4/19/2019

A aventura de Rozendo Moura (Conto), de João do Rio


A aventura de Rozendo Moura

Na rua era um fragor. As casas pareciam abaladas pelo barulho dos tambores, das cornetas, dos bombos, da vozearia infernal. Rozendo Moura, muito maldisposto, estava a vestir-se. No seu encantador gabinete de laca branca com estofo cor-de-rosa e uma infinidade de objetos de cristal e marfim por sobre os móveis, nós insistíamos.

— Não me deixarão vocês?

— Rozendo! Uma terça-feira de carnaval!

— Mas chove...

— Tanto melhor. A Berta Worms espera-nos!

— Essa mulher desagrada-me...

— Não há mulheres desagradáveis. As mulheres contentam-se com ser, como dizia o dramaturgo — a razão e o impedimento de todas as nossas obras...

— Pois eu julgo-as portadoras de fatalidade e nós, mesmo contra a vontade, as placas sensíveis dessas correntes de Mistério.

— A Berta dá então azar?

— A mim, pelo menos. Explico o meu caso. Pode dar sorte a outros. Comigo, há mulheres que, aproximadas, são motivo de prosperidade. Outras baralham-me a vida, por mais que me amem. Tenho de brigar a murros com desconhecidos, negócios quase realizados periclitam, a saúde fenece... Assim deve ser com vocês, com todos os homens. Infelizmente não sou excepcional. Há de resto uma espécie de mulheres pior — a que age sobre os homens como alucinação, fazendo-os participar da própria desgraça. Dessas, quem escapa uma vez, não toma...

— Fetiche!

— É que vocês nunca se lembram da mulher que os acompanha...

— A mulher fatal?

— Todas são fatais.

Houve uma pausa breve, enquanto Rozendo Moura dava o laço da gravata, diante do espelho.

— O Rozendo, já escapastes de alguma? indagou Jaques Ciro, um prodígio de ceticismo, porque tinha apenas vinte anos.

— Já. Olha. O carnaval faz-me lembrar a mais horrenda semana da minha vida, a semana em que eu participei integralmente da horrível fatalidade...

Nesse momento, o rumor vindo da rua tornou-se tão grande, que tivemos de ir à janela. Chovia a cântaros. Mas, embaixo, a multidão delirava. Eram gritos, uivos, gargalhadas, assobios, guinchos de cornetins, rufos de tambores, sacolejos de adufes, estalos de pratos. E os sons agoniantes dos bombos bombardeando as fachadas... Rozendo recolheu com desgosto, atirou-se no divã.

— Não, positivamente não vou!...

— Recordaste a semana horrível? tornou Jaques Ciro.

— Sim. E tanto mais atroz, quanto até hoje não compreendo como e por que agi nesses oito dias. Foi há cinco anos e por mais que pense, não explico. Macabro. Misterioso. Assustador. Recorda-se você da Corina Gomes, uma rapariguita brasileira, que frequentava os clubes?

— Há cinco anos, Rozendo? Não há memória que alcance uma rapariguita brasileira a cinco anos de distância. Depois eu estava na Europa...

— Felizardo!

— Infeliz, porque voltei...

— Pois a Corina era magra, lívida, tomava cocaína. Eu achava-a antipática. Nunca trocáramos senão monossílabas, o instinto dizia-me que essa mulher seria a desagradável aventura da minha vida. Como? Não sabia!

Ora, numa terça antes do carnaval, com a agitação da cidade, habitual em tais dias, sentia-me inquieto, indeciso, nervoso. Desejava voltar a casa e queria aborrecidamente beber champanhe e ouvir gritos no clube — onde se anunciava uma ululante redoute. À porta do clube ainda hesitei. Ia acontecer-me qualquer coisa de desagradável. Com certeza. Sem ter inimigos, apalpei o revólver no bolso da calça. Há desses instantes de polarização nervosa em que vagamente sentimos o que está no ar e vem... Veio. Veio como os ciclones. Ainda no vestiário senti uma voz de agonia:

— Leve-me daqui já ou estou perdida! Pela sua honra...

Voltei-me. Era um dominó.

— Que brincadeira é essa?

— Por piedade! Não posso falar aqui. Escute, venha cá...

Frágil, a sua força nervosa era tão intensa, que quase me arrastava para a rua.

— Você está doida, mulher?

— Pelo amor de Deus! Só a sua companhia até mais abaixo, Rozendo...

— Conhece-me?

— Sim, sim. Salve-me de morrer!

— Mas quer comprometer-me?

— Não. Quero a sua presença contra um covarde!

Na rua um táxi rodava vazio. Ela precipitou-se.

— Mande tocar já, já — para onde quiser...

Olhei em redor. Não havia ninguém suspeito. Tratava-se por consequência de uma aventura sem consequências.

Ela entregava-se, indo onde eu quisesse... Curvei-me para o motorista e, quase em segredo, dei-lhe uma direção vaga. Por quê? Até hoje não sei. Quando me voltei, o automóvel em marcha, o dominó levantou a máscara. Era Corina Gomes, os beiços trêmulos, lívida...

— Você? bradei colérico.

— A desgraça da minha vida! Não gosta de mim, bem sei. Mas não se trata de amor, Rozendo! Só o senhor poderá salvar-me.

— Eu?

— Há três anos suporto as torturas de um monstro. Tudo quanto ganho é dele. Quando vou ao clube toma-me o dinheiro. Depois fecha o quarto todo, abre vários frascos de éter, põe-me inteiramente nua, prende-me os cabelos à gaveta da cômoda, e goza naquela atmosfera desvairante, gotejando sobre mim éter. Oh! não imagina! não imagina! Cada gota que cai dá-me um arrepio. Ao cabo de certo tempo é uma sensação de queimadura, queimadura de gelo até a insensibilidade... Ontem, não foi possível tolerá-lo mais. Protestei, gritei, contei tudo à gente da pensão. Dois homens que lá estavam puseram-no na rua a pontapés. Ele voltou. Não o recebi. Deu então para perseguir-me. Jurou que me matava. Ando a fugir. Vejo-o por todos os lados. É certo que me matará...

— E você incomoda-me por uma tolice dessas! Faça as pazes.

— É tarde. Não tenho coragem. Antes de ouvir-me, mata-me. Tenho a certeza. Os meus dias estão contados. Conheço-o.

Disse aquelas palavras com tal segurança que não hesitei um segundo. Também eu tinha a certeza da fatalidade que vence todos os obstáculos, também eu via aquela criatura morta...

— Mas que fazer?

— Se pudesse esconder-me uns dias, dar-me depois uma passagem? É inútil, porque ele acabará por encontrar-me. Mas eu tenho medo, muito medo. Falta-me a coragem de morrer, Rozendo!

Devia ter levado Corina à polícia, denunciado o monstro. E, livre de responsabilidade, ir dormir em seguida. Assim faria um homem de bem no uso das suas faculdades.

— Sabe onde está ele?

— Por ai. Procura-me...

De repente senti que tinha ódio a Corina, com vontade de defendê-la. Perdera a noção do real, sabendo que a perdera. Era desejo de aniquilar o desconhecido e o medo vago desse enorme e vago desconhecido. Não disse que a defenderia. Levei-a para um quarto de hotel em rua escura com a resolução de embarcá-la no dia seguinte, ainda não sabia como. No hotel, Corina tremia tanto, quando tentei deixá-la, que fiquei. Dormimos um ao lado do outro, sem uma carícia — ela a delirar com medo; olhando a treva e maldizendo a aventura. E no dia seguinte verifiquei apenas o seguinte: perdera insensivelmente metade da energia. Como essas criaturas na iminência do desastre. Como os criminosos com medo à polícia. Andei dois dias assim, desconfiado, fraco, aterrado, sem agir. Corina não deixava o quarto, sem dizer palavra. Eu sentia que era preciso salvá-la, para salvar-me. Inexplicável estado da alma! Na sexta resolvi terminar, vendo os anúncios dos vapores.

— Embarcas amanhã para a Europa!

Corina despregou-se das persianas, onde passava o dia a espreitar a rua.

— Não é possível! Ele já descobriu.

— Como?

— Vi-o ainda há pouco ali em frente.

— Mas estás louca!

— Não me deixe só, Rozendo! Ele mata-me. Chamei o criado, com uma súbita intenção do perigo. Interroguei-o. Havia algum hóspede novo? Havia. Um homem louro, pálido, que alugara o quarto do outro corredor, e estivera a ler a lista dos hóspedes... Corina caíra sobre o leito. Os seus dentes batiam como se estivesse desabrigada, entre neves. Fiz um esforço:

— Esse homem já recolheu?

— Há pouco.

Era uma luta, devia ser uma luta, secreta e atroz, na sombra. Mandei buscar um automóvel. Consegui dominar o terror de Corina para que ela ao menos caminhasse. Saímos naturalmente, como quem vai a passeio. No meio do caminho trocamos de automóvel. Eu tremia de raiva.

— A culpa é tua! Tu é que o fazes vir, sempre a pensar nele!

— É sim, Rozendo. Sinto que ele vem e não posso, não posso, não posso...

— Acabo com isso eu! Vamos dormir em qualquer hospedaria e amanhã dou queixa à polícia...

Assim fiz. O delegado prometeu tomar providências, mandando dois agentes para o hotel onde estávamos. Mas, ao sair da polícia, compreendi claramente que ele" sabia da minha resolução. "Ele" sim, o homem que eu desconhecia, com o qual a fatalidade me punha em conflito, o homem de que a Corina devia ser vítima. Essa criatura já decerto sabia, e ria com desprezo. Eu não precisava tê-lo visto para ter a certeza do seu conhecimento... Foi um pensador melancólico que escreveu: "não é só no céu e na terra, é principalmente em nós mesmos que há mais coisas do que podem conter todas as filosofias. "Não sei explicar o mistério daquelas correntes de sentimentos que chocavam. Tinha a certeza, porém. E era horrível, era angustioso! Tomei a mudar de hotel e não tive mais coragem de deixar só Corina. Fazia-me reflexo sensível daquela fatalidade feita mulher. Ela aos poucos desdobrava-se em mim. E como só pensava no seu algoz — naquele a quem o Destino lhe entregara a vida eu também só pensava nele. Passávamos horas a ouvir o rumor dos corredores. Onde estaria ele? Onde? Decerto perto. Talvez, à vossa porta, espreitando...

O meu delírio tinha entretanto intervalos de relativa lucidez. Domingo de carnaval perdi de súbito o medo.

— Corina, achei uma solução para o nosso caso.

— Qual? fez ela.

— Vamos aproveitar o carnaval! Não se pode contar com a polícia. "Ele" ainda não apanhou a nossa pista. O essencial é pôr-te a andar, antes que de novo a descubra! E encontrei-me a planejar alto: Visto-me de qualquer coisa e saio. Vou até a casa, enfio o dominó e venho buscar-te. Sairemos pela porta dos fundos. Faço melhor. O meu criado tem uma rapariga mais ou menos com o teu corpo. Mando-os esperar em qualquer casa de máscaras. Lá eles enfiarão as nossas fantasias e virão para este quarto, enquanto nós estaremos livres para tomar o noturno de São Paulo. Há quarta-feira em Santos um transatlântico para Buenos Aires e Valparaíso. Se o homem não estiver no vapor, estarás livre...

— Achas?

— É certo.

Saí a executar o plano. Executei-o exatamente. Na casa de máscaras, Corina pôs uma travesseirinha nas costas, armou uns seios muito grandes, amarrou com o lenço o rosto e colocou por cima uma espessa máscara de arame. Eu fiz um grande ventre sob o dominó e saí claudicando. Tudo isso, notem vocês, fazíamos sem ver nada anormal, sem a certeza senão vaga de que ele nos estivesse acompanhando...

Após, conseguimos um táxi. Estávamos prestes a dizer:

— Enfim, logrado!

Mas, curioso. Durante as duas horas em que rolamos por avenidas desertas nesse automóvel fechado a fazer horas para apanhar o comboio, não trocamos uma palavra. Era o grande momento decisivo. Corina apertava a minha mão, de vez em quando, tremendo. Apenas. Eu sentia que o seu medo voltava aos poucos a desequilibrar-me. Passávamos pela cidade em delírio, sem dar por isso. O nosso delírio era maior.

Quando chegamos à Central a confusão urbana tocava o auge. O grande hall da estação cheio de luz elétrica, a turba, os "cordões" com archotes a zambumbar, as danças, os gritos, as lutas de lança-perfumes e dos confetes, o risco colorido das serpentinas... Metemo-nos por ali dentro para tomar o vagão. E de repente, os dois, no mesmo instante, vimos que estávamos perdidos.

Como explicar essa impressão extralúcida?

Fora caía um temporal desabrido. A estação estava atulhada. Homens suados, bandos alagados, máscaras passavam numa alucinação como galvanizados pela luz elétrica. Ninguém reparava em nós, ninguém decerto, ninguém, ninguém. E entretanto sentíamos que o perigo se aproximava seguro, com o passo firme. Onde estava ele? Era o homem do éter, o homem cuja fisionomia eu nem mesmo conhecia, ele com a sua cara, ou com uma máscara. E olhava-nos, e estava ali, e reconhecera-nos. Sim.

Devia estar, devia ter reconhecido. Que fazer? Que fazer? A vertigem apoderava-se de nós. Aquela mulher era decerto o polo negativo a chamar misteriosamente, a atrair o horrendo ser. Ele adivinhava por uma revelação telepática. Sei lá! Sei lá! O fato é que Corina apoiou o corpo no meu braço:

— É o fim!

— Anda para frente, estafermo! rouquejei furioso.

— Não partimos mais, Rozendo.

— Partimos sim!

— Ele está no apeadeiro, sinto-o!

— Prendemo-lo.

— Ele vai tomar o trem conosco. Ele mata-me em viagem!

— Miserável, caminha ou largo-te!

— Voltemos, Rozendo. Ainda é possível escapar, se apanhamos ai um automóvel...

— Agora?

— Sim! Sim!

— Agora? repetia eu correndo, como diante do inexorável Destino. E não havia máscara ou cara suspeita!

Na praça deserta — faltavam as conduções. Só, ao longe, rebrilhavam as lanternas de um carro. Ela deitou a correr. Segui-a, olhando para trás. Ao chegarmos à beira do carro, um Landau fechado, estávamos completamente alagados. A chuva redobrava.

— Para onde?

— Ande!

— É vinte mil-réis a corrida.

— Seja cem! Depressa!

— Para onde quiser!

O trem tomou o caminho do lado da Casa da Moeda.

— Vamos à delegacia, Rozendo?

— Queres?

— Se ainda for tempo!

Convencido de que não seria possível lutar só contra o horror invisível, gritei ao cocheiro:

— Polícia Central! A toda...

O carro, porém, parara.

— Que há?

— Raios o partam! Rebentaram as correias das bestas.

— Hem?

— Dos dois lados. Caiporismo!

— E agora?

— E esperar aqui, até que passe outro carro. Não posso guiar assim.

— Meu Deus!

Era no pedaço mais deserto da rua. Saltei para ver. As correias gastas tinham arrebentado naturalmente. Estávamos nas mãos do Destino. Só havia um alvitre: correr até a esquina, onde passavam bondes, onde havia movimento... Era o meio de escapar, e eu escaparia para sempre, porque no dia seguinte não me meteria mais à guarda daquela criatura.

— Vamos?

— Rozendo...

— Anda...

— Se tem de ser? fez ela. Tens razão.

Desceu, corremos os dois sob o temporal pelo meio da rua escura uns cinco metros, uns dez metros. Sei que ouvi um psiu e voltei-me, enquanto ela estacava. Sei que vi um sujeito que vinha para nós, talvez o cocheiro. Sei que o sujeito avançou para Corina com uma pequena máscara de chorão, ergueu o braço, e passou a mão pelos seios falsos da rapariga. Ia gritar. Deu-me um pescoção. Rolei na lama. Ele segurava-a, riscando-lhe o dominó com uma navalha.

De súbito ela deu um grito agudo. O único. Pareceu-me que desmaiara. Nas mãos do máscara lembrava um manequim. O homem em fúria continuava a brandir a navalha contra os enchimentos dos seios. Afinal atirou-se à máscara. Era de arame. O fio da arma rompeu-se no tecido espesso. Ouvi os triços gaspeados da lâmina no tecido de arame. Ergui-me de um pulo, saquei do revólver, detonei aos berros:

— Assassino! Assassino!

O tipo arrancava as roupas, a máscara da desgraçada. Eu continuava a detonar e a gritar. Gente corria. Vi cair o capuz à Corina, o assassino agarrá-la pelos cabelos, afundar-lhe a navalha no pescoço e deixá-la tombar num jato de sangue. A cena talvez tivesse durado dois minutos. Para mim foi longa como um século, rápida como um raio. De revólver em punho, fantasiado, meio estrangulado pelos cordões da máscara, eu delirava, presa de uma febre cerebral... Estive entre a vida e a morte, dois meses... E quando os médicos me declararam fora de perigo, tive a sensação absoluta do desastre de que escapara. Ela agira como os ciclones, que embora destinados a um certo sítio, desarvoram, matam, estragam o que se agita no limite da sua ação destruidora. Aquela criatura fora o ciclone. Longe dela ainda lhe sofrera a força fatal. Não morrera, mas estava desarvorado, como os barcos apanhados pela tromba terrível. E desde então, respeito muito essas coisas inexplicáveis que as mulheres representam. A semana de Corina fez-me compreender o horror do enigma dramático da vida...

Rozendo Moura reclinou-se inteiramente no divã. Tinha a fronte banhada em suor. Amigos desse excelente rapaz, nós ouvíamos a anedota e os comentários com paciência e sem prestar muita atenção. Jaques Ciro, o jovem cético, estava ainda na idade em que se toma interesse pelas histórias alheias. Às divagações de Rozendo, insistiu:

— E a Corina, morreu?

— É verdade, a Fatalidade desapareceu? sorriu outro.

— Não, fez Rozendo. Não estaria no meu princípio de que as mulheres são agentes do Destino contra ou a favor de certos indivíduos. Ela parecia a vítima do tal assassino. No fundo a vítima foi ele. Ele é que devia desaparecer para libertar-se...

— Rozendo!

— A própria opinião inconsciente dessa rapariga. Nem ele nem ela morreram. Ele foi condenado a vinte anos de prisão. O advogado tem apelado. Ela, com o pescoço costurado, a cara cheia de talhos, mais magra, mais lívida, vive numa hospedaria das proximidades da Detenção. Todo o dinheiro que arranja é para ele, para o seu antigo, para o seu assassino. Amam-se profundamente. Ela, porque sendo a expressão viva da fatalidade do pobre homem, não o deixará enquanto for possível fazer-lhe mal. Ele, porque ninguém foge à sua mulher, isto é, ao seu Destino... Outro dia encontrei Corina. Não a vira desde a noite trágica. Foi ela quem me falou. E, contando-me o seu amor, a sinceridade do "pobrezinho", exclamou: "Tudo por sua causa, Rozendo. Se não fosse o seu medo e a mania de meter-se na vida dos outros, o meu Roberto não estaria desgraçado".

— Decididamente, meus amigos, as mulheres!... Não valem o tempo que aqui perdemos, sentenciou grave Jaques Ciro.

— Vão vocês pois ao divertimento. Eu fico com medo à chuva e às rajadas do Destino, que são as inexoráveis mulheres...

— E Rozendo Moura ergueu-se, foi até o espelho desmanchar o laço da gravata. Estava só. Todos nós já descíamos as escadas. Corríamos às aventuras prováveis do baile de máscaras. O carnaval, sob a chuva, sacudia as urtigas dos desejos. Não era por consequência momento de refletir sobre as filosofias talvez verdadeiras de Rozendo. O mundo não seria o mundo, se fosse possível a qualquer humano evitar o que tem de ser...

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Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2019)

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