
Os médicos
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Há três ou quatro anos, quando se
cuidou, no Rio, da fundação da Casa do Médico, destinada a recolher, na
velhice, os numerosos náufragos da profissão, Paulo Araújo e Belmiro Valverde
definiram, em interessante memorial, o que é, em verdade, a vida de um apóstolo
da Medicina.
Não há, realmente, na terra,
profissão economicamente mais ingrata do que a de médico. O indivíduo que entra
na loja de um comerciante seu amigo, paga pelo preço comum, ou com pequeno
abatimento, a mercadoria de que faz aquisição. O barbeiro não faz a barba
gratuitamente a ninguém. O advogado não defende causas sem remuneração, nem o
ferreiro conserta de graça a ferramenta dos operários que lhe são íntimos. Ao
médico, entretanto, não se faz a mesma justiça. Pelo fato de ser o seu trabalho
relativamente leve, e consistir, apenas, em pôr algumas palavras sobre uma
folha de papel, acham os clientes que lhes não devem pagar por tão pouco,
esquecendo-se que essas palavras, isto é, essa receita, constitui o fruto de
vários anos de estudo, de esforço, de experiência, em que foram consumidas
diversas dezenas de contos. Porque o médico não gasta aos olhos do cliente,
senão um pouco de tinta e uma tira em branco, é o seu trabalho depreciado,
especialmente pelos camaradas, pelos amigos, pelos íntimos, que não fariam,
jamais, o mesmo, se se tratasse de um engenheiro ou, em esfera mais baixa, de
um simples engraxate. E daí o número relativamente grande de médicos que
envelhecem na pobreza, e que entram, afinal, no carro escuro da Morte, pela
porta de ferro da miséria.
Tomando em consideração esse
abuso é que aparecem, de vez em quando, por toda a parte, as reações justas,
enérgicas, inteligentes. É conhecida, por exemplo, a história daquela senhora
que, pretendendo arranjar uma receita de certo médico ilustre, indagou, ao
encontrá-lo:
— Doutor, que é que o senhor faz
quando tem tosse?
O médico percebeu o plano e
respondeu, grave:
— Tusso, minha senhora!
A reação mais pitoresca e eficaz
de que há notícia foi, porém,
a de que tomou a iniciativa, há dias, o notável mestre Sr. Dr. Miguel Couto.
Certa senhora de fortuna, habituada a tratar-se com o ilustre clínico
brasileiro por meio de receitas obtidas de surpresa, resolveu, da última vez,
fazer o mesmo cercando-o em plena. Avenida:
— Ó doutor, como está?
— Bem, D. Veneranda; e a senhora,
como tem passado?
— Eu? — acudiu a matrona
atingindo o ponto a que pretendia chegar. — Eu não estou passando bem, não,
doutor.
E logo, em seguida:
— Tenho sentido uma dor aqui, no
peito, que responde aqui, no fígado, causando-me uma aflição enorme, que me não
deixa dormir. Que é que o doutor acha que seja?
O Dr. Miguel Couto olhou para um
lado e para outro na Avenida fervilhante de gente, e ordenou:
— Vamos ver isso, D. Veneranda.
Dispa-se!
— Como? — estranhou a velha,
recuando.
— Dispa-se, para fazer-lhe um
exame, tornou o médico.
A matrona arregalou os olhos,
escandalizada, e protestou:
— O senhor pensa que eu sou
maluca?
E o Dr. Miguel, no mesmo tom:
— E a senhora não acha que eu
tenho o meu consultório no meio da rua?
A velha eclipsou-se.
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