

Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Manuel de Araújo Porto Alegre
nasceu no Rio Grande do Sul em 29 de novembro de 1806 e faleceu, feito Barão de
Santo Ângelo, em Lisboa, em 29 de dezembro de 1879. Como crescidíssimo número
de literatos brasileiros, era um autodidata. Após os primeiros e forçosamente
mofinos estudos preparatórios feitos na sua província natal, veio para o Rio de
Janeiro em 1827. Destinava-se à Academia Militar. Não indicava este propósito
nenhuma vocação pela carreira das armas. Porto Alegre cedia à necessidade que
levou tantíssimos moços brasileiros pobres a procurarem aquela escola para
adquirirem economicamente uma instrução que de outro modo não poderiam fazer.
Como lhe falhasse a matrícula na Academia Militar, voltou-se para a de
Belas-Artes, onde ao cabo do primeiro ano alcançou o prêmio de pintura e
arquitetura. O pintor Debret, daquele grupo de artistas franceses que no tempo
de D. João VI vieram aqui fundar o ensino artístico, foi um dos seus mestres e
por tal maneira se lhe afeiçoou, que regressando à França, em 1831, levou-o
consigo. Até o ano de 1837 viajou Porto Alegre pela Bélgica, Itália, Suíça,
Inglaterra e Portugal, e nessas viagens completou a sua instrução geral e
educação artística. Voltando ao Brasil nesse ano, fundou com outros o
Conservatório Dramático e a Academia de Ópera Lírica, e tomou parte ativa e
conspícua no movimento literário do Romantismo, colaborando em várias revistas,
dirigindo outras, trabalhando no Instituto Histórico e publicando obras
diversas. Posteriormente entrou para o Corpo Consular, tornando à Europa, que
desde 1859 quase sempre habitou e onde morreu. Em Paris pertenceu ao grupo da Niterói, revista brasileira de ciências,
letras e artes ali publicada em 1836, e que serviu de órgão à iniciação da
literatura brasileira no Romantismo. Do mesmo grupo eram Magalhães e Sales
Tôrres Homem, que a política devia em breve tomar às letras. Nesse período
estreou com o poema A voz da natureza,
composto em Nápoles, em 1835. Este "Canto sobre as ruínas de Cumas" é
naquela época um poema estranho, inteiramente fora dos moldes da poesia
contemporânea, alguma coisa que, não obstante fraquezas de inspiração e forma,
se aproxima da poesia bem mais moderna da Lenda
dos séculos e que tais interpretações poéticas da história. Em 1843, noutra
revista que foi parte importante no movimento do nosso Romantismo, a Minerva Brasiliense, deu Porto Alegre à
luz as suas primeiras Brasilianas.
Muito mais tarde as reuniu em volume com outras composições e este mesmo
título, que era de si um programa literário. A sua intenção declara-o ele no
prefácio, não lhe pareceu ficasse baldada, "porque foi logo compreendida
por alguns engenhos mais fecundos e superiores que trilharam a mesma
vereda". E em seguida confessa ter desejado "seguir e acompanhar o Sr.
Magalhães na reforma da arte, feita por ele em 1836 com a publicação dos Suspiros poéticos e completada em 1856
com o seu poema da Confederação dos
Tamoios". O testemunho precioso de Porto Alegre ratifica plenamente o
consenso geral dos contemporâneos do papel principal de Magalhães no advento do
nosso Romantismo. Porto Alegre é, entretanto, um engenho mais vasto, mais
profundo, mais completo que o seu amigo e êmulo. E mais pessoal também, e mais
intenso. Não obstante não é, como não era Magalhães, um romântico de vocação ou
de índole. Pelo menos nenhum deles o foi como serão os da geração seguinte à
sua. Ao Romantismo dos dois preclaros amigos faltam algumas feições, e acaso
das mais características, desse importante fato literário, como o extremo
subjetivismo e o individualismo insólito. Quase lhes ficou estranho, principalmente
a Porto Alegre, o amor, que em Magalhães é apenas o amor comedido, burguês,
doméstico, ao invés justamente do que cantavam e faziam os corifeus do
Romantismo europeu. Esta falta lhes amesquinhou o estro e a expressão, em ambos
sempre mais retórica, mais eloquente mesmo que sentida. As Brasilianas são uma obra de escola e de propósito, em que a
intenção, louvabilíssima embora e às vezes realizada com talento, é mais
visível que a inspiração. Estão muito longe da emoção sincera e tocante das Americanas, de Gonçalves Dias, que
viriam dar ao íntimo sentimento brasileiro, qual era naquele momento histórico,
a sua exata expressão.

A obra de prosador de Porto
Alegre é menos considerável que a de Magalhães, e não foi, como a deste, jamais
reunida em livro. Menos
vernáculo como prosador que o seu êmulo, o é muito mais como poeta, no Colombo. Mas sobretudo lhe é superior
pela abundância e vigor das ideias, movimento e colorido do estilo, e brilho da
forma. Neste, como é muito nosso, frequentemente excede-se e cai no empolado e
no retórico. Magalhães escreve mais natural e simplesmente, sem aliás evitar
sempre os extremos, o banal e o inchado. Esta marca do verdadeiro escritor, ter
ideias gerais, Porto Alegre é um dos primeiros dos nossos em que se nos depara.
É extraordinariamente raro que
ainda um homem de grande engenho, como sem dúvida era Porto Alegre, resista às
influências e se forre aos preconceitos do seu ambiente espiritual. Em plena
pujança das suas faculdades literárias, aos cinquenta anos e em mais de metade
do século que rompera com a tradição clássica das grandes epopeias, compôs e
publicou um poema de um prólogo e quarenta cantos com mais de vinte e quatro
mil versos, Colombo.

Imagens:
Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital
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