O Leilão
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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— Um conto e duzentos! Um conto e
duzentos! Dou um conto e duzentos!
Foi ao som desse pregão
intempestivo que o Dr. Alfredo Camilo despertou, alta madrugada, na sua cama de
casal, na alcova suavemente iluminada por uma pequenina lâmpada de cabeceira.
Espantado, o ilustre médico voltou-se no leito, e percebeu que era a sua jovem
esposa, a formosíssima D. Belita, que insistia, no meio de um sono agitado:
— Um conto e duzentos! Um conto e
duzentos! Dou um conto e duzentos!
Sentando-se na cama, o Dr.
Alfredo bateu no ombro nu da esposa, sacudindo-a, com força:
— Belitinha! Belitinha! Que é
isso? Que é que tens? Acorda!
— Hein? Hein? Que é? Que é que
tem? — exclamou a moça, despertando, espantada, esfregando os olhos com as
mãos.
— Estás com pesadelo? — indagou o
marido.
— Não; era um sonho... Por quê?
— Estavas para aí fazendo
leilão...
— Ahn! — exclamou a linda
senhora, espreguiçando-se. — Uma extravagância... uma tolice...
— Conta! Quero saber o que era! —
pediu o esposo; enciumado.
— Não vale a pena, Alfredo!
— Conta! — exigiu o Otelo.
D. Belita agasalhou, a cabecita
de ouro no peito do marido, e começou a narrar, de olhos fechados:
— Eu sonhei que me achava em um
mercado, não sei em que cidade, nem em que país onde estavam fazendo um leilão
de homens, para maridos, os quais eram disputados por centenas de mulheres. De
repente, depois de várias arrematações, levaram um rapagão alto, forte,
formoso, uma verdadeira beleza, que encantou, logo, todas as pretendentes. Ao
vê-lo, a Luisinha, mulher do Alonso, que também estava presente, lançou
duzentos mil réis. Eu lancei trezentos. A Abigail ofereceu quinhentos. Eu cobri
o lance com oitocentos, e estava oferecendo um conto e duzentos quando tu me
despertaste.
Com os olhos presos na cabeça da
esposa, o Dr. Alfredo ouvia, em silêncio, essa história, quando, chegada a
narração ao fim, protestou, revoltado:
— Sim, senhora! Uma senhora
honesta, e casada, a ter sonhos destes!...
Não convindo, porém, brigar,
àquela hora, por um simples sonho, um mero fenômeno de imaginação, procurou
consolar-se, indagando:
— E eu, não estava lá, não?
— Você? Não vi.
— Mas, se eu estivesse lá, as
mulheres dariam uma fortuna... Não?
D. Delita sorriu, e, esfregando
os olhos:
— Você?
E com desprezo, rindo:
— Como você havia lá às dúzias, a
cinquenta mil réis, e ninguém queria!
E virou-se para o outro lado,
roncando...
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