6/28/2018

Temas Poéticos: MITOLOGIA IV



Vênus morta
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)
Acabou. — De joelhos nos caminhos
Iam ficando as árvores, ao vê-la;
Ao vê-la, havia sons trepando os ninhos;
Buscavam nela os céus fugida estrela.

Não tinham para as suas mãos espinhos
As roseiras; o vale sem conhecê-la,
Se aveludava em púrpuras e arminhos,
Dizendo aos vales: — Vamos recebê-la.

É minha mágoa; foi meu pesadelo.
Amo-a assim mesmo, mesmo assim! — que importa?
Quero esse corpo frio em mim retê-lo...

Que grande dor todo universo corta...
Dor outra igual não houve entristecê-lo...
Ela morreu!... Vênus de novo é morta!...

★★★

O Monte de Vênus
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)

É neste monte que ela, a encantadora,
Que ela, a Afrodite esplêndida, aparece:
É aí que ela cogita, e pensa, e tece
Do rosal negro, ou seara fina e loura,

Que o cobre todo, e todo em roda cresce,
Esse estema auroral que ela entesoura,
Como se do universo a chave fora,
Ou fora do porvir a vida e a messe.

Ninguém aí vai sem ter primeiro amado,
Sem que ela veja um halo de tristeza,
Que faz um deus de um pobre alucinado.

Psiquê o viu, à mão lâmpada acesa,
Ticiano fiel o copiou, mau grado
Trazê-lo oculto ao flanco a Natureza...

★★★

Minerva
LUÍS DELFINO
“Íntimas e Aspásias” (1935)

Ter-te assim, hirta, a carne a palpitar-te,
O coração a te subir à boca,
O olhar, vulcão de luz, a frase louca
Nos lábios, como vaga, a marulhar-te;

O sangue rubro as faces a aurorar-te...
Não é na vida, não, coisa tão pouca
Ver-te um momento desvairada e louca,
E a alma nua a fremir, rugir sem arte.

Mesmo debaixo dos teus pés pisado,
Quero o teu gesto largo e apaixonado,
Na atitude do orgulho e da defesa...

Odiei sempre a serpente, que se enerva:
Em ti prefiro as iras de Minerva,
Ó deusa em fúria, ó pálida princesa...

★★★

Orfeu
LUÍS DELFINO
“Rosas Negras” (1938)

Há clamor nos rosais, há dança na montanha:
Valsa o arvoredo, rola em torno Pã, cintila
Enroscando-se o rio; o leão tem na pupila
Serpentes de ouro, o tigre uma fogueira estranha.

Cresce o delírio, sobe à esfera, e os numes ganha;
Entra o furor na turba há pouco inda tranquila
Dos planetas; e tudo anda em roda; vacila,
Precipita-se o Olimpo, e o ébrio ritmo acompanha.

Sobre as vagas do mar, por vez primeira quedas,
Netuno ergue a cabeça e o grupo das Nereidas.
Bóreas, filho da Aurora, as asas suspendeu.

Jove, os raios brandindo, os quer conter; aos brados
Surdos, deuses e sóis, em turbilhões levados,
Passam. — No Atos, de pé, cantava à lira Orfeu.

★★★

Oração a Cibele
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

Deitado sobre a terra, em cruz, levanto o rosto
Ao céu e às tuas mãos ferozes e esmoleres.
Mata-me! Abençoarei teu coração, composto,
Ó mãe, dos corações de todas as mulheres!
Tu, que me dás amor e dor, gosto e desgosto,
Glória e vergonha, tu, que me afagas e feres,
Aniquila-me! E doura e embala o meu sol posto,
Fonte! berço! mistério! Ísis! Pandora! Ceres!
Que eu morra assim feliz, tudo de ti querendo:
Mal e bem, desespero e ideal, veneno e pomo,
Pecados e perdões, beijos puros e impuros!
E os astros sobre mim caiam de ti, chovendo,
Como os teus crimes, como as tuas bênçãos, como
A doçura e o travor de teus cachos maduros!


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