O ladrão
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Quem lê os jornais desta capital,
tem a impressão de que a arte que mais tem progredido, é, no Rio de janeiro, a
arte de furtar. Os feitos da gatunagem são, realmente, aqui, tão numerosos e
frequentes, que se fica supondo, ao examiná-los, que os nossos gatunos são
homens inteligentíssimos, capazes de ludibriar o resto da população.
O caso não é, entretanto, este.
Os gatunos não progrediram, não acrescentaram uma página, sequer, ao famoso
compêndio do padre Antônio Vieira. O que sucede é coisa diferente: a população
ingênua, ou incauta, foi que se tornou mais incauta ou mais ingênua tornando,
assim, mais fácil do que outrora, a infração do sétimo mandamento. O caso do
comissário Francisco Ambrósio é, mais ou menos, uma viva demonstração dessa
verdade.
Funcionário policial de uma
argúcia surpreendente, Francisco Ambrósio de Oliveira era apontado em toda a
parte como um legítimo espantalho da gatunagem urbana. Não havia meliante,
malandro ou desordeiro que ele não conhecesse. O seu faro de perdigueiro,
auxiliado por uma perspicácia digna de Sherlock Holmes, constituía, pode-se
dizer, o melhor elemento de repressão de que, até hoje, dispôs a polícia.
Certa noite, porém, ao entrar, de
regresso da ronda, na sua própria casa, ouviu Francisco Ambrósio, de repente,
movimentos de gente estranha no pavimento superior. Cauteloso, habituado a
essas experiências da própria coragem, galgou, três a três, os degraus da
escada, até que observou, espantado, que o visitante noturno se havia homiziado
no seu quarto de dormir. Ao abrir o compartimento sofreu, no entanto, uma
decepção: a única pessoa que ali se achava era D. Luisinha, a qual, ao
escancarar-se a porta, pulou, assustada, da cama, sem saber do que se tratava.
O faro policial é, felizmente,
uma virtude que se manifesta contragosto, mesmo, de quem a possui. E assim foi
que, sem custo, Francisco Ambrósio descobriu, impondo silêncio com o dedo
indicador estirado sobre os lábios, que havia um gatuno debaixo da cama.
— O gatuno está ali debaixo! —
rosnou, convicto, ao ouvido da mulher.
E em voz alta, arrancando o
revólver do bolso traseiro da calça:
— Quem está aí?
D. Luisinha tremeu, pela sorte do
marido.
— Quem está aí? — gritou, de
novo, o comissário.
E ia perguntar pela terceira vez,
quando a moça, temendo que o ladrão lhe saltasse sobre o esposo, segurou a
autoridade pela manga do paletó, puxando-a para fora do quarto, ao mesmo tempo
que aconselhava, amorosa:
— Deixa disso, Francisco. Ele,
que não responde, é com certeza, porque não é conhecido...
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