5/14/2019

A Carpinteirazinha (Fábula), de Teófilo Braga



A Carpinteirazinha

Três irmãs viviam do seu trabalho. Estando elas um dia questionando qual era a mais habilidosa, diz a mais velha:

— Eu tenho habilidade de fazer uma camisa da pele de casca de ovo para o rei.

— E eu atrevia-me a fazer-lhe umas calças de uma casca de amêndoa verde.

Disse a terceira:

— E eu atrevia-me a ter três filhos do rei sem ele o saber.

Deu-se o caso do rei ter passado por ali na ocasião desta conversa, e logo pediu licença para entrar. Disse que tinha ouvido isto assim e assim, e que ordenava que elas lhe mostrassem as suas habilidades.

A mais nova respondeu-lhe que isso dependia de tempo enquanto à sua parte, e o rei partiu dizendo-lhe que não deixasse perder a ocasião. As duas irmãs ficaram penalizadas com a aposta da mais nova, mas trataram de desempenhar-se da sua promessa. Soube a mais nova que o rei saía da corte e ia estar um ano em Bule; pediu então dinheiro emprestado às irmãs, comprou ricos vestidos, e apresentou-se em Bule sem que o rei a conhecesse. Ao fim de nove meses teve ela um menino. Ao fim de um ano o rei disse que ia até Toledo, e que quando voltasse casaria com ela, e deu-lhe muitas joias e dinheiro à despedida. Foi o rei para Toledo e quando lá chegou, já lá estava a rapariga com outros trajos, com outra fisionomia, e o rei tornou-se a apaixonar por ela, dizendo que ela era superior a tudo quanto tinha visto. Ao fim de nove meses teve outra criança. Acabado o ano, foi o rei para Sevilha, e lá lhe tornou a aparecer a rapariga tão bem arranjada que lhe pareceu a melhor mulher que havia naquela terra. Teve então um terceiro menino. Não quis o rei ao voltar para a corte passar por Bule, nem por Toledo, porque prometera casamento às outras duas; quando entrou na corte já lá estava a Carpinteirazinha e as irmãs, pasmadas com as riquezas que trazia. Ela fartou-se de esperar a visita do rei, que não se fiava na aposta; passado tempo o rei estava para casar com uma princesa, e no dia da boda a Carpinteirazinha mandou à corte os seus três filhos vestidinhos com todas as joias que o rei lhe tinha dado. Disse-lhes que beijassem a mão do rei e ficassem calados, e só quando o rei lhes perguntasse o que queriam dissessem:

Bule, Toledo, Sevilha, andai;
Vimos ver o casamento del-rei meu pai.

Assim fizeram os meninos; o rei compreendeu logo tudo, lembrou-se da aposta e mandou vir a Carpinteirazinha, com quem casou da melhor vontade.

(Algarve)

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Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2019)

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