11/10/2017

O Rio Purus (Conto), de Humberto de Campos


O Rio Purus
(De uma frase de Dumas Filho)

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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À pequenina mesa de chá que Madame Peixoto Leroux me reservara naquela primeira reunião dos seus íntimos, sentavam-se, à sombra das mangueiras seculares da sua linda chácara da Tijuca, o desembargador Abelardo, a jovem Madame Costa Retore e, mais alegre que todos nós reunidos, a encantadora Baronesa de São Bonifácio, recentemente chegada de Londres. Risonha, graciosa, inteligente, a loura titular tomou conta, logo, de todos nós, guiando a palestra com a habilidade com que dirige, às vezes, à tarde, pelas estradas da Gávea, o seu grande automóvel de seis lugares. Ligando os assuntos como quem liga, uma a uma, e continuamente, as pérolas do mesmo colar, a Baronesa indagou, de repente:

— É verdade, que notícias me dão vocês da Lilita Wilson?

O desembargador, que é entendidíssimo em novidades de salão, alcova e cozinha, acudiu, pronto:

— Casou-se, outra vez. Logo que lhe morreu o primeiro marido, casou-se com o Alberto Manzoni, de São Paulo. Com a morte deste, na guerra, contraiu terceiras núpcias aqui mesmo.

— Com o Alexandre?

— Não; com o Viana Moreira, do Rio Grande do Sul.

A Baronesa, sem mostrar espanto, sorriu, e, após um gole de chá e de uma torradinha minúscula, que lhe encheu toda a boca, lamentou, penalizada:

— Coitadinha! Até parece, já, o rio Purus, descrito por Euclides da Cunha!

— O rio Purus? — estranhei, pousando a chávena.

E a minha amiga, perversa.

— Então? Ela tem mudado tanto de leito!...

Uma folha amarela que se despregara da mangueira pôs termo à conversa, caindo, certeira, aos rodopios, como uma flecha vegetal, na xícara vazia da Baronesa...

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