O marido esquecido
(Tradução: Alfredo Ferreira)
Digitalização e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Luiz, duque de Orleans,
assassinado na porta Barbette, em Paris, fez muito ao contrário (grande
debochador das damas da corte, e sempre das maiores); porque, tendo dormido com
ele uma grande e bela dama, assim que o marido dela veio ao seu quarto para
dizer-lhe bom dia, ele foi cobrir a cabeça da dama, esposa do outro, com o
lençol, e descobriu-lhe todo o corpo, fazendo-lho ver completamente nu, e
tocar-lhe a seu bel-prazer, com proibição expressa, sob risco da vida, de não
lhe tirar o lençol do rosto, nem lho descobrir de forma alguma, ao que o outro
não ousou desobedecer, e perguntando-lhe por várias vezes o que lhe parecia
aquele corpo completamente nu: o outro ficou todo assombrado e grandemente
satisfeito. O duque ordenou-lhe afinal que saísse do seu quarto, o que ele fez
sem ter podido nunca reconhecer que era a sua própria esposa.
Se ele a tivesse visto e
examinado completamente nua, como muitas que eu vi, ele a teria reconhecido
entre mil, sem dúvida; o que mostra que é aconselhável examinar-lhes uma vez
por outra o corpo.
Ela, depois que o; marido saiu,
foi interrogada pelo senhor de Orleans sobre se tinha tido susto e medo.
Deixo-os imaginar o que ela disse, do receio e pavor que passara durante um
quarto de hora; porque não era preciso mais que uma pequena indiscrição, ou a
menor desobediência que o marido tivesse cometido para levantar o lençol; era
verdade, disse o senhor de Orleans, mas ele o teria matado logo, para impedir
que pudesse fazer qualquer mal à esposa.
E o melhor foi que esse marido, à
noite depois de deitado com a mulher, disse-lhe que o Sr. de Orleans lhe
mostrara a mais bela mulher nua que jamais vira, mas que, quanto ao rosto, não
lhe sabia disser nada, porque ele não lho deixara ver. Deixo-os imaginar o que
poderia a mulher pensar dele consigo mesma. E dessa grande dama e do senhor de
Orleans, diz-se que nasceu esse valente e destemido bastardo de Orleans, o
sustentáculo da França e o flagelo da Inglaterra, e do qual veio essa nobre e
generosa raça dos Dunois.
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