Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
Deolindo Venta-Grande (era uma alcunha de
bordo) saiu ao Arsenal de Marinha e enfiou pela Rua de Bragança. Batiam três
horas da tarde. Era a fina flor dos marujos e, demais, levava um grande ar de
felicidade nos olhos. A corveta dele voltou de uma longa viagem de instrução, e
Deolindo veio à terra tão depressa alcançou licença. Os companheiros
disseram-lhe, rindo:
— Ah! Venta-Grande! Que noite de almirante vai
você passar! ceia, viola e os braços de Genoveva. Colozinho de Genoveva...
Deolindo sorriu. Era assim mesmo, uma noite
de almirante, como eles dizem, uma dessas grandes noites de almirante que o
esperava em terra. Começara a paixão três meses antes de sair a corveta.
Chamava-se Genoveva, caboclinha de vinte anos, esperta, olho negro e atrevido.
Encontraram-se em casa de terceiro e ficaram morrendo um pelo outro, a tal
ponto que estiveram prestes a dar uma cabeçada, ele deixaria o serviço e ela o
acompanharia para a vila mais recôndita do interior.
A velha Inácia, que morava com ela,
dissuadiu-os disso; Deolindo não teve remédio senão seguir em viagem de
instrução. Eram oito ou dez meses de ausência. Como fiança recíproca,
entenderam dever fazer um juramento de fidelidade.
— Juro por Deus que está no céu. E você?
— Eu também.
— Diz direito.
— Juro por Deus que está no céu; a luz me
falte na hora da morte.
Estava celebrado o contrato. Não havia
descrer da sinceridade de ambos; ela chorava doidamente, ele mordia o beiço
para dissimular. Afinal separaram-se, Genoveva foi ver sair a corveta e voltou
para casa com um tal aperto no coração que parecia que "lhe ia dar uma
coisa". Não lhe deu nada, felizmente; os dias foram passando, as semanas, os
meses, dez meses, ao cabo dos quais, a corveta tornou e Deolindo com ela.
Lá vai ele agora, pela rua de Bragança,
Prainha e Saúde, até ao princípio da Gamboa, onde mora Genoveva. A casa é uma
rotulazinha escura, portal rachado do sol, passando o Cemitério dos Ingleses;
lá deve estar Genoveva, debruçada à janela, esperando por ele. Deolindo prepara
uma palavra que lhe diga. Já formulou esta: "Jurei e cumpri", mas
procura outra melhor. Ao mesmo tempo lembra as mulheres que viu por esse mundo
de Cristo, italianas, marselhesas ou turcas, muitas delas bonitas, ou que lhe
pareciam tais. Concorda que nem todas seriam para os beiços dele, mas algumas
eram, e nem por isso fez caso de nenhuma. Só pensava em Genoveva. A mesma
casinha dela, tão pequenina, e a mobília de pé quebrado, tudo velho e pouco,
isso mesmo lhe lembrava diante dos palácios de outras terras. Foi à custa de
muita economia que comprou em Trieste um par de brincos, que leva agora no
bolso com algumas bugigangas. E ela que lhe guardaria? Pode ser que um lenço
marcado com o nome dele e uma âncora na ponta, porque ela sabia marcar muito
bem. Nisto chegou à Gamboa, passou o cemitério e deu com a casa fechada. Bateu,
falou-lhe uma voz conhecida, a da velha Inácia, que veio abrir-lhe a porta com
grandes exclamações de prazer. Deolindo, impaciente, perguntou por Genoveva.
— Não me fale nessa maluca, arremeteu a
velha. Estou bem satisfeita com o conselho que lhe dei. Olhe lá se fugisse.
Estava agora como o lindo amor.
— Mas que foi? que foi?
A velha disse-lhe que descansasse, que não
era nada, uma dessas coisas que aparecem na vida; não valia a pena zangar-se.
Genoveva andava com a cabeça virada...
— Mas virada por quê?
— Está com um mascate, José Diogo. Conheceu
José Diogo, mascate de fazendas? Está com ele. Não imagina a paixão que eles
têm um pelo outro. Ela então anda maluca. Foi o motivo da nossa briga. José
Diogo não me saía da porta; eram conversas e mais conversas, até que eu um dia
disse que não queria a minha casa difamada. Ah! meu pai do céu! foi um dia de
juízo. Genoveva investiu para mim com uns olhos deste tamanho, dizendo que
nunca difamou ninguém e não precisava de esmolas. Que esmolas, Genoveva? O que
digo é que não quero esses cochichos à porta, desde as ave-marias... dois dias
depois estava mudada e brigada comigo.
— Onde mora ela?
— Na Praia Formosa, antes de chegar à
pedreira, uma rótula pintada de novo.
Deolindo não quis ouvir mais nada. A velha
Inácia, um tanto arrependida, ainda lhe deu avisos de prudência, mas ele não os
escutou e foi andando. Deixo de notar o que pensou em todo o caminho; não
pensou nada. As ideias marinhavam-lhe no cérebro, como em hora de temporal, no
meio de uma confusão de ventos e apitos. Entre elas rutilou a faca de bordo,
ensanguentada e vingadora. Tinha passado a Gamboa, o Saco do Alferes, entrara
na praia Formosa. Não sabia o número de casa, mas era perto da pedreira,
pintada de novo, e com auxílio da vizinhança poderia achá-la. Não contou com o
acaso que pegou de Genoveva e fê-la sentar à janela, cosendo, no momento em que
Deolindo ia passando. Ele conheceu-a e parou; ela, vendo o vulto de um homem,
levantou os olhos e deu com o marujo.
— Que é isso? exclamou espantada. Quando
chegou? Entre, seu Deolindo.
E, levantando-se, abriu a rótula e fê-lo
entrar. Qualquer outro homem ficaria alvoroçado de esperanças, tão francas eram
as maneiras da rapariga; podia ser que a velha se enganasse ou mentisse; podia
ser mesmo que a cantiga do mascate estivesse acabada. Tudo isso lhe passou pela
cabeça, sem a forma precisa do raciocínio ou da reflexão, mas em tumulto e
rápido. Genoveva deixou a porta aberta: fê-lo sentar-se, pediu-lhe notícias da
viagem e achou-o mais gordo; nenhuma comoção nem intimidade. Deolindo perdeu a
última esperança. Em falta de faca, bastavam-lhe as mãos para estrangular
Genoveva, que era um pedacinho de gente, e durante os primeiros minutos não
pensou em outra coisa.
— Sei tudo, disse ele.
— Quem lhe contou?
Deolindo levantou os ombros.
— Fosse quem fosse, tornou ela, disseram-lhe
que eu gostava muito de um moço?
— Disseram.
— Disseram a verdade.
Deolindo chegou a ter um ímpeto; ela fê-lo
parar só com a ação dos olhos. Em seguida disse que, se lhe abrira a porta, é
porque contava que era homem de juízo. Contou-lhe então tudo, as saudades que
curtira, as propostas do mascate, as suas recusas, até que um dia, sem saber
como, amanhecera gostando dele.
— Pode crer que pensei muito e muito em você.
Sinhá Inácia que lhe diga se não chorei muito... Mas o coração mudou... Mudou...
Conto-lhe tudo isto, como se estivesse diante do padre, concluiu sorrindo.
Não sorria de escárnio. A expressão das
palavras é que era uma mescla de candura e cinismo, de insolência e
simplicidade, que desisto de definir melhor. Creio até que insolência e cinismo
são mal aplicados. Genoveva não se defendia de um erro ou de um perjúrio; não
se defendia de nada; faltava-lhe o padrão moral das ações. O que dizia, em
resumo, é que era melhor não ter mudado, dava-se bem com a afeição do Deolindo,
a prova é que quis fugir com ele; mas, uma vez que o mascate venceu o marujo, a
razão era do mascate, e cumpria declará-lo. Que vos parece? O pobre marujo
citava o juramento de despedida, como uma obrigação eterna, diante da qual
consentira em não fugir e embarcar: "Juro por Deus que está no céu; a luz
me falte na hora da morte". Se embarcou, foi porque ela lhe jurou isso.
Com essas palavras é que andou, viajou, esperou e tornou; foram elas que lhe
deram a força de viver. Juro por Deus que está no céu; a luz me falte na hora
da morte...
— Pois, sim, Deolindo, era verdade. Quando
jurei, era verdade. Tanto era verdade que eu queria fugir com você para o
sertão. Só Deus sabe se era verdade! Mas vieram outras coisas... Veio este moço
e eu comecei a gostar dele...
— Mas a gente jura é para isso mesmo; é para
não gostar de mais ninguém...
— Deixa disso, Deolindo. Então você só se
lembrou de mim? Deixa de partes...
— A que horas volta José Diogo?
— Não volta hoje.
— Não?
— Não volta; está lá para os lados de
Guaratiba com a caixa; deve voltar sexta-feira ou sábado... E por que é que
você quer saber? Que mal lhe fez ele?
Pode ser que qualquer outra mulher tivesse
igual palavra; poucas lhe dariam uma expressão tão cândida, não de propósito,
mas involuntariamente. Vede que estamos aqui muito próximos da natureza. Que
mal lhe fez ele? Que mal lhe fez esta pedra que caiu de cima? Qualquer mestre
de física lhe explicaria a queda das pedras. Deolindo declarou, com um gesto de
desespero, que queria matá-lo. Genoveva olhou para ele com desprezo, sorriu de
leve e deu um muxoxo; e, como ele lhe falasse de ingratidão e perjúrio, não
pôde disfarçar o pasmo. Que perjúrio? Que ingratidão? Já lhe tinha dito e
repetia que quando jurou era verdade. Nossa Senhora, que ali estava, em cima da
cômoda, sabia se era verdade ou não. Era assim que lhe pagava o que padeceu? E
ele que tanto enchia a boca de fidelidade, tinha-se lembrado dela por onde
andou?
A resposta dele foi meter a mão no bolso e
tirar o pacote que lhe trazia. Ela abriu-o, aventou as bugigangas, uma por uma,
e por fim deu com os brincos. Não eram nem poderiam ser ricos; eram mesmo de
mau gosto, mas faziam uma vista de todos os diabos. Genoveva pegou deles,
contente, deslumbrada, mirou-os por um lado e outro, perto e longe dos olhos, e
afinal enfiou-os nas orelhas; depois foi ao espelho de pataca, suspenso na
parede, entre a janela e a rótula, para ver o efeito que lhe faziam. Recuou,
aproximou-se, voltou a cabeça da direita para a esquerda e da esquerda para a
direita.
— Sim, senhor, muito bonito, disse ela,
fazendo uma grande mesura de agradecimento. Onde é que comprou?
Creio que ele não respondeu nada, nem teria
tempo para isso, porque ela disparou mais duas ou três perguntas, uma atrás da
outra, tão confusa estava de receber um mimo a troco de um esquecimento.
Confusão de cinco ou quatro minutos; pode ser que dois. Não tardou que tirasse
os brincos, e os contemplasse e pusesse na caixinha em cima da mesa redonda que
estava no meio da sala. Ele pela sua parte começou a crer que, assim como a
perdeu, estando ausente, assim o outro, ausente, podia também perdê-la; e,
provavelmente, ela não lhe jurara nada.
— Brincando, brincando, é noite, disse
Genoveva.
Com efeito, a noite ia caindo rapidamente. Já
não podiam ver o Hospital dos Lázaros e mal distinguiam a ilha dos Melões; as
mesmas lanchas e canoas, postas em seco, defronte da casa, confundiram-se com a
terra e o lodo da praia. Genoveva acendeu uma vela. Depois foi sentar-se na
soleira da porta e pediu-lhe que contasse alguma coisa das terras por onde andara.
Deolindo recusou a princípio; disse que se ia embora, levantou-se e deu alguns
passos na sala. Mas o demônio da esperança mordia e babujava o coração do pobre
diabo, e ele voltou a sentar-se, para dizer duas ou três anedotas de bordo.
Genoveva escutava com atenção. Interrompidos por uma mulher da vizinhança, que
ali veio, Genoveva fê-la sentar-se também para ouvir "as bonitas histórias
que o Sr. Deolindo estava contando". Não houve outra apresentação. A
grande dama que prolonga a vigília para concluir a leitura de um livro ou de um
capítulo, não vive mais intimamente a vida dos personagens do que a antiga
amante do marujo vivia as cenas que ele ia contando, tão livremente interessada
e presa, como se entre ambos não houvesse mais que uma narração de episódios.
Que importa à grande dama o autor do livro? Que importava a esta rapariga o
contador dos episódios?
A esperança, entretanto, começava a
desampará-lo e ele levantou-se definitivamente para sair. Genoveva não quis
deixá-lo sair antes que a amiga visse os brincos, e foi mostrar-lhos com
grandes encarecimentos. A outra ficou encantada, elogiou-os muito, perguntou se
os comprara em França e pediu a Genoveva que os pusesse.
— Realmente, são muito bonitos.
Quero crer que o próprio marujo concordou com
essa opinião. Gostou de os ver, achou que pareciam feitos para ela e, durante
alguns segundos, saboreou o prazer exclusivo e superfino de haver dado um bom
presente; mas foram só alguns segundos.
Como ele se despedisse, Genoveva acompanhou-o
até à porta para lhe agradecer ainda uma vez o mimo, e provavelmente dizer-lhe
algumas coisas meigas e inúteis. A amiga, que deixara ficar na sala, apenas lhe
ouviu esta palavra: "Deixa disso, Deolindo"; e esta outra do
marinheiro: "Você verá." Não pôde ouvir o resto, que não passou de um
sussurro.
Deolindo seguiu, praia fora, cabisbaixo e
lento, não já o rapaz impetuoso da tarde, mas com um ar velho e triste, ou,
para usar outra metáfora de marujo, como um homem "que vai do meio caminho
para terra". Genoveva entrou logo depois, alegre e barulhenta. Contou à
outra a anedota dos seus amores marítimos, gabou muito o gênio do Deolindo e os
seus bonitos modos; a amiga declarou achá-lo grandemente simpático.
— Muito bom rapaz, insistiu Genoveva. Sabe o
que ele me disse agora?
— Que foi?
— Que vai matar-se.
— Jesus!
— Qual o quê! Não se mata, não. Deolindo é
assim mesmo; diz as coisas, mas não faz. Você verá que não se mata. Coitado,
são ciúmes. Mas os brincos são muito engraçados.
— Eu aqui ainda não vi destes.
— Nem eu, concordou Genoveva, examinando-os à
luz. Depois guardou-os e convidou a outra a coser. — Vamos coser um bocadinho,
quero acabar o meu corpinho azul...
A verdade é que o marinheiro não se matou. No
dia seguinte, alguns dos companheiros bateram-lhe no ombro, cumprimentando-o
pela noite de almirante, e pediram-lhe notícias de Genoveva, se estava mais
bonita, se chorara muito na ausência, etc. Ele respondia a tudo com um sorriso
satisfeito e discreto, um sorriso de pessoa que viveu uma grande noite. Parece
que teve vergonha da realidade e preferiu mentir.
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