
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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A palestra, naquela mesa tão
seleta, versava um assunto delicadíssimo: o direito, que tem o esposo, de
exigir da mulher a mais acentuada obediência, e a prerrogativa, que esta pode
ter, de usar, ou de abusar, da liberdade que lhe seja concedida.
— Ninguém — afirmava D. Consuelo
Mendes, com o sangue no rosto, — ninguém, no Rio, é mais exigente consigo
mesma, do que eu. Ninguém me vê em bailes, em festas, em piqueniques, em
divertimentos mais ou menos comprometedores. Vivo para minha casa, para meu
marido, para os meus filhos. Acho, porém, que a mulher que assim procede, tem o
direito de, uma vez por outra, desforrar-se, lançando mão da sua liberdade,
distraindo-se, divertindo-se, procurando, por suas mãos, o prêmio do seu
cativeiro.
E como percebesse a estranheza
causada pelas suas palavras, retificou, esclarecendo:
— Eu, por exemplo. Eu vivo para o
meu lar. Não saio, não faço visitas, não veraneio em Petrópolis, não faço
estação em Poços de Caldas. No Carnaval, porém, pago-me de tudo isso: danço,
folgo, divirto-me a valer!
Foi por essa altura, mais ou
menos, que o desembargador Abelardo de Barros interveio, abrindo, com
elegância, a sua cigarreira de ouro, polvilhada de brilhantes:
— Vossa excelência faz, então, D.
Consuelo, como aquele honesto beberrão, de que me falava, ontem, o Alfredo
Pinto, na casa de Saúde do Poggi.
A moça franziu a testa,
desconfiada, e o magistrado contou:
— Certo boêmio, habituado a
entrar em casa depois de uma peregrinação sistemática por todas as casas de
bebidas, resolveu, um dia, corrigir-se. Era preciso energia para não regressar
aos tombos, e ele havia de tê-la, dali em diante. Tomada essa resolução, saiu
para a rua, e passou, sem entrar, pela frente do primeiro botequim. Satisfeito
com a vitória, passou pelo segundo, pelo terceiro, pelo quarto, pelo quinto, e,
assim por vários outros, resistindo à tentação. À noite, à hora de recolher,
tomou o caminho do lar, quando se pôs a pensar, de si para si: "Sim,
senhor! Nunca pensei, seu Fernandes, nunca pensei que você tivesse tamanha
força de vontade!" Deu mais alguns passos, e insistiu: "Você merece
um prêmio. Vou lhe pagar um whisky!" E entrou no botequim, chegando em
casa, nessa noite, tão bêbado como na véspera!
As senhoras entreolharam-se e
Dona Consuelo interpelou-o, vermelha.
— Isso não tem nada com o meu
caso; tem?
— Absolutamente, nada, D.
Consuelo! acudiu o desembargador, vascolejando a cabeça: — absolutamente nada.
E mergulhou o nariz no chá.
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