas de outra: uma fronte de deus
Marte e um olhar de Ganimedes.
Era um amor já
esboçado que havia entre aquelas duas criaturas. Marques, se compreendesse
Hortênsia como aquele olhar estava pedindo, seria um homem feliz. Compreendia?
CAPÍTULO 2
Imaginamos que a
leitora já está curiosa por saber o que queriam dizer os repetidos olhares de
Meneses atravessando a praça da Constituição, olhares que não estão de acordo
com a recusa de não ir ver as moças.
Para satisfazer a
curiosidade da leitora, convidamo-la a entrar conosco em casa de Pascoal
Azevedo, pai de Luísa e Hortênsia, dois dias depois da cena que narramos no
capítulo anterior.
Pascoal Azevedo era
chefe de seção em uma secretaria de Estado, e com esse ordenado e mais os juros
de algumas apólices sustentava a família, que se compunha de uma irmã velha e
das duas filhas.
Era um homem folgazão,
amigo da convivência, mas modesto no trato e na linguagem. Não dava banquetes
nem bailes; mas gostava que a sala e a sua mesa, despretensiosas ambas,
estivessem sempre tomadas de alguns amigos.
Entre as pessoas que
lá iam notavam-se Meneses e Marques.
Marques, logo no fim
de dois meses, conseguiu fazer-se objeto de um amor grande e sincero. Hortênsia
queria doidamente ao rapaz. Pede a fidelidade histórica que se mencione uma
circunstância, e vem a ser que Marques já era amado antes que amasse.
Uma noite reparou ele
que era objeto da preferência de Hortênsia, e desta circunstância, que lhe
lisonjeou o amor-próprio, começou-lhe o amor.
Marques era, então, e
continuou a ser, amigo de Meneses, com quem não tinha segredos, um pouco por
confiança, um pouco por estouvamento.
Uma noite, pois, ao
saírem de casa de Azevedo, Marques disparou estas palavras à cara de Meneses:
— Sabes de uma coisa?
— O que é?
— Estou apaixonado
pela Hortênsia.
— Ah!
— É verdade.
— E ela?
— Igualmente; morre
por mim. Sabes que eu conheço as mulheres, e não me engano. Que dizes?
— Que hei de dizer?
Digo que fazes bem.
— Tenho até ideias
sérias; quero casar-me.
— Já!
— Pois então! Eu sou
homem de resoluções rápidas; nada de esfriar. Somente, não quero dar um passo
destes sem que um amigo, como tu, o aprove.
— Oh! eu, disse
Meneses.
— Aprovas, não?
— De certo.
Nisto ficou a conversa
entre os dois amigos.
Marques foi para casa
na firme intenção de envergar a casaca no outro dia, e ir pedir a moça em casamento.
Mas como no intervalo
meteu-se o sono, Marques acordou com a ideia de adiar o pedido até alguns dias
depois.
— Por que motivo
precipitarei um ato destes? Reflitamos.
E entre esse dia e o
dia em que o vimos entrar na casa do Rocio, havia o espaço de um mês.
Dois dias depois,
amiga leitora, encontramos os dois amigos em casa de Azevedo.
Meneses é de um
natural taciturno. Enquanto todos conversam animadamente, ele apenas solta de
quando em quando um monossílabo, ou responde com um sorriso a qualquer dito
chistoso. A prima das Azevedos chamava-o tolo; Luisinha apenas lhe supunha
desmedido orgulho; Hortênsia, mais inteligente que as duas e menos estouvada,
dizia que ele era um espírito severo.
Esquecia-nos dizer que
Meneses tivera algum tempo o sestro de escrever versos para os jornais, o que
lhe arredou a estima de alguns homens sérios.
Na noite em questão,
acontecia uma vez achar-se Meneses com Hortênsia à janela, enquanto Marques
conversava, com o velho Azevedo, sobre não sei que assunto do dia.
Meneses já estava à
janela, com as costas para a rua, quando Hortênsia chegou-se a ele.
— Não tem medo do
sereno? disse-lhe ela.
— Não tenho, disse
Meneses.
— Olhe; sempre o
conheci taciturno; mas agora reparo que é mais do que costumava a ser. Algum
motivo há. Há quem suponha que a mana Luisinha...
Este simples gracejo
de Hortênsia, feito sem a menor intenção oculta, fez com que Meneses franzisse
levemente as sobrancelhas. Houve entre os dois um momento de silêncio.
— Será? perguntou Hortênsia.
— Não é, respondeu
Meneses. Mas quem é que supõe isso?
— Quem? Imagine que
sou eu...
— Mas por que supôs?...
— Por nada... supus.
Bem sabe que entre moças, quando um rapaz está calado e triste, é que está
apaixonado.
— Sou exceção da regra,
e não sou eu só.
— Por quê?
— Porque eu conheço
outros que estão apaixonados e andam alegres.
Desta vez foi
Hortênsia quem franziu as sobrancelhas.
— É que para isto de
amores, D. Hortênsia, continuou Meneses, não há regra estabelecida. Depende dos
temperamentos, do grau de paixão, e mais que tudo da aceitação ou da recusa de
um amor.
— Então, confessa quê?...
disse Hortênsia vivamente.
— Eu não confesso
nada, respondeu Meneses.
Serviu-se neste
momento o chá.
Quando Hortênsia,
saindo da janela, atravessava a sala, olhou maquinalmente para um espelho que
ficava em frente a Meneses, e viu o longo, o profundo, o doloroso olhar que
este prendera nela, vendo-a afastar-se.
Insensivelmente olhou
para trás.
Meneses mal teve tempo
de voltar para o lado da rua.
Mas a verdade estava
descoberta.
Hortênsia tinha
convicção de duas coisas:
Primeiramente, que
Meneses amava.
Depois, que o objeto
do amor do rapaz era ela.
Hortênsia tinha um
coração excelente. Apenas conheceu que era amada por Meneses, arrependeu-se das
palavras que dissera, aparentemente palavras de remoque.
Quis reparar o mal
redobrando de atenções com o moço; mas de que valiam elas, quando Meneses
surpreendia de quando em quando os belos olhos de Hortênsia pousarem um amoroso
olhar em Marques, que andava e falava radiante e ruidoso, como um homem que não
tem uma só coisa que exprobrar à fortuna?
CAPÍTULO 3
Uma noite Marques
anunciou em casa de Azevedo que Meneses estava doente, e por isso não ia lá.
O velho Azevedo e Hortênsia
sentiram a doença do moço. Luisinha recebeu a notícia com indiferença.
Indagaram da doença;
mas o próprio Marques não sabia o que era.
A doença era uma febre
que cedeu no fim de quinze dias à ação da medicina. No fim de vinte dias
Meneses apresentou-se em casa de Azevedo, ainda pálido e magro.
Hortênsia doeu-se de o
ver assim. Compreendeu que aquele amor não correspondido entrava por muito na
doença de Meneses. Sem que lhe coubesse culpa por isso, Hortênsia teve remorsos
de lho ter inspirado.
Era o mesmo que se a
flor tivesse culpa do perfume que exala, ou a estrela do fulgor que despede de
si.
Nessa mesma noite
Marques disse a Hortênsia que ia pedi-la em casamento no dia seguinte.
— Autoriza-me?
perguntou ele.
— Com uma condição.
— Qual?
— É que o fará
secretamente, e que nada divulgará até o dia do casamento, que deve ser daqui a
alguns meses.
— Por que esta
condição?
— Já me nega o direito
de fazer uma condição?
Marques calou-se, sem
compreender.
Era fácil, entretanto,
entrar no pensamento íntimo de Hortênsia.
A moça não queria com
a publicidade imediata do casamento amargurar fatalmente a existência de
Meneses.
Contava ela que, pouco
depois do pedido e do ajuste, alcançaria licença do pai para ir passar fora
dois ou três meses.
— É quanto basta,
pensava ela, para que o outro me esqueça e não sofra.
Esta delicadeza de
sentimento, que revelava em Hortênsia uma rara elevação de espírito e uma alma
perfeita, se Marques pudesse compreendê-la e adivinhá-la, talvez condenasse a
moça.
Entretanto, Hortênsia
obrava de boa-fé. Queria ser feliz, mas teria remorsos se, para sê-lo, houvesse
de fazer padecer alguém.
Marques, conforme a
promessa, foi no dia seguinte à casa de Azevedo, e na forma tradicional pediu a
mão de Hortênsia.
O pai da moça não
tinha objeção alguma; e apenas, pro forma, impôs a condição da
aquiescência da filha, que não tardou em dá-la.
Resolveu-se que o
casamento seria dali a seis meses; e logo daí a dois dias Hortênsia pediu ao
pai para ir visitar o tio, que residia em Valença.
Azevedo consentiu.
Marques, apenas
recebeu a resposta afirmativa de Azevedo em relação ao casamento, repetiu a
declaração de que até o dia aprazado o casamento seria um inviolável segredo.
— Mas, pensou ele
consigo, para Meneses eu não tenho segredos, e este devo dizer-lho, sob pena de
mostrar-me mau amigo.
O moço estava ansioso
por comunicar a alguém a sua felicidade. Foi dali para a casa em que Meneses
advogava.
— Grande notícia,
disse ele ao entrar.
— O que é?
— Vou casar-me.
— Com a Hortênsia?
— Com a Hortênsia.
Meneses empalideceu, e
sentiu que o coração batia-lhe com força. Ele esperava por aquilo mesmo; mas
ouvir a declaração do fato, naturalmente próximo, adquirir a certeza de que a
amada de seu coração já era de outro, não só pelo amor, como pelos laços de uma
próxima e assentada aliança, era uma tortura a que ele não podia fugir nem
dissimular.
A sua comoção foi tão
visível, que Marques perguntou-lhe:
— Que tens?
— Nada; restos daquela
moléstia. Ando muito doente. Não é nada. Então, vais casar-te? Dou-te os meus
parabéns.
— Obrigado, meu amigo.
— Quando é o
casamento?
— Daqui a seis meses.
— Tão tarde!
— É vontade dela. Seja
como for, é coisa assentada. Ora, não sei que sinto com isto; é uma impressão
nova. Custa-me a crer que eu vá casar deveras...
— Por quê?
— Eu sei lá! Também,
se não fosse ela, não casava. É bonita a minha noiva, não?
— É.
— E ama-me!... Queres
ver a última carta dela?
Meneses dispensava bem
a leitura da carta; mas como?
Marques tirou a carta
do bolso e começou a lê-la; Meneses fazia esforços para não prestar atenção ao
que ouvia.
Mas era debalde.
Ouvia tudo; e cada uma
daquelas palavras, cada um daqueles protestos era uma punhalada que o pobre
moço recebia no coração.
Quando Marques saiu,
Meneses retirou-se para casa, aturdido como se o houvessem deitado ao fundo de
um grande abismo, ou como se acabasse de ouvir a sua sentença de morte.
Amava perdidamente a
uma mulher que o não amava, que amava a outro e que ia casar. O fato é comum;
os que o tiverem conhecido por experiência própria avaliarão a dor do pobre
moço.
Daí a dias efetuou-se
a viagem de Hortênsia, que foi com a irmã e a tia para Valença. Marques não
dissimulou a contrariedade que sentia com semelhante viagem, cuja razão não
compreendia. Mas Hortênsia facilmente o convenceu de que era necessária aquela
viagem, e despediu-se dele com lágrimas.
A leitora deste
romance já terá reparado que Hortênsia exercia sobre Marques uma influência que
tinha causa na superioridade do seu espírito. Amava-o, como devem amar as
rainhas, dominando.
Marques sentiu muito a
partida de Hortênsia, e o disse a Meneses.
O noivo amava a noiva;
mas cumpre dizer que a intensidade do seu afeto não era a mesma que a noiva
sentia por ele.
Marques gostava de
Hortênsia: é a verdadeira expressão.
Casava-se porque
gostava dela, e porque era uma mulher formosa, requestada por muitos, elegante,
e finalmente porque a ideia do casamento fazia-lhe o efeito de um mistério novo
para ele, que já andava ao corrente de todos os mistérios mais ou menos novos.
Agora por que brinco
do destino uma mulher superior apaixonou-se por um rapaz tão frívolo?
A pergunta é ingênua e
ociosa.
Nada mais comum do que
estas alianças entre dois corações antípodas; nada mais raro do que uma união
perfeitamente acertada.
Separando-se de
Marques, a filha de Azevedo não se esquecia dele um só instante. Apenas chegou
a Valença, escreveu-lhe uma carta, repassada de saudades, cheia de protestos.
Marques respondeu com
outra epístola igualmente ardente, e cheia de protestos análogos.
Ambos almejavam pelo
dia feliz do casamento.
Ficou entendido que a
correspondência seria regular e frequente.
O noivo de Hortênsia
não deixava de comunicar ao amigo todas as cartas da noiva, e bem assim as
respostas que lhe mandava, e que eram sujeitas à correção literária de Meneses.
O pobre advogado
estava em uma posição dolorosa; mas não podia escapar-lhe sem abrir o seu
coração.
Era o que ele não
queria; tinha a altivez do infortúnio.
CAPÍTULO 4
Um dia Meneses
levantou-se da cama com a resolução firme de esquecer Hortênsia.
— Por que motivo,
dizia ele consigo, hei de alimentar um amor até aqui impossível, agora
criminoso? Não tarda muito que os veja casados, e tudo estará acabado para mim.
Preciso viver; tenho necessidade do futuro. Há um grande meio; é o trabalho e o
estudo.
Desse dia em diante
Meneses redobrou de esforços; dividiu-se entre o trabalho e o estudo; lia até
alta noite, e procurava formar-se completamente na difícil ciência que
abraçara.
Procurava
conscienciosamente esquecer a noiva do amigo.
Uma noite encontrou
Marques no teatro, porque devemos dizer que a fim de não ser confidente dos
amores felizes de Hortênsia e Marques, o jovem advogado evitava o mais que
podia achar-se com ele.
Marques, apenas o viu,
deu-lhe a notícia de que Hortênsia lhe mandara lembranças na última carta.
— É uma carta de
queixas, meu caro Meneses; tenho pena de a ter deixado em casa. Como eu me
demorei em mandar-lhe a última carta minha, Hortênsia diz-me que eu a esqueço.
Vê lá! Mas eu já mandei dizer-lhe que não; que a amo como sempre. Coisas de
namorados que não te interessam a ti. Que tens feito?
— Trabalho agora
muito, disse Meneses.
— Metido nos autos!
que maçada!
— Não; gosto daquilo.
— Ah! gostas... Há
quem goste do amarelo.
— Os autos são
maçantes, mas a ciência é bela.
— É um aforismo que eu
dispenso. Melhor processo é aquilo.
E Marques apontou para
um camarote de segunda ordem.
Meneses olhou e viu
uma mulher vestida de preto, sozinha, olhando para o lado em que os dois
rapazes se achavam.
— Que achas? disse
Marques.
— É bonita. Quem é?
— É uma mulher...
— Respeito o mistério.
— Não me interrompas:
é uma mulher adorável e incomparável...
— Se Hortênsia te
ouvisse, disse Meneses sorrindo.
— Oh! ela é mulher à
parte, é a minha esposa... está fora de questão. Demais, isto são pecadilhos de
pequena monta. Hortênsia há de acostumar-se a eles.
Meneses não respondeu;
mas disse consigo: Pobre Hortênsia!
Marques propôs a
Meneses apresentá-lo à dama em questão. Meneses recusou.
Acabado o espetáculo
saíram os dois. À porta, Meneses despediu-se de Marques, mas este, depois de
indagar por que lado ia ele, disse que o acompanhava. Adiante, num lugar pouco
frequentado, estava um carro parado.
— É o meu carro; vou
deixar-te em casa, disse Marques.
— Mas eu ainda vou
tomar chá aí em qualquer hotel.
— Toma chá comigo.
E arrastou Meneses
para o carro.
No fundo do carro estava
a mulher do teatro.
Meneses já não podia
recusar e entrou.
O carro seguiu para a
casa da mulher, que Marques disse chamar-se Sofia.
Duas horas depois,
Meneses seguia para casa, a pé, e meditando profundamente no futuro que ia ter
a noiva de Marques.
Este não ocultara a
Sofia o projeto do casamento, porque a rapariga, estando à mesa do chá, disse a
Meneses:
— Que me diz, doutor,
ao casamento deste senhorzinho?
— Digo que é um belo
casamento.
— Que tolice! casar-se
nesta idade!
Um mês depois desta
cena estava Meneses no escritório, quando entrou o velho Azevedo com as feições
um pouco alteradas.
— Que tem? disse-lhe o
advogado.
— Onde está o Marques?
— Não o vejo há oito
dias.
— Nem o verá mais,
disse Azevedo fulo de cólera.
— Por quê?
— Veja isto.
E mostrou-lhe o Jornal do Comércio desse dia, onde
vinha, entre os passageiros para o Rio da Prata, o nome do noivo de Hortênsia.
— Partiu para o Rio da
Prata... Não leu isto?
— Leio agora, porque
não tenho tempo de ler tudo. Que iria lá fazer?
— Foi acompanhar esta
passageira.
E Azevedo apontou para
o nome de Sofia.
— Seria isso?
balbuciou Meneses, procurando desculpar o amigo.
— Foi. Eu sabia há
dias que havia alguma coisa; recebi duas cartas anônimas que me diziam estar o
meu futuro genro de amores com aquela mulher. Entristeceu-me o fato. A coisa
era tão verdadeira que ele escasseou as suas visitas à minha casa, e a pobre
Hortênsia, em duas cartas que me escreveu ultimamente, dizia ter pressentimento
de que não seria feliz. Coitadinha! se ela soubesse! há de sabê-lo; é
impossível que não saiba! e ela ama-o.
O advogado procurou
acalmar o pai de Hortênsia, censurou o procedimento de Marques, e incumbiu-se
de escrever-lhe para ver se o trazia de novo ao caminho do dever.
Mas Azevedo recusou;
disse-lhe que era já impossível; e que, se nas vésperas do enlace Marques
procedia assim, o que não faria quando fosse casado?
— É melhor que
Hortênsia sofra de uma vez do que a vida inteira, disse ele.
Azevedo, nesse mesmo
dia, escreveu à filha que viesse para a corte.
Não foi difícil
convencer a Hortênsia. Ela própria, assustada com o escassear da
correspondência de Marques, estava decidida a isso.
Daí a cinco dias
estavam todas em casa.
CAPÍTULO 5
Azevedo procurou contar
a Hortênsia o ato do noivo, de modo que a impressão não fosse grande.
Mas a precaução era
inútil.
Quando uma criatura
ama, como Hortênsia amava, todos os meios de poupar-lhe as comoções são nulos.
O golpe foi profundo.
Azevedo ficou
desesperado; se encontrasse Marques nessa ocasião, matava-o.
Aquela família, que
até então era feliz, e que estava às portas de uma grande felicidade, viu-se
repentinamente atirada em profunda agonia, graças ao estouvamento de um homem.
Meneses não foi à casa
de Azevedo apenas chegou Hortênsia, por dois motivos: o primeiro era deixar a
infeliz moça chorar em liberdade a ingratidão do noivo; depois, era não
reavivar a chama do seu próprio amor com o espetáculo daquela dor que exprimia
para ele o mais eloquente dos desenganos. Ver a mulher amada chorar por outro
não é a maior dor deste mundo?
CAPÍTULO 6
Quinze dias depois da
volta de Hortênsia, o jovem advogado encontrou Azevedo, e perguntou-lhe
notícias da família.
— Todos estão bons.
Hortênsia, compreende, está triste, com a notícia daquele fato. Pobre menina!
mas há de consolar-se. Apareça, doutor. Está mal conosco?
— Mal por quê?
— Então não nos
abandone; apareça. Vai lá hoje?
— Talvez.
— Vá; lá o esperamos.
Meneses não queria ir;
mas a retirada absoluta era impossível. Mais tarde ou mais cedo era obrigado
àquela visita; foi.
Hortênsia estava
divinamente pálida.
Meneses, contemplando
aquela figura de martírio, sentiu que mais do que nunca a amava. Aquela dor
causava-lhe ciúmes. Doía-lhe que aqueles olhos vertessem lágrimas por outro, e
por outro que as não merecia.
— Há ali, pensava ele
consigo, há ali um grande coração, que torna um homem feliz só em palpitar por
ele.
Meneses retirou-se às
onze horas da noite para casa. Sentia que o mesmo fogo de outrora ainda lhe
ardia dentro do peito. Estava um pouco coberto, mas não extinto; a presença da
moça reavivou a chama.
— Mas que posso
esperar? dizia Meneses entrando em casa. Ela sofre, é que o ama; aqueles amores
não se esquecem facilmente. Sejamos fortes.
O protesto era
sincero; mas a execução era difícil.
Meneses continuou a
frequentar a casa de Azevedo.
Pouco a pouco,
Hortênsia adquiria as antigas cores, e posto que não tivesse a mesma alegria de
outro tempo, o olhar apresentava uma serenidade de bom agouro.
O pai tornava-se
contente de ver aquela transformação.
Entretanto, Meneses
escrevera a Marques uma carta de exprobração; dizia-lhe que o seu procedimento
não era somente cruel, mas até feio, e procurava chamá-lo à corte.
A resposta de Marques
foi a seguinte:
Meu Meneses,
Eu não sou herói de
romance, nem tenho vontade disso.
Sou um homem de
resoluções súbitas.
Cuidei que não amava a
ninguém mais senão a essa bela Hortênsia; mas enganei-me; encontrei Sofia, a
quem me entreguei em corpo e alma.
Isto não quer dizer
que eu não abandone Sofia; estou mesmo a ver que me prendo nos laços de alguma
destas argentinas, que são as andaluzas da América.
Variar é viver. São
dois verbos que começam por v: profunda lição que nos dá a natureza e a
gramática.
Penso, logo existo,
dizia creio que o Descartes.
E vario, logo existo,
digo eu.
Não te importes,
portanto, comigo.
O pior é que Sofia já
me tem comido umas boas centenas de pesos. Que estômago, meu caro!
Até um dia.
Esta carta era
eloquente.
Meneses não respondeu;
guardou-a simplesmente, e lastimou que a pobre moça tivesse posto em tão
indignas mãos o seu coração de vinte anos.
CAPÍTULO 7
É inútil dizer que
Meneses fizera em Hortênsia, depois da volta desta à casa, a mesma impressão
que antes.
A moça compreendeu que
era amada por ele, em silêncio, respeitosa, resignada, desesperançadamente...
Compreendeu mais.
Meneses ia poucas
vezes à casa de Azevedo; não era como antes, que lá ia todas as noites.
A moça compreendeu a
delicadeza de Meneses; viu que era amada, mas que, diante da sua dor, o rapaz
procurava esconder o mais que pudesse a sua pessoa.
Hortênsia, que era
capaz de delicadeza igual, apreciou aquela no seu justo valor.
Que havia de mais
natural que uma aproximação de duas almas tão nobres, tão capazes de
sacrifícios, tão feitas para se compreenderem?
Uma noite Hortênsia
disse a Meneses que as suas visitas eram raras, que ele não ia lá como antes, o
que entristecia a família.
Meneses desculpou-se;
disse que os seus trabalhos eram muitos.
Mas as visitas
tornaram-se menos raras.
O advogado chegou a
conceber a esperança de que ainda podia ser feliz, e procurou abraçar o
fantasma da sua imaginação.
— Contudo, pensou ele,
é cedo demais para que ela o esqueça.
Tê-lo-á esquecido?
Nem de propósito
sucedeu que nessa mesma noite em que Meneses fazia esta reflexão, uma das
pessoas que frequentavam a casa de Azevedo soltou imprudentemente o nome de
Marques.
Hortênsia empalideceu;
Meneses olhou para ela; viu-lhe os olhos úmidos.
— Ainda o ama, disse
ele.
Nessa noite Meneses
não dormiu. Vira desfeita, num instante, a esperança que chegara a manter no
seu espírito. Era inútil a luta.
Não escapou à moça a
impressão que causara em Meneses a sua tristeza ao ouvir falar em Marques; e
vendo que ele outra vez rareava as suas visitas, compreendeu que o moço estava
disposto a sacrificar-se.
O que ela já sentia
por ele era estima e simpatia; nada disso, nem isso tudo forma o amor. Mas
Hortênsia tinha um coração delicado e uma inteligência esclarecida; compreendia
Meneses; podia vir a amá-lo.
Com efeito, à
proporção que os dias se passavam, sentia ela que um novo sentimento a impelia
para Meneses. Os olhos começaram a falar, as ausências já lhe eram dolorosas;
estava no caminho do amor.
Uma noite achavam-se
os dois na sala, um pouco isolados dos mais, e com os olhos fixos um no outro,
esqueciam-se de si.
Caiu o lenço da moça;
ela ia apanhá-lo, Meneses apressou-se também; os dedos de ambos encontraram-se,
e como se fossem duas pilhas elétricas, aquele contato fê-los estremecer.
Não disseram nada; mas
tinham-se entendido.
Na seguinte noite
Meneses declarou a Hortênsia que a amava, e perguntou-lhe se queria ser sua
mulher.
A moça respondeu
afirmativamente.
— Há muito tempo,
disse ele, que eu a trago no meu coração; tenho-a amado em silêncio, como
entendo que se devem adorar as santas...
— Sei, murmurou ela.
E acrescentou:
— O que eu lhe peço é
que me faça feliz.
— Juro-lhe!
No dia seguinte
Meneses pediu a mão de Hortênsia, e um mês depois eram casados, indo gozar a
lua-de-mel em Petrópolis.
Dois meses depois do
casamento desembarcava do Rio da Prata o jovem Marques, sem a Sofia, que lá
ficara depenando os outros Marques de lá.
CAPÍTULO 8
O velho Azevedo
agradeceu ao céu o ter achado um genro como ele sonhara, um genro que fosse
homem de bem, inteligente, esclarecido e amado por Hortênsia.
— Agora, dizia ele no
dia do casamento, só me resta concluir o meu tempo de serviço público, pedir a
minha aposentadoria, e ir passar com vocês o resto da minha vida. Digo que só
espero isto, porque Luisinha é natural que se case breve.
Marques, apenas chegou
à corte, lembrou-se de ir à casa de Azevedo; não o fez por achar-se fatigado.
Tendo rematado o
romance da mulher que o levou ao Rio da Prata, o jovem fluminense, em cujo
espírito sucediam-se os projetos com espantosa facilidade, lembrou-se de que
deixara em meio um casamento, e voltou-se logo para essas primeiras ideias.
Entretanto, como a
antiga casa de Meneses era no centro da cidade, e ficava-lhe, portanto, mais
perto, Marques resolveu ir lá.
Encontrou um moleque
que lhe respondeu simplesmente:
— Nhonhô está em
Petrópolis.
— Fazendo o quê?
— Não sei, não senhor.
Eram quatro horas da
tarde. Marques foi jantar projetando ir à noite à casa de Azevedo.
No hotel encontrou um
amigo que, depois de abraçá-lo, despejou um alforje de notícias.
Entre elas veio a do
casamento de Meneses.
— Ah! casou-se o
Meneses? disse Marques espantado. Com quem?
— Com uma filha do
Azevedo.
— A Luísa?
— A Hortênsia.
— A Hortênsia!
— É verdade; há dois
meses. Estão em Petrópolis.
Marques enfiou.
Realmente ele não
amava a filha de Azevedo; e o direito que poderia ter à mão dela, tinha-o
destruído com a viagem misteriosa ao Rio da Prata e a carta que dirigira a
Meneses; tudo isto era assim; porém Marques era essencialmente vaidoso, e
aquele casamento feito em sua ausência, quando ele pensava vir achar Hortênsia
lavada em lágrimas e semiviúva, feriu-lhe profundamente o amor-próprio.
Por felicidade do
estômago dele só a vaidade estava ofendida, de modo que a natureza animal
readquiriu logo a sua supremacia à vista de uma sopa de ervilhas e de uma
maionese de peixe, fabricadas por mão de mestre.
Marques comeu como um
homem que vem de bordo, onde não enjoou, e depois de comer tratou de ir fazer
algumas visitas mais íntimas.
Deveria, porém, ir à
casa de Azevedo? Como deveria falar ali? Que teria havido em sua ausência?
Estas e outras perguntas
surgiam do espírito de Marques, que não sabia como decidir-se. Entretanto o
moço refletiu que não lhe convinha mostrar-se sabedor de nada, a fim de
adquirir o direito de censura, e que em todo caso era conveniente ir à casa de
Azevedo.
Chamou um tílburi e
foi.
Mas aí a resposta que
teve foi:
— O senhor não recebe
ninguém.
Marques voltou sem
saber até que ponto aquela resposta era ou deixava de ser um insulto para ele.
— Em todo caso,
pensou, o melhor é não voltar lá; além de que eu venho de fora, tenho o direito
à visita.
Mas os dias
passaram-se sem que lhe aparecesse ninguém.
Marques magoava-se com
isso; mas o que sobretudo lhe doía mais era ver que a mulher se lhe escapara
das mãos, e tanto mais se enraivecia quanto que a coisa era toda por culpa
dele.
— Mas que papel faz
Meneses em tudo isto? dizia ele consigo. Sabendo do meu projetado casamento foi
traição aceitá-la por esposa.
De pergunta em
pergunta, de consideração em consideração, Marques chegou a conceber um plano
de vingança contra Meneses, e com satisfação igual à de um general que tem
meditado um ataque enérgico e seguro, o jovem dândi esperou tranquilamente a
volta do casal Meneses.
CAPÍTULO 9
O casal voltou com
efeito daí a alguns dias.
Hortênsia vinha bela
como nunca; tinha na fronte o esplendor da esposa; a esposa tinha completado a
donzela.
Meneses era um homem
feliz. Amava e era amado. Estava no começo da vida, e ia fundar uma família.
Sentia-se cheio de força e disposto a ser completamente feliz.
Poucos dias depois de
chegarem à corte, Marques apareceu repentinamente no escritório de Meneses.
O primeiro encontro
compreende-se que devia ser um tanto estranho. Meneses, que estava na plena
consciência dos seus atos, recebeu Marques com um sorriso. Este procurou afetar
uma alegria desmedida.
— Cheguei, meu caro
Meneses, há quinze dias; e tive ímpetos de ir a Petrópolis; mas não pude. É
inútil dizer que ia a Petrópolis para dar-te os meus sinceros parabéns.
— Senta-te, disse
Meneses.
— Estás casado, disse
Marques sentando-se, e casado com a minha noiva. Se eu fosse outro
zangar-me-ia; mas, graças a Deus, tenho algum juízo. Acho que fizeste muito
bem.
— Creio que sim,
respondeu Meneses.
— Bem pesadas as
coisas eu não amava a minha noiva como convinha que ela fosse amada. Não
poderia fazê-la feliz, nem o seria eu próprio. Contigo é outra coisa.
— Então recebes assim
alegremente...
— Pois então! Não há
entre nós uma rivalidade; nenhuma competência nos separou. Foi apenas um
episódio na minha vida que eu estimo ver que tivesse este desenlace. Em suma,
tu vales mais do que eu; és mais digno dela...
— Fizeste boa viagem?
atalhou Meneses.
— Magnífica.
E Marques entrou na
exposição minuciosa da viagem, até que um abençoado procurador de causas veio interrompê-lo.
Meneses apertou a mão
do amigo, oferecendo-lhe a casa.
— Lá irei, lá irei,
mas peço que convenças a tua mulher de que não me há de receber acanhadamente.
O que passou, passou: eu é que não valho nada.
— Adeus!
— Adeus!
CAPÍTULO 10
Não tardou muito que
Marques fosse à casa de Meneses, onde Hortênsia lhe preparara uma recepção
fria.
Contudo uma coisa era
planear, outra era executar.
Depois de ter amado
tão ardentemente o rapaz, a moça não podia deixar de sentir um primeiro abalo.
Sentiu, mas
dominou-se.
Pela sua parte, o
preterido moço, que realmente nada sentia, pôde representar tranquilamente o
seu papel.
O que ele queria (por
que não dizê-lo?) era reconquistar no coração da moça o terreno perdido.
Mas como?
Apenas chegado de fora
do país, vendo a sua noiva casada com outro, Marques não recebe impressão
alguma, e longe de fugir àquela mulher que lhe lembrava uma felicidade perdida,
entra friamente por aquela casa que não é dele, e fala tranquilamente à noiva
que já lhe não pertence.
Tais eram as reflexões
de Hortênsia.
Entretanto, Marques
persistia no seu plano, e empregava na execução dele uma habilidade que ninguém
lhe supunha.
Um dia em que se achou
só com Hortênsia, ou antes em que lá foi à casa dela na certeza que Meneses
estava fora, Marques dirigiu a conversa para os tempos dos antigos amores.
Hortênsia não o
acompanhou nesse terreno; mas ele insistiu, e como ela lhe declarasse que tudo
aquilo estava morto, Marques prorrompeu nestas palavras:
— Morto! para a
senhora, é possível; mas não para mim; para mim que nunca a esqueci, e se por
uma fatalidade, que eu ainda hoje não posso revelar, fui obrigado a partir para
fora, nem por isso a esqueci. Cuidei que houvesse feito o mesmo, e desembarquei
com a doce esperança de ser seu esposo. Por que motivo não esperou por mim?
Hortênsia não
respondeu; não fez o menor gesto, não disse uma palavra.
Levantou-se daí a
alguns segundos, e encaminhou-se altivamente para a porta do interior.
Marques ficou na sala
até que apareceu um moleque dizendo-lhe que tinha ordem de fazê-lo retirar.
A humilhação era
grande. Nunca houve mais triste Sadowa nas guerras de el-rei Cupido.
— Fui um asno! disse
Marques no outro dia quando a cena lhe voltou à lembrança, eu devia esperar
dois anos.
Quanto a Hortênsia,
logo depois da saída de Marques, entrou no quarto e verteu duas lágrimas, duas
apenas, as últimas que lhe restavam para chorar aquele amor tão grande e tão
mal posto.
As primeiras lágrimas
foram-lhe arrancadas pela dor; estas duas exprimiam a vergonha.
Hortênsia já se
envergonhava de ter amado aquele homem.
De todas as derrotas
do amor, esta é decerto a pior. O ódio é cruel, mas a vergonha é aviltante.
Quando Meneses voltou
para casa achou Hortênsia alegre e ansiosa por vê-lo; sem nada contar-lhe,
Hortênsia disse-lhe que tinha necessidade de apertá-lo ao seio, e que mais uma
vez agradecia a Deus a circunstância que os levou ao casamento.
Estas palavras, e a
ausência de Marques durante oito dias, fez compreender ao feliz marido que
alguma coisa houvera.
Mas nada perguntou.
Naquele casal
aliava-se tudo o que é nobre: o amor e a confiança. É este o segredo dos
casamentos felizes.
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