3/31/2018

Literatura Brasileira: Junqueira Freire (Ensaio Biográfico), de José Veríssimo


Junqueira Freire
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Luís José Junqueira Freire nasceu na Bahia em 1832 e ali mesmo faleceu, sem nunca ter saído da terra natal, em 1855. Os seus estudos exclusivamente literários, fizera-os com pouco sistema nas aulas primárias e avulsas secundárias da sua terra e em seguida no Liceu Provincial. Completou-os ou os aperfeiçoou depois com a leitura copiosa e variada, principalmente dos poetas latinos e modernos. As suas tentativas críticas não lhe desmerecem essa capacidade e são escritas numa língua em que porventura havia um bom embrião de prosador.

Uma temporã paixão amorosa mal-aventurada levou Junqueira Freire, por desespero romântico, a fazer-se frade. Não tinha nenhuma vocação ou sequer vivo sentimento religioso. Ao revés, dos fragmentos autobiográficos dele restantes verifica-se que era antes um espírito crítico, já meio desabusado, que metia à bulha devoções e crendices acatadas pela Igreja. Ao desespero amoroso a que a vida monástica não dera remédio, ajuntou-se lhe logo o desespero da vida, para a qual não nascera, e com ele a revolta contra o seu estado de frade e até contra o estado monástico em geral. Foram os dois sentimentos conjugados que o fizeram poeta e lhe deram a originalidade de ser na nossa literatura, senão também em toda a poesia da nossa língua, o único francamente rebelde a uma das feições mais particulares do catolicismo, e que de o ser tirou inspiração. Ao livro de seus primeiros poemas publicados na Bahia em 1855, pouco antes de sua morte, chamou de Inspirações do claustro. O título é impróprio, pois faz erroneamente supor que lhos inspirou a religião do claustro, quando motivaram-nos o desespero e a revolta contra ele. Sob a estamenha do monge continuou a palpitar o seu coração enamorado, e no claustro mesmo o seu amor, numa ardência de desejos insatisfeitos e agora irrealizáveis sem crime, irrompia em poemas que, no seu estado, frisavam ao sacrilégio. Dessa coleção justamente os poemas mais fracos são os de inspiração presumida de religiosa, O apóstolo entre as gentes, A flor murcha do altar, O incenso do altar, Os claustros e quejandos, em que ideia, emoção, estilo são de lamentável frouxidão. A todos falta a unção que só dá menos uma fé confessada que um íntimo sentimento religioso. Nenhum parece vindo tão do fundo d'alma como as suas imprecações de frade desiludido ou os seus lamentos de amoroso desesperado. A mesma observação cabe aos seus poemas intencionalmente brasileiros. Destes poetas é Junqueira Freire o único a ainda sacrificar ao indianismo e a propósitos patrióticos, embora escassamente e sem convicção nem entusiasmo. Ressentem-se destas falhas os seus poemas (O hino da cabocla, Dertinoa) dessa inspiração, que estão em tudo e por tudo bem longe do modelo evidentemente mirado, Gonçalves Dias, com quem Junqueira Freire teve relações pessoais e a quem dedicou um dos seus poemas. Não aprendeu, aliás, dele a ciência do verso branco, que ao seu falta harmonia e relevo. Os melhores versos de Junqueira Freire são talvez os de contextura popular, sem preocupações de métrica. Afetava demasiado o verso de onze sílabas, geralmente desagradável pelo seu soar agalopado.
Punge-o também a ideia da morte, como era natural de uma alma de raiz romântica, afligida pelo ódio da sua profissão monástica, pelo desespero de um mal-aventurado amor e ainda pela miséria de um organismo doentio. Entrevê-se-lhe aquela ideia em vários passos dos seus poemas, e claramente e numa bela frase poética mostra-se no intitulado Morte:
Pensamento gentil de paz eterna
Amiga morte, vem.

Punge-o porém, sem a expressão angustiosa de Álvares de Azevedo ou Casimiro de Abreu, se não mais conformada e serena. Os seus poemas característicos, a manifestações mais significativas do seu sentimento e estro e do seu feitio poético, são Meu filho no claustro, A órfã na costura, Frei Bastos, A profissão de Frei Ramos, A freira, Ela, Saudade, Desejo, Morte, Temor. Estes sobretudo lhe dão a feição que o distingue no grupo da segunda geração romântica. Nenhum deles tem a perfeição relativa que se pode exigir de quem poetava em época em que se não era tão pontilhoso nas exigências da forma poética, mas reunidos desenham uma não vulgar fisionomia de poeta.

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