1/15/2023

Inocente (Conto), de Virgínia de Castro e Almeida


Inocente

Era no Verão.

O céu quase branco; um sol esbraseante a recozer a terra.

As pastagens queimadas, as fontes secas, os ribeiros sem água.

As cigarras cantavam.

A Rosa Abegoa que batia o queixo, a tremer com o frio da sezão, arranjou a cesta com o jantar do marido e entregou-o à Anitas, à filha, recomendando-lhe que o fosse levar à várzea da Coroa, lá abaixo, onde andava a lavoura.

E toda embrulhada no xale, com o lenço de lã embiocado na cabeça por cima do lenço branco amarrado em volta da testa, veio à porta ver partir a rapariga.

"Toma sentido!", recomendou ela. "Olha lá não saias do caminho. Puxa-me esse lenço pra cima, cachopa! Não vás de cabeça à vela com este sol!"

E enquanto a rapariga se afastava, fazendo estalar sob os sapatões cardados o mato seco estendido no caminho, a Rosa voltou-se para a vizinha, a mulher do guarda, que costurava sentada no degrau da porta.

"Cuidados que Deus manda, ti Zabel!", disse ela. "Nunca esta cachopa me sai de casa que eu não fique numa freima…"

"Inda o pior é mas é a doença", respondeu a outra com um ar compungido. "Não lhe faltavam a vomecê ralações, pra ainda por cima agora lhe virem as maleitas…"

"Seja tudo pelo divino amor de Deus", tornou a Rosa acocorando-se no degrau e chegando-se para o sol a tremer como varas verdes.

A outra suspirou.

Mas a simpatia da ti Zabel não era sincera.

A Rosa fora criada na casa dos fidalgos desde muito nova e de lá casara com o Antônio que era abegão na Quinta Grande. Os fidalgos sempre os tinham protegido e o casal prosperara, juntara uns vintenzitos, comprara terras…

A casa do abegão era a melhor de toda a correnteza de casas de criados; tinha cozinha de tijolo e dois quartos de sobrado.

Daí… as senhoras estavam sempre a dar presentes, faziam todas as obras que o abegão mais a mulher queriam.

A ti Zabel remordia-se com estas coisas. O seu Anselmo fazia a guarda da quinta havia mais de dez anos e nunca apanhara coisa que se visse lá dos patrões; nem sequer ao menos um sobrado no quarto de dormir, louvado fosse Deus! Era só uns dez reizitos de mel coado por cada coima que ele botava, e licença de mandar cobrir a égua e de vender o potro por sua conta… Uma desgraça!

E ela que sabia ler e coser à máquina, nunca por nunca ser, era chamada pelas senhoras para trabalhar dentro de casa. Só tinham serviço para aquela mal-amanhada da Rosa, aquela língua do diabo, feia que até metia medo, com a boca toda à banda desde que lhe dera o ramo de estupor.

E todos os presentes iam mas era para a idiota da Anitas, um espantalho sempre com os dentes arreganhados, e com menos entendimento na cabeça do que um cachorro ou um bácoro, Deus lhe perdoasse…

A Anitas ia longe enquanto a ti Zabel, puxando a agulha em silêncio, se entregava ao feio pecado da inveja.

Seguira o caminho dos carros com muito juízo.

As piteiras no cimo dos valados, cinzentas de pó, espetavam para o ar as folhas aguçadas; algumas erguiam muito alto a umbela enorme, aquela suprema oferta da sua vida ao deus Sol, e deixavam-se morrer, rojando pelo chão, humildes, as folhas enroladas e secas.

Algumas figueiras espreitavam por cima do talude; abrasadas de sede, estendiam com angústia os ramos retorcidos, mostravam sem pudor a folhagem encarquilhada, branca de poeira, como os pobres mostram as chagas, para que lhes acudam.

As cigarras cantavam.

Obediente às recomendações da mãe, a Anitas seguia pelo caminho fora, arrastando os pés, topando nas pedras, com aquele passo descuidado de quem anda com o pensamento afastado do que está fazendo, o corpo inclinado para a esquerda contrabalançando o peso da cesta que levava no braço direito, os olhos muitos azuis perdidos em visões longínquas que lhe espalhavam no rosto um sorriso parado de bem-aventurança.

Ao princípio ia a pensar no pai, no jantar que lhe levava; era preciso ir depressa, chegar cedo para ele não ralhar. Depois foram-lhe acudindo outras ideias.

Viu no chão um calhau cor-de-rosa. Abaixou-se, apanhou-o, esfregou-o com a ponta do avental molhada em saliva.

Era bonito. Parecia coralina.

Quase todas as cachopas que ela conhecia tinham anéis de coralina ou de prata oferecidos pelos conversados.

A Anitas não tinha anel nem conversado. Quando falava nisso, as cachopas riam-se; diziam que o conversado dela era o ti Miguel Gravanço, o velho corcunda que varria as ruas do jardim na Quinta Grande.

Porque seria que todos faziam mangação dela?

A Anitas, entristecida, parara no meio do caminho com a pedrinha cor-de-rosa na mão.

De repente, de uma moita, levantou-se o rufo de um voo de perdiz que fugia soltando um grito.

Com os olhos brilhantes e uma gargalhada de alegria, a Anitas saltou o valado e desatou a correr pelo mato além na direção que a perdiz tomara.

"É um perdigão!", exclamou ela radiante.

O animal poisou lá em cima, no alto do cabeço.

A Anitas foi trepando a encosta; agora ia devagar, com mil precauções, escondendo-se entre os tufos de murtas e de tojo, sob as ramadas lustrosas dos medronheiros, agarrando-se aos troncos ásperos dos chaparros…

"Se eu o apanho…"

A cesta pesava-lhe; largou-a no chão.

O sol escaldava-a; caíam-lhe gotas de suor pela cara afogueada; empurrou o lenço para trás.

Quando chegou ao cimo do outeiro, levava as mãos arranhadas, dois grandes rasgões na saia, uma das meias de linho azul caída para cima do sapato.

Ria de prazer; o prazer selvagem da cabra à solta no monte. Apetecia-lhe dar pinotes, correr…

Já não se lembrava do pai, nem da cesta, nem da pedrinha cor-de-rosa, nem do perdigão…

Tudo isto se tinha sucessivamente apagado no pobre cérebro onde as imagens se não demoravam.

Estava na extrema da Quinta, à sombra de um sobreiro enorme cujas raízes se torciam pelo chão como serpentes. A terra cobria-se de folhas secas.

No silêncio ouviam-se apenas as cigarras a cantar.

Ali acabava a Quinta. Para além, era o baldio a perder de vista; o mato roçado curto, a terra pedregosa, rapada, nua…

Nem uma casa, nem uma árvore.

Lá em baixo, a uns cinquenta metros, passava a estrada real que tinha léguas e léguas de comprimento; vinha das serras que se esfumavam no horizonte e ia direita à vila.

Branca e coberta de pó, cheia de cintilações de mica, a estrada serpenteava, deserta, escondendo-se aqui, aparecendo além, entre as ondulações da charneca desolada.

A Anitas estendeu-se ao comprido na terra quente, de barriga para baixo, com um suspiro de satisfação.

De repente levantou a cabeça, pôs-se à escuta.

Ouvia ao longe o tilintar compassado de guizalheiras.

Ergueu o busto, espreitou para a estrada.

Viu um homem com três machos carregados de trouxas.

Tlim, tlim, tlim…

Cada macho trazia, por cima da carga, uma manta de lã riscada de branco e castanho com as pontas a abanar.

O homem atirara a jaleca para riba de uma das cargas e vinha em mangas de camisa, com o colete desabotoado.

Tinha na cabeça um chapéu alentejano, muito grande, de abas curvas e de borla ao lado.

Ia pela beira do caminho, atrás da correnteza dos machos, com uma vergasta na mão direita e a esquerda metida na cinta. Para se distrair naquela solidão, cantava.

Cantava uma cantiga muito velha que a Anitas sabia desde pequena:

"Ó minha bela menina,

Hoje sim, amanhã não…"

A Anitas levantou-se de um salto, avançou pelo cabeço para o lado da estrada e, parada, requebrada pelos rins, de mãos nas ilhargas, respondeu:

"Hoje me tiram a vida,
Amanhã o coração."

Tinha uma voz fresca e pura, muito alta, afinada como a de uma toutinegra.

O homem olhou para o cimo do cabeço, viu a Anitas, parou e gritou aos machos:

"A… í!"

E como estes não obedecessem, saltou-lhes à frente, deu uma vergastada no focinho do primeiro que estacou de súbito erguendo a cabeça com um violento sacão; os outros dois esbarraram com ele, espantaram-se; uma das trouxas desequilibrou-se e, se o almocreve lhe não acode, a carga ia ao chão.

"Má raios partam as bestas do diabo!", praguejou o homem empurrando a carga, com o corpo todo vergado para trás e o joelho fincado na trouxa, enquanto aos safanões ia apertando o nó da corda.

Depois virou os machos para a valeta, pôs um pedregulho em cima da ponta da arreata e voltou-se para o oiteiro.

A Anitas aproximara-se ainda mais. Abrigava os olhos com a mão direita por causa do clarão do sol e, divertida, ria-se.

"Olhe a jaleca!", disse ela.

O homem apanhou do chão a jaqueta que escorregara de cima do macho, atirou-a para o ombro.

Aproximou-se da valeta.

"Bons dias", disse ele tocando com os dedos na borda do chapéu. "Sabe-me dizer se há por ’qui alguma fonte?"

A Anitas acenou negativamente com a cabeça.

O homem tornou, galgando a valeta e aproximando-se da rapariga.

"Isto é que está um raio dum sol… benza-o Deus!"

Sugestionada, a Anitas limpou o suor da cara com a ponta do avental e, desatando o nó do lenço, deixou-o cair para as costas.

O homem relanceou um olhar ao cabelo da rapariga, anelado, macio como fios de seda; algumas madeixas rebeldes caíam-lhe dos lados da cara e a trança grossa, pesada, enorme, enrolava-se-lhe na nuca. O sol feria reflexos de ouro em toda aquela massa resplandecente como um tesouro.

"Arre!", exclamou o desconhecido com admiração, "que vomecê sempre tem pra aí uma crina!"

A Anitas encarou com ele, risonha, toda vermelha de prazer. Mas ao encontrar o olhar do homem estremeceu, sacudida por uma sensação nova, aguda, que era doce e dolorosa ao mesmo tempo. Pareceu-lhe que as forças lhe fugiam; e o sorriso morreu-lhe nos lábios semelhante a uma flor que murcha.

Ficaram os dois calados um bocado.

Os machos agitavam as guizalheiras lá na borda da estrada, inquietos com a mosca.

"Era capaz de dar agora uma coroa a quem me trouxesse um caneco d’água", disse o homem afinal, gaguejando um pouco.

Uma coroa! A Anitas ficou pasmada.

Reparou-lhe na grossa corrente de prata, no fato de bom pano.

"Pelos modos você é rico?", perguntou ela.

O homem, lisonjeado, riu-se, encolheu os ombros:

"Com’assim… há outros mais pobres."

Depois olhou em redor como quem procura qualquer coisa.

"Que diabo anda vomecê por ’qui a fazer?"

"Nada."

"Nada?! Homessa agora! E onde é a sua casa?"

"Acolá na Quinta Grande."

Calaram-se outra vez.

O desconhecido pasmava para ela, vagamente desconfiado. A rapariga tinha uma aquela esquisita; não era como as mais.

"Qu’é que você traz acolá?", perguntou a Anitas apontando para a carga dos machos.

"Fazendas, quinquilherias…"

"Muitas, muitas, muitas? Traz anéis de coralina?"

E como o homem acenasse que sim, ela implorou, com os olhos brilhantes:

"Deixe ver!"

Mas ele escandalizou-se:

"Então cuida que vou pra aqui esbandalhar os fardos no meio da charneca só pra vomecê regalar os olhos?"

A Anitas baixou a cabeça, desconsolada.

E de repente, sem saber porquê, teve medo do homem e desatou a fugir.

Corria pela charneca fora que nem uma cabra, aos saltos, com a ponta do lenço entalada entre os dentes e o resto a voar atrás dela como uma flâmula vermelha.

"Cavalona do diabo!…", resmungou o homem seguindo-a com a vista.

Parado no cimo do cabeço, olhava ora para ela, ora para os machos, lutando contra a tentação de ir atrás da rapariga.

Depois caiu em si. Então havia de deixar as bestas com as fazendas pra ali no meio da estrada?

"A modos que estou parvo…", pensou ele.

Foi descendo.

Ainda se voltou; mas já não viu a Anitas que alcançara a extrema da Quinta e se sumira no chaparral.

Lembrou-se que aquilo talvez fosse bruxedo, obra do diabo para o deitar a perder.

E persignando-se, saltou a valeta, desprendeu as bestas e foi andando atrás delas pela estrada além.

Lá na várzea da Coroa, na margem da ribeira, os bois vinham chegando ao fim do rego, perto da faia grande onde o abegão mandara deixar de manhã o carro com o ferrejo.

Eram doze juntas, duas a cada charrua. A terra estava dura; apesar da lavoura andar no encalço da ceifa aproveitando o resto de frescor que a sombra do trigo deixava no chão, ainda assim já naquela semana tinham quebrado três relhas. O calor e o esforço arrasavam homens e animais.

A sineta da sesta ressoou lá em cima, longamente, no frontal do celeiro, espalhando pelo silêncio dos campos abrasados a sua vozita de falsete.

Lá adiante a linha multicolor dos ceifeiros quebrou-se, dobrou-se sobre si mesma, fraccionou-se.

As raparigas vinham em correrias para a margem da ribeira onde, à sombra dos choupos, a cozinheira alinhara dos dois lados do comprido tronco de pinho crepitante, as correntezas das panelas de barro negras de fumo e cujos testos dançavam empurrados pela fervura dos caldos.

Lentamente, os boieiros desprenderam as cangas, puxaram os bois pela soga para a sombra, trouxeram do carro os braçados de ferrejo que espalharam no chão sob os focinhos gulosos de onde pendiam fios de baba.

Sentados na relva, ao lado das cestas de farnel, as mulheres ou os filhos dos boieiros esperavam.

Os homens desceram a ribanceira, lavaram na água fresca do ribeiro a cara e as mãos, e voltaram devagar, enxugando-se aos lenços tabaqueiros; depois sentaram-se junto das cestas, falando e rindo, brincando com as crianças.

O abegão foi o último a chegar. Demorara-se a tirar, com a ponta da navalha, uma pedra entalada entre o casco e a ferradura da mão do boi; e agora aproximava-se devagar com o seu passo pesado, as pernas um pouco arqueadas, balançando o dorso de atleta.

Procurou com o olhar transparente e azul, inexpressivo, a mulher ou a filha e, vendo que nem uma nem outra chegara ainda, sentou-se no chão sem uma palavra e principiou a enrolar um cigarro.

"Nã é por fazer pouco do sê jantar, su Tóino", disse o Sebastião que era o moço mais antigo na casa depois do abegão e quem fazia as suas vezes quando era preciso, "mas, com’à outra, já qu’ele inda nã chegou, se for servido cá do meu… O qu’é oferecido de boa vontade, nã faz míngua a ninguém."

"Deus t’ajude", respondeu o abegão, "a minha Rosa não deve tardar."

A mulher do Sebastião meteu-se na conversa.

"A su Rosa deu-lh’hoje a sezão mais cedo", disse ela. "Cando a gente passou, estava sentada à porta, ao sol, ca cabeça amarrada e a tremer de frio qu’até metia dó."

Outra mulher acudiu:

"Mas a Anitas abalou antes da gente ca cesta."

O abegão empurrou o barrete para trás, lançou para longe um jato de saliva, coçou as suíças loiras.

Impacientava-se. Tinha fome.

"Ela veio antes da gente", disse um dos pequenos com uma vozita esganiçada, "mas saiu do caminho e ficou para trás."

"Cala a boca, rapaz!", interveio o Sebastião que não gostava de ver o abegão de mau humor. "Ninguém te cá chamou."

Mas o Antônio interrompeu-o:

"Deixa falar o cachopo. Onde é qu’ela saiu do caminho?"

"Foi lá além na volta da azinheira torta. E cando a gente passou ê bem na vim na charneca, no alto do cabeço, lá longe, parada, pasmada prà banda da estrada."

Sem uma palavra, o abegão levantou-se, apertou a cinta, atirou a jaleca para o ombro e afastou-se, seguindo a margem da ribeira.

Viram-no atravessar a ponte lá adiante e dirigir-se para o lado da charneca.

Ia danado, resmungando pragas.

Trabalhar um homem desde o sol fora debaixo de um calor daqueles, vergado sobre a rabiça do arado numa terra dura como rocha… e nem sequer ter jantar como os mais nem descanso para dormir a sesta!…

Má raios de sorte a sua com aquela filha que Deus lhe dera e a mulher agora com as maleitas! A Anitas precisava um ensino, que aquilo não eram modos e andava sempre a envergonhá-lo… Não era só o mal da cabeça… era mesmo malícia de fêmea que se leva só com pancada.

Chegara à extrema da Quinta; abrigava os olhos com a mão, estendia a vista pelo campo ondulado e nu da charneca esbraseante de sol.

"Ó Ani… i… tas!"

O vozeirão espalhou-se no silêncio, alastrou latejando pela imensidade deserta, caiu, morreu.

As cigarras cantavam.

Da terra escaldada e seca vinha um bafo quente como da boca de um forno.

Ao longe, lá por essa estrada além, ouvia-se um tilintar compassado de guizalheiras que se afastava a mais e mais…

Estalaram uns ramos secos por detrás do Antônio; este, voltando-se, avistou a filha que se escondia entre os chaparros.

A Anitas largou a fugir, mas o pai correu atrás dela, deitou-lhe a mão a um braço, sacudiu-a com força, deu-lhe pancada às cegas.

"Ah! querias-te safar, alma do diabo! Toma, apanha, para aprenderes a fugir, grande cabra!"

A Anitas chorava alto como uma criança, com a cara escondida nos braços para se defender.

A raiva do Antônio amainou depressa.

"Cala a boca… Qu’é da cesta?"

Mas a Anitas chorava sempre e não respondia.

A cólera do pobre Antônio derretia-se como cera perante as lágrimas da filha.

"Valha-me Nossa Senhora…", resmungou ele. "Às vezes falta-me a paciência, Deus me perdoe, como se a desgraçada tivesse entendimento."

Aproximou-se novamente da filha, afastou-lhe com jeito os braços da cara, principiou a limpar-lhe os olhos com o enorme lenço vermelho que tirou do bolso.

"Cala a boca…", repetiu ele com doçura. "O pai já não está escamado."

Tinha outra voz, como se falasse a uma criança pequena.

A Anitas esfregou a cara no lenço, assoou-se e olhou para o pai a rir.

"Não malha mais?", perguntou ela.

"Não. Onde está a cesta?"

"Eu sei lá!… Por ’í…"

Cheio de paciência, o Antônio procurou a cesta. Acabou por encontrá-la e, como tinha fome, começou a jantar ali mesmo.

"Que diabo vieste fazer para a charneca?"

Mas já não estava inquieto. Aquilo era sempre a mesma coisa; a cachopa tinha juízo de galinha; ia por um lado e pelo outro, conforme calhava, conforme lhe dava na cabeça…

A Anitas encolheu os ombros.

Viera… assim mesmo… Já se não lembrava.

"Encontraste alguém?"

Com um olhar vago, vazio, perdido ao longe, a filha respondeu:

"Quem havia eu de encontrar?"

Sentara-se no chão, atara os braços em volta dos joelhos, balançava o corpo de um lado para o outro; cantarolava a meia voz:

"Ó minha bela menina,

Hoje sim, amanhã não…"

O pai, enquanto comia, olhava-a de soslaio.

Porque havia Deus de a ter feito tão linda, se não lhe dera entendimento de gente?

Para onde ela fosse levava o perigo em si… E quem a podia vigiar? Se Nossa Senhora a não guardasse… ainda por aquelas redondezas se podia vir a falar de uma grande desgraça porque ai daquele que se atrevesse a tocar num só cabelo da sua filha!

Todos os domingos havia missa na capela da Quinta Grande.

Às dez horas ouvia-se o primeiro toque da sineta, às dez e meia o segundo, e às onze em ponto o padre subia os degraus do altar.

Cá em baixo apinhava-se a criadagem da casa e da lavoura assim como alguma gente do serviço e, no tempo da azeitona, das mondas, da ceifa, ou das vindimas, os barrões que se alastravam até fora da porta.

No coro ficavam os senhores.

Quando acabava a missa, corria pela capela um grande sussurro:

"Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo…"

Depois todos saíam, arrastando os pés, parando defronte do altar com um olhar submisso e adorador, uma leve mesura, a mão direita estendida com a palma para cima a receber a bênção da imagem.

Ora naquele domingo, no intervalo entre a elevação da hóstia e do cálice, no grande silêncio recolhido da capela, ouviu-se ao longe o som compassado de guizalheiras.

Tlim, tlim, tlim…

Conhecia-se mesmo que era o andar de bestas carregadas descendo a alameda direitas à casa.

A Anitas, ajoelhada ao lado da mãe, corou, voltou-se para trás, agitou-se, soltou um grande suspiro.

A Rosa deu-lhe um cotovelão; bichanou:

"Acomoda-te, rapariga… que está ali Nosso Senhor…"

A Anitas acomodou-se. Com os olhos fitos no altar, boquiaberta, as mãos unidas, ficou imóvel.

Toda a sua alma estava lá fora.

Tlim, tlim, tlim…

Era o bufarinheiro.

Desde que encontrara a Anitas na charneca, trazia o demo da cachopa no pensar a toda a hora.

Fora à vila; fizera por lá negócio uns três dias; depois dispusera-se a partir seguindo o seu rumo costumado a caminho de outra povoação grande, porque já não era bufarinheiro de aldeias e casais nem desmanchava os fardos senão quando tinha boa freguesia, gente que sabia apreciar a fazenda e lhe pagava por bom dinheiro o contrabando.

Mas às portas da vila, enquanto os machos bebiam na fonte de S. Miguel, à sombra do chorão, o homem, sentado no muro, tirara o chapéu, pusera-se a coçar na cabeça e, como naquela ocasião fosse passando na estrada uma galera, perguntara ao carroceiro para que bandas era a Quinta Grande.

O carroceiro ensinou-lhe o caminho; não levava mais de duas horas e não tinha que errar; seguir a estrada sempre a direito e depois, na encruzilhada, voltar à esquerda…

"Isto é mesmo o diabo que m’anda a atentar…", pensava o bufarinheiro sentado na beira do muro com os cotovelos fincados nos joelhos e a cabeça nas mãos, apreensivo.

Nunca lhe sucedera uma coisa assim.

As mulheres para ele tinham sempre sido gado de pouca monta; não havia uma que valesse mais que as outras. Achava-as todas iguais como as cabras de um rebanho.

"Isto acaba mal", dizia ele de si para si cofiando as suíças negras. "O Maldito sabe tecê-las de todos os feitios quando quer botar um home a perder. Se calhar, o demo da cabra tem o esprito malino no corpo."

E lembrava-se de uma lá da sua terra, que fora a perdição do padre da freguesia e que, ainda depois de morta, vinha tentar os homens de noite.

Por fim levantou-se, puxou os machos para a estrada e pôs-se com eles a caminho da Quinta Grande.

"Com’assim", resmungou, "é uma sorte… O que tem de ser…"

Quando lá chegou, encontrou tudo deserto; deu volta ao jardim, enfiou pela estrada da eira, foi ter ao enorme alpendre onde se abrigava o tronco, os bancos dos carpinteiros e para onde se abriam as portas das casas dos moços.

Só lá estava o Sebastião que tinha ficado de guarda enquanto os outros ouviam missa e que, de enchó nas unhas, se entretinha a aguçar a ponta de um fueiro.

O bufarinheiro vinha todo asseado; barba feita, camisa lavada e um lenço branco entalado à roda do pescoço. A cinta preta, enrolada à alentejana, subia-lhe até ao peito onde luzia a grossa corrente de prata.

Remirando-o todo e reparando nas bestas que estavam gordas e lustrosas, o Sebastião pensava de si para si que bufarinheiros daqueles vinham poucos à Quinta Grande.

"Qu’é que você traz acolá?", perguntou ele apontando para as cargas.

"Cintas, boas mantas espanholas, cobertores, colchas, pano de linho e d’algodão, toalhas, chales, lenços de seda, cortes de fatos, gravatas, fitas, pentes, botões, atacadores, anéis de prata, ouro e coralina…"

Palavra puxa palavra começaram a conversar.

O Sebastião bem via que aquilo não era um almocreve qualquer e que uma pessoa podia falar diante dele.

Em pouco tempo disse-lhe a vida lá da Quinta, quem eram os patrões, como tratavam os criados, quanto estes ganhavam, falou do abegão e da família…

Pelo seu lado o bufarinheiro contou-lhe lá as suas coisas.

Chamava-se Jaquim; Jaquim Horsa por via do seu pai (que Deus haja) que era almocreve para as bandas d’Évora. Ele começara cedo com aquele ofício: primeiro um fardo às costas, depois um machito… O negócio corria bem.

Casara na terra com uma viúva que trouxera alguma coisa de seu para o casal. Tinha casa e fazenda, algum gadito… Também tinha já três cachopos e o mais velho ia à escola e era mesmo uma beleza para aprender.

Ainda andava pelas estradas a acabar de juntar um dinheirito para se estabelecer lá na terra com loja de mercador. Já dera um ror d’anos os ossos ao ofício e agora queria descansar, que bem o merecia.

E o Joaquim entretanto ia descarregando os machos, desatando as trouxas e fazendo estendal das suas mercadorias.

Apenas acabou a missa, o alpendre encheu-se de gente.

As mulheres apinhavam-se empurrando-se, acotovelando-se em torno das fazendas e das quinquilherias, com a avidez de abelhas assaltando uma tijela de marmelada.

Era uma agitação, um zumbido de combinações que se bichanavam, de ofertas desandando em longos regateios; ditos e graçolas cruzando-se, gargalhadas, negócios que se entabulavam a sério…

As crianças esgueiravam-se entre as saias das mulheres, espetando os pescocitos magros e tisnados, arredondando os olhos cheios de curiosidade e de pasmaceira.

E o bufarinheiro vendia, vendia…

A Rosa Abegoa ficou com uma peça de pano de algodão, dois bons lenços de seda, uma cinta e um corte de calças para o marido.

A Anitas, que se encontrava ao lado da mãe, não tirava os olhos de uma caixa trasbordante de anéis de coralina.

"Compre-me um, pai!", implorou ela.

O bufarinheiro estendeu-lhe logo a caixa.

"Escolha", disse ele. "Tire d’í um. Escolha à vontade que sou eu que l’o dou."

E para disfarçar, acrescentava:

"Isto é cá o meu feitio quando tenho bons fregueses."

Outras raparigas reclamaram anéis; também tinham feito muitas mercas…

Mas ele fechou a caixa, abanando a cabeça:

"Ná, ná… Uma mosca não faz míngua, muitas moscas levam o açucareiro."

E como visse que não havia mais negócio, começou a empacotar as mercadorias.

Os fregueses afastavam-se com as suas compras, dispersavam-se, uns por um lado outros por outro, sumiam-se para as casas; ia-se chegando a hora do jantar.

"Quer qu’eu o ajude?", perguntou a Anitas que ficara ali encostada a um carro.

Mirava e remirava a mão queimada pelo sol onde luzia o anel de coralina tão cobiçado.

O Joaquim, sem se voltar, resmungou:

"Que m’ajude, que m’ajude… Ah! minha alma do diabo que já me deitaste a perder!"

A Anitas entristeceu.

"Se é por via do anel, pegue-o lá; o qu’é dado de má vontade até pode tirar a saúde…"

O bufarinheiro largou a trouxa que acabava de atar e voltou-se para ela.

Pela segunda vez se encontraram os olhos dos dois e a Anitas sentiu de novo aquela agonia tão funda que era um prazer e uma dor…

O Joaquim não dizia palavra; muito pálido, olhava-a, olhava-a como se não houvesse mais nada para ver sobre a terra.

Toda tafula, com o seu fato domingueiro, o seu cordão de ouro, o seu lenço de seda, a sua boca escarlate que parecia uma flor de romeira, a Anitas aparecia-lhe como a imagem viva da tentação e do pecado.

"Alma danada!", suspirou ele afinal.

E começou a carregar as bestas.

"Está todo agastado…", insistiu a Anitas tirando o anel do dedo. "Já l’e disse, se é por via do anel, aqui o tem que eu nã no quero."

Mas ele não viu o gesto da pobre mão estendida que entregava o anel com tanta pena.

Acabou de apertar o nó da corda e, aproximando-se da rapariga, cada vez mais pálido, relanceou um olhar medroso pelo alpendre.

Lá ao fundo, dois boieiros fumavam e conversavam sentados num banco de carpinteiro; o abegão, encostado à porta de casa, falava para dentro com a mulher; uns garotos, brincando, corriam com gritos de alegria em volta dos madeiros do tronco.

"Se queres um anel muito mais lindo qu’a esse…", disse o bufarinheiro em voz baixa. "Um anel d’ouro… Queres? Vem buscá-lo hoje ao pôr-do-sol, ao cabeço da charneca onde estavas outro dia…"

A inocente recuou. Teve medo dos olhos que luziam, do hálito que escaldava, do perigo desconhecido… Caiu-lhe da mão trêmula o anel de coralina e, sem responder, afastou-se devagar, tão perturbada que nem via o chão que pisava.

Nessa tarde, quando o sol começou a amainar, o abegão abalou para a vila com o boi da mão que ficara sempre coxo desde que se lhe entalara a pedra entre o casco e a ferradura; aquilo já não passava com as mezinhas do ferrador e era preciso que o veterinário lhe acudisse.

A Rosa, que morria por dar fé de tudo e tagarelar, fechou a sua porta, meteu a chave no bolso e foi para a eira onde se juntara toda a criadagem e a malta dos ceifeiros e ceifeiras engajados.

As raparigas da terra desprezavam as ganhoas, aquelas estranhas que vinham de longe, vestidas de escuro, sujas, mal penteadas, não sabendo senão cantigas tristes e envergonhando-se de bailar o valso. Mas os rapazes gostavam das cachopas lá de cima; tinham para eles o picante da novidade e do perigo também, porque os namorados, pais ou irmãos que as acompanhavam não eram para graças e qualquer dito ou brincadeira acarretava pancadaria.

Quando a Rosa chegou à eira, o poente principiava a afoguear-se, todo vermelho de calor.

As ganhoas dançavam uma dança de roda, cantada, vagarosa; e os moços da lavoura, com as famílias, apinhavam-se em redor, enquanto a criançada se rebolava na moinha e atravessava a eira em correrias.

A Rosa procurou a filha com os olhos e, vendo-a sentada num alqueire virado, do outro lado da eira e pasmada para o pôr-do-sol, não pensou mais nela e embrenhou-se numa grande conversa com a ti Zabel e outras vizinhas.

Havia um caso palpitante de uma navalha roubada que as interessava a todas apaixonadamente.

"É aquela piolhosa do casaco preto, a que tem o dedo aleijado… A Conceição diz que a viu tirar a navalha do cesto do farnel."

A Rosa olhava, pedia pormenores, fazia comentários.

O Sol descia a mais e mais no horizonte rubro; começava a levantar-se uma brisa, mas tão fraca, tão morna, que nem chegava a refrescar.

A Anitas levantou-se, veio ao pé do bailarico, deu umas voltas pela eira, esgueirou-se desapercebida para trás de um monte de palha e sumiu-se para o montado na direção da charneca.

Olhava para a mão de onde lhe caíra de manhã o anel de coralina e ria.

Um anel de ouro!… Ia ter um anel de ouro.

O Sol afundara-se lá ao longe, ao longe… A paisagem tornava-se cinzenta. Um noitibó principiou a piar, e depois outro…

Levantou-se a lua cheia.

Os senhores da casa chegaram à eira. Vinham ver bailar as cachopas. Como fazia muito calor, o patrão mandou vir uma medida de água-pé a fim de animar os dançadores.

A Rosa, sentada no murozinho baixo da eira, rodeada pelas vizinhas, falava, falava…

Contava coisas de casa dos senhores, do tempo em que era criada de quartos e estivera com eles em Lisboa. Descrevia as festas, os vestidos e as jóias da sua senhora, o casamento da menina…

"Qu’é da sua Anitas?", perguntou de repente a ti Zabel.

"Está pra aí…", respondeu a Abegoa.

"Olhe que não está."

Procuraram-na com a vista. Mas à claridade do luar ainda baixo, diferençavam-se mal os vultos e a gente era muita.

"Ó Anitas!", chamou a mãe.

O Sebastião respondeu:

"Onde irá ela se bem correr! Inda não era sol-posto quando daqui abalou."

Mas a Rosa não se afligiu.

"Aquilo aborreceu-se e foi andando para casa."

E tentou reatar o fio da conversa com as outras mulheres.

Era quase noite. A Lua embaciava-se, toda vermelha; não dava claridade.

Chegavam-se as horas da ceia e todos debandavam.

A Rosa foi andando com as mais, direita ao alpendre, sempre tagarelando.

"Vê, eu não dizia?", exclamou ela quando chegaram.

A Anitas, segurando uma candeia, parecia procurar qualquer coisa no chão, no lugar onde, de manhã, o bufarinheiro fizera o estendal das mercadorias.

Enquanto as vizinhas, apressando-se, entravam para as suas casas para acender o lume, a Rosa aproximou-se da filha.

"Que estás tu a preguntar?"

"Nada."

A mãe ia insistir quando reparou que a cachopa estava toda despenteada, tinha um grande rasgão numa das mangas, uma arranhadela na cara e o folho da saia todo descosido.

"Por onde andaste?"

"Por ’í…", respondeu a Anitas evasivamente.

À luz da candeia a Rosa achou-lhe um olhar diferente, esgazeado; pareceu-lhe pálida que nem uma defunta.

"Qu’é que tens? Dói-te alguma coisa?"

"Nada."

"Gira para casa."

Docilmente a Anitas seguiu-a depois de ir pendurar a candeia à entrada da abegoaria de onde a tirara.

A Rosa acendeu o lume para aquecer um tacho de batatas e assar umas sardinhas para a ceia.

Não fez mais perguntas; já sabia que à filha, se lhe dava para estar assim bisonha, ninguém arrancava uma resposta acertada.

Enquanto a mãe andava na lida da ceia, a Anitas sentou-se à lareira, pegou numa navalha e deu um golpe circular em volta do anelar da mão esquerda.

Ao ver correr o sangue, a Rosa acudiu, tirou-lhe a navalha das mãos.

"Esta cachopa mete-me no Inferno!", exclamou ela. "Que diabo estavas tu a fazer, minha parva?"

"Um anel de coralina", respondeu a rapariga toda risonha, estendendo a mão para o lume a fim de ver melhor o fio de sangue.

E, de repente, com um grande soluço, tapou a cara e desatou a chorar.

A Anitas chorou toda aquela noite.

O pai, que chegara da vila, principiou por levá-la com bons modos, fazendo-lhe perguntas, querendo saber o motivo daquele desgosto sem consolação.

Mas a Anitas encolhia os ombros, abanava a cabeça, fechava-se num mutismo obstinado e chorava baixinho, sem fim, sacudida por grandes soluços.

Impaciente, o abegão afinal zangou-se, gritou, ameaçou, praguejou, deu-lhe safanões, queria bater-lhe; foi preciso a Rosa intervir:

"Deixa-a. Vai-te deitar. Não vês que a rapariga não tem entendimento, homem? Deu-lhe pra aqui… Então às vezes não se põe a rir sem a gente saber porquê? São coisas que lhe passam lá pela cabeça e que a gente não percebe. Deixa-a. Quanto mais lhe falas pior é."

O Antônio deixou-se convencer e lá se foi deitar com um grande suspiro:

"Má raio de sorte a minha!"

Gostava daquela filha única mais que da própria vida. Para a ver com juízo, daria a fazenda e a casa que à custa de trabalho e de privações de tantos anos comprara à entrada da vila.

Levara-a aos médicos a Lisboa, às águas, à capela de S.ta Úrsula que ficava a um ror de léguas só por ouvir dizer que a relíquia da santa curava os males de cabeça.

Fizera promessas à senhora milagrosa do Outeiro, fora descalço e com o capuz de farricoco atrás do Santíssimo na procissão do Corpo de Deus lá na vila, dera ao Senhor dos Passos da freguesia mais de cinco mil réis de cera.

Porém Deus não o quisera ouvir. A Anitas crescia cada vez mais perfeita e mais linda; quando a levava às feiras, dava nas vistas de todos; era como um fruto maduro, como uma flor aberta à luz do Sol, sem um defeito. Nunca tivera uma doença. E boa, sujeita, amiga dos pais…

Mas a respeito de juízo, era uma desgraça!

Aquela pobre cabeça não valia mais do que a de uma criança de cinco anos.

Não aprendia nada, nem ler, nem coser, nem cozinhar… Largava tudo a meio para ver uma mosca; esquecia tudo. Uma cabeça de galinha, um bugalho, uma cabaça vazia…

O abegão, embrulhado na manta, agitava-se na cama, sem poder dormir. Através do tabique ouvia o soluçar contínuo da filha e o bichanar da Rosa, monótono, repetindo sempre as mesmas palavras:

"Cala a boca, rapariga. Olha que o pai quer dormir. Alevanta-te daí. Vem-te deitar. Cala a boca, rapariga…"

E as horas passavam; e a Anitas chorava…

A mãe fez-lhe um chá de folhas de laranjeira, untou-lhe a testa com azeite quente, queimou umas ervas benzidas cujo fumo tinha a virtude de afastar o diabo, deu-lhe vinagre a cheirar…

Mas a Anitas soluçava sempre.

Já era sol fora quando por fim adormeceu enroscada na lareira como um bicho.

Acordou pouco depois e fez a sua vida de sempre, como se nada fosse. Parecia não se lembrar de coisa alguma.

"Aquilo são luas que lhe dão", explicava a Abegoa à mulher do guarda.

Mas a ti Zabel, desconfiada, respondeu:

"Não tire as vistas de riba dela, su Rosa. Há muita inveja por esse mundo. Um mau olhado depressa se apanha e pouco basta para levar uma pessoa à cova."

"Quais cá maus olhados!", exclamou a Rosa. "Quem pode ter má vontade àquela inocente? Aquilo é uma pomba, Deus me perdoe; não tem uma gota de fel no corpo. O mau olhado voltava-se contra quem lho botasse."

A ti Zabel abanou a cabeça.

"Ná…", rosnou ela. "A cachopa anda mudada desde onte. Olhe aquela sapatia… Desde que saiu hoje de casa, não se tira dacolá."

A Rosa olhou para onde a ti Zabel apontava.

Lá adiante, no outro extremo do alpendre, a Anitas, de bruços, procurava atentamente qualquer coisa entre os restos da palha que os machos do bufarinheiro tinham deixado no chão.

Espetando a agulha na costura e pondo esta no degrau, a Rosa levantou-se e foi ter com a filha.

"Qu’é que tu perdeste?"

Apanhada de surpresa, a Anitas corou, encheram-se-lhe os olhos de lágrimas.

"Nada", disse ela.

"Não mintas!", gritou a Rosa que principiava a impacientar-se e temia agora que a filha tivesse perdido a medalha ou o cordão de ouro. "Qu’é que tu andas ’í à pregunta desd’onte?"

A Anitas teve medo da mãe, levantou o cotovelo à altura da cara para se defender de algum bofetão e respondeu:

"Foi o anel de coralina."

A Rosa sossegou; pôs-se a rir.

"Olha que rica prenda! O que te deu o home? Foi aqui que o perdeste?"

"Caiu-me da mão…"

"Tá bom, nã t’amofines, cachopa. Em bem eu indo à vila já te merco um."

Mas a Anitas continuou a procurar; todos os dias, apenas se levantava, ia para aquele fadário. Finalmente, na quinta-feira, o corcunda que varria as ruas do jardim veio ao alpendre de madrugada por ordem do abegão e varreu tudo, que não ficou naquele chão de terra negra batida nem uma palha nem um graveto.

Quando a Anitas saiu de casa e viu o alpendre assim varrido, ficou muito séria a olhar para o chão; e depois entendeu que o anel não podia já ali estar. Deu um grande suspiro de alívio e nunca mais o procurou.

Tinham-se passado talvez uns quatro meses quando o bufarinheiro tornou a aparecer na Quinta Grande.

Receberam-no como a um antigo conhecimento e o homem fez bom negócio. Demorou-se mais que da outra vez porque se armou uma grande trovoada e ele teve de esperar que ela amainasse.

Depois das trouxas arrumadas, como era domingo e os boieiros estavam todos no alpendre, entreteve-se por ali à conversa com uns e outros. Aceitou um decilitro que lhe ofereceu a Rosa e sentou-se com ela no degrau da porta; juntou-se em volta deles todo o mulherio a ouvi-lo contar coisas da sua terra.

Por volta das cinco horas, como o céu já estivesse limpo, o bufarinheiro começou a carregar os machos para abalar.

A Anitas, que andara por ali sempre a rondar, foi ajudá-lo. Aguentava um dos fardos enquanto ele prendia o outro e depois atirava-lhe a ponta da corda.

Como da primeira vez estavam sós. Ele, que não fizera caso dela em todo o dia, lançou-lhe de repente o mesmo olhar que a matava; gaguejou, perdido:

"Vem ao cabeço da charneca, ao pôr-do-sol…"

Como da outra vez a Anitas estremeceu, baixou os olhos e afastou-se devagar sem uma palavra.

O Joaquim, depois do seu encontro com a Anitas no dia em que ela perdera o anel de coralina, voltara para a terra. Mas nunca mais tivera descanso.

Raça danada de cachopa que o enfeitiçara!

Estava nas unhas do diabo, corpo e alma e bem percebia (o desgraçado!) que, se esticasse antes de se curar daquele mal, ia direito para as profundas do Inferno.

Emagrecera, perdera a vontade de comer; trazia a rapariga no sangue a queimá-lo todo nem que fosse uma febre.

Enquanto se demorou na terra, não fazia caso da mulher nem se importava com os filhos. Todos o estranhavam. Não cuidava dos seus haveres e largou-se a beber.

A mulher queixava-se às vizinhas e chorava; de noite, enquanto ele dormia, defumava-lhe o fato a ver se espantava o diabo porque uma tecedeira velha, que tinha fama de bruxa, dissera-lhe que aquilo era olhado…

O Joaquim lutava contra o demônio. Não tinha outra ideia na cabeça senão voltar à Quinta Grande; mas bem sabia que era o espírito maligno que o tentava e temia uma desgraça.

Às escondidas da mulher pagara uma novena lá ao padre da sua freguesia e oferecera-a a Nossa Senhora do Milagre para que o livrasse; consultara um curandeiro que também sabia artes de benzelhice e que lhe vendera por bom preço uma beberagem verde, amarga como fel, para o curar do mal que o matava.

Tornara-se medroso, ele que noutros tempos andava pelas estradas cheio de confiança na força dos braços e na navalha de ponta que trazia no bolso bem untada e afiada; agora não gostava de andar de noite porque em cada sombra via o diabo com os olhos a luzir e a dentuça de fora, a fazer escárnio dele.

Começou a crescer-lhe no peito uma grande raiva contra a Anitas, aquela cavalona, aquela desavergonhada, aquela cabra que lhe andava acravando a alma no Inferno. Era uma fêmea diferente das mais, com pensar de bicho e uma boniteza que deitava a alma de um homem a perder.

E à força de pensar sempre na mesma coisa agora lembrava-se do cheiro a enxofre que ela tinha no cabelo… Bem entendia que era possessa, e botara-lhe as unhas a ele para o vender a Belzebu…

E queria-a como um danado… Aquele fogo em que ardia era já o fogo do Inferno.

Maldita! Se ele pudesse, esganava-a!…

Ia já em três meses que estava na terra; e o negócio parado. Nunca lhe acontecera demorar-se tanto.

Tinha medo de partir; bem sabia que apenas se metesse a caminho, ia direito que nem um fuso à Quinta Grande.

E, por fim, um dia resolveu-se. Tomou outra estrada com o firme propósito de não embicar para aquelas bandas.

Foi andando, andando… Parava numa vila, e noutra…

Mas o negócio não lhe surtia. Perdia dinheiro.

Comprara numa feira fazendas de contrabando a um cigano e deixara-se enganar.

E o diabo não o largava; acordava e adormecia sempre com o mesmo sentido. Sem ele querer ia-se aproximando da Quinta Grande.

A cada encruzilhada, o Maldito vinha ao seu encontro (que ele bem o sentia ramalhar nas árvores e entre o mato) e embicava-lhe os machos lá para onde ele queria…

E por fim lá voltara à Quinta Grande.

Tinha de ser. De que servia um pobre homem lutar contra o demônio? Mais valia vender-lhe a alma por uma vez.

Na véspera, como se encontrasse na vila, entrou na capela de Santa Brígida que era milagrosa e, de joelhos defronte do altar, com uma grande devoção, o chapéu nas lajes ao seu lado, as mãos juntas, prometeu duas coroas de cera à imagem se ela o não desamparasse. Já que Nossa Senhora e os Santos o não podiam livrar das unhas de Belzebu, então ao menos pedia a Santa Brígida que o protegesse nesta jornada e lhe chamasse a Anitas ao alto do cabeço, à sombra do sobreiro grande, como da outra vez…

Assim foi.

Mas o bufarinheiro, antes de deixar a rapariga sentiu-se abrasar de uma tal raiva, de um furor tão grande de vingança que se atirou a ela à pancada.

"Toma, cadela! Andas-ma vender ao teu patrão… Meteste-ma alma no Inferno, mas hás de apanhar o castigo, esprito danado, cabra do diabo!…"

Sob o chuveiro das pancadas e das pragas, a Anitas, submissa, curvava a cabeça, fechava os olhos, levantava o braço para livrar a cara e ficava quieta e calada sem uma revolta, em frente daquela cólera que não entendia.

O homem acabou por lhe lançar um pontapé ao ventre que a fez cair com um gemido de dor, e foi-se embora depressa sem voltar a cabeça para trás nem uma vez.

Parecia-lhe que tinha esconjurado o demônio.

Persignou-se devotamente, rezou um Padre-nosso, fez uma grande jura de nunca mais ali voltar.

A Anitas, sentada no chão, gemia devagarinho. Fitava os olhos azuis no vulto do homem que desaparecia a mais e mais no afastamento e se fundia no crepúsculo crescente.

Ali esteve muito tempo até que deixou de ouvir no silêncio a terra seca da estrada a estalar sob os passos apressados do bufarinheiro.

Escurecia. Lá ao longe as rãs coaxavam num charco.

Os ralos cantavam.

A Anitas levantou-se e, coxeando, com o ventre dorido e as pernas pesadas, foi-se arrastando para casa.

Daí por diante a Anitas perdeu a saúde.

Não tinha vontade de comer, emagrecia, tornara-se pálida, queixava-se de dores, tinha o ventre inchado.

Não queria sair de casa. Ficava horas estendida na cama ou acocorada junto da lareira, a gemer.

O Antônio andava todo ralado; a sua Anitas nunca tivera uma dor de cabeça e ele costumara-se a dizer, cheio de presunção:

"Isto é rija como ferro; não há mal que lhe chegue."

A maior alegria da sua vida era ver aquelas faces rosadas, aquele corpo robusto e são, aqueles beiços de onde o sangue parecia querer espirrar tão vermelhos eram.

Experimentaram-se várias mezinhas; as vizinhas ensinaram cozimentos e emplastros; a Rosa esfregava a filha todas as noites com azeite quente.

Mas o mal ia sempre a pior e a inchação aumentava.

O abegão pediu emprestado aos senhores o burro da casa e mandou a mulher com a filha à vila, consultar o médico. Aquilo não era mal para barbeiros e curandeiros. Havia de ir ao médico; ele pagaria o que fosse, remédios e tudo, contanto que lhe pusessem a filha boa como dantes.

À noitinha, quando voltou do trabalho, devagar, adiante dos bois que todo o dia tinham acarretado esterco, vinha cheio de esperança.

O médico da vila era entendido; tinha curado num instante a mulher do Sebastião de uma espinhela caída; e o guarda, que andava com os olhos miseráveis havia que tempos, só com umas águas que ele lhe receitara, pusera-se fino ao cabo de quatro dias.

Com certeza havia de ter acertado com o mal da Anitas; àquela hora, quem sabe? talvez a cachopa já se achasse melhor.

Ao chegar à volta da azinheira, já pertinho, a correnteza dos carros cruzou-se com as mulheres que iam para a fonte, de cântaros à cabeça.

Logo a primeira era a ti Zabel.

"A minha Rosa já chegou?", perguntou o abegão.

"Já sim senhor; mas não vem sastefeita. Mal deu as boas noites à gente e entrou logo para casa."

"E a Anitas?"

"A Anitas também."

"Que disse o médico?"

"Isso é lá com a su Rosa…", respondeu a ti Zabel com azedume. "Vinha soberba; pôs-se a dizer que lhe doía a cabeça e que este era o pior dia da sua vida, mas não foi capaz de mandar a gente entrar para casa nem de explicar fosse o que fosse."

O abegão fizera parar os bois e toda a fileira dos carros parara também atrás dele.

A tarde estava a acabar; uma tarde de Outono, calada e imóvel.

Alguns boieiros, sentados no último carro, fumavam e chacoteavam em voz alta.

Ouvia-se o resfolegar dos animais cansados.

"Hasta cá, Brilhante!…"

Gritando aos bois, o abegão, apreensivo, pôs-se de novo a caminho.

No alpendre, soltou a junta, levou-a para a abegoaria onde entrou atrás dela com o seu passo vagaroso do costume, prendeu-a, foi buscar dois braçados de ferrejo que estendeu na manjedoura.

Cada moço tratava dos seus bois.

Tinham acendido a lanterna de vidros embaciados que pendia de uma corda ao meio da abegoaria.

Os homens andavam de um lado para o outro, conversavam.

Ouviam-se os passos pesados na calçada, o mato das camas estalando sob as patas dos animais, o ramalhar do ferrejo atirado para as manjedouras.

O Antônio deu as suas ordens ao boieiro que ficava de vigia e dirigiu-se para casa.

Ao dar com a porta fechada, bateu-lhe o coração com mais força.

Levantou a aldrava; entrou.

"Qu’é da Anitas?", perguntou ele do limiar.

A Rosa, sentada na lareira com os joelhos à boca, não respondeu logo.

O Antônio percebeu que ela chorava.

Fechou a porta, aproximou-se da mulher, deu-lhe um encontrão.

"Qu’é da cachopa?"

"Foi-se deitar."

"Que disse o médico?"

A Rosa desatou a chorar alto.

"Nossa Senhora me acuda! Porque não havia eu de morrer antes de chegar a esta vergonha?…"

O Antônio levou a mão à cabeça, atirou o carapuço para cima da mesa com violência. Via nuvens vermelhas passar-lhe diante dos olhos.

Uma ideia monstruosa atravessara-lhe o pensamento.

Berrou, fora de si, rouco:

"Fala, mulher do diabo! Raios te partam que me estás a matar!"

A Rosa gemia:

"Todos os santos e santas da corte do Céu me valham! Maldita seja a hora em que nasci!… Mais valia vê-la morta… Ai! a minha rica filha!"

O Antônio deitou a mão enorme ao ombro da mulher, sacudiu-a com tanta força que a fez tombar para o chão, deu-lhe dois pontapés com os sapatões cardados. Apetecia-lhe espezinhá-la, esborrachá-la, matá-la como se ela fosse um bicho peçonhento.

"Desonraram-na? Responde, estepor!"

A Rosa repetia:

"Mais valia vê-la morta e enterrada!… Uma inocente, uma inocente…"

"Quem foi? Quem foi?…"

O abegão tinha a garganta seca, um gosto a sangue na boca, um desejo imenso de destruição, de morte…

Como a Rosa não respondesse, gemendo e balbuciando palavras sem nexo, enovelada no chão como uma trouxa de roupa, atirou-se a ela, cego de raiva, louco de furor, aos murros, aos pontapés, vociferando pragas e impropérios, com a razão perdida.

Depois, estacando no meio da casa, olhou um momento em redor como quem procura qualquer coisa.

À luz da candeia a Rosa viu-lhe a boca espumante, os olhos injectados de sangue…

E logo, como um vendaval abriu a porta, saiu para o alpendre, correndo, cambaleando, aos berros, como um touro furioso.

"Um fueiro! Um malho!… Quero matá-la! Desonraram a minha filha! Quero matar a mulher do diabo, o estepor do Inferno que não ma soube guardar!…"

E no escuro do alpendre procurava uma arma, fosse o que fosse, topando em tudo, sem saber o que fazia, aos urros como um animal ferido.

Os moços que ainda se encontravam na abegoaria vieram de roldão para o alpendre; e aí hesitaram defronte daquele vulto que se agitava na sombra, formidável de dor e de cólera e que não lhes parecia um ser humano.

À claridade da lanterna trazida à pressa, reconheceram o abegão que acabara por arrancar o fueiro de um carro e se precipitava para a porta da casa.

Correram para ele, seguraram-no com dificuldade.

"Larguem-me! Larguem!…"

Lá dentro ouviam-se os gemidos da Rosa, moída de pancadas, que se rojava pelo chão sem poder levantar-se.

"Ah! Su Tóino…", dizia o Sebastião agarrado a ele, ofegante e alagado em suor. "Sossegue, su Tóino! Um home nã perde assim a cabeça, home! Dá-se pancada numa mulher quando a merece, que diabo!… que só assim têm ensino. Mas nã se lhe racha a cabeça, home! Veja se ganha juízo, su Tóino!…"

O abegão já não estrebuchava. À luz bruxuleante da lanterna, os boieiros viam-lhe a camisa toda rasgada sobre o peito musculoso e cabeludo, a cara torcida, congestionada; mas já não berrava.

Calara-se.

Olhava em redor com assombro como se não pudesse entender o que se passava.

Lá no extremo do alpendre alvejava ainda um resto de claridade que vinha do poente.

As mulheres chegavam da fonte; ao ouvirem burburinho, ao repararem no grupo de homens à porta do abegão, largaram os cântaros, correram espavoridas, informaram-se, engolfaram-se pela casa dentro a socorrer a Rosa a seu modo, juntando às dela as suas lamentações com aquela facilidade que têm as mulheres do campo de se transformarem em carpideiras ou em fúrias conforme as circunstâncias do drama que presenceiam.

A Anitas, deitada na cama, enovelada no cobertor, conservava-se imóvel, aterrada, com os olhos abertos, esgazeados na penumbra.

Lá na vila o médico falara baixo à mãe e esta desatara a chorar e a gemer; e a volta para casa fora para a inocente um longo calvário. A Rosa ora a injuriava ora se carpia; sacudida pelo chouto áspero do jumento, a Anitas, cheia de agonias e de dores, sentia por vezes turvar-se-lhe a vista.

No crepúsculo que aumentava, os vultos das árvores tomavam, aos seus olhos febris, aspetos monstruosos.

Não sabia por que a mãe a injuriava e se lamentava assim. Fazia para compreender, um esforço doloroso e estéril.

Ao chegar a casa, atirara-se para cima da cama como um fardo, com o pobre cérebro cansado e vazio e cheia de dores lancinantes. E, sem um pensamento, para ali ficara tolhida pelo sofrimento físico, tal qual uma vaca doente que se deita no chão entristecida, com uma resignação silenciosa e imóvel que é um turvo pressentimento de morte.

Ouvira as imprecações do pai, as pancadas; depois os gemidos da mãe, e o burburinho da gente que acudira; e todo o drama passara defronte da sua pobre alma que não o entendia, como as imagens num espelho, reflectindo-se um momento e logo fugindo.

"Mas quem seria?… Quem seria?…", repetia o Antônio, sentado num mocho defronte da porta.

Aquela ideia absorvia-o agora por completo.

Toda a sua cólera de doido furioso caíra por terra. Aquele instinto de fera magoada que o endoidecera um momento e por pouco fazia dele um assassino, dera lugar a um abatimento enorme.

Olhava em torno de si com um olhar submisso que implorava auxílio. No cérebro rude, desabituado de pensar, o raciocínio penetrava lentamente.

"Mas quem seria?…"

Em volta dele aglomeravam-se, apinhavam-se os boieiros. Fisionomias de simples, fisionomias de pobres trabalhadores da terra, tisnados pelo sol, endurecidos pelo trabalho; cérebros primitivos de inteligências vagarosas que, perante as grandes desgraças, ficam inertes.

A candeia pendurada no umbral da porta iluminava-lhes de clarões dançantes as expressões atentas, graves, recolhidas. Incapazes de uma iniciativa, de uma ideia que esclarecesse, esperavam.

Ao fundo do quarto, as mulheres, sentadas no chão em redor da Rosa, bichanavam, suspiravam, falavam de bruxarias, de obras do diabo, de espíritos maus, de nefastas influências da Lua. E, sugestionadas pelas próprias evocações, persignavam-se, olhavam com pavor para a porta do quarto onde jazia a inocente e que nenhuma se atrevia a transpor, assim no escuro, quase certas de lá encontrar Belzebu em pessoa.

A Rosa, que tinha na testa uma grande escoriação e o corpo negro de pancadas, estava sentada no chão, com a cabeça encostada à parede. Lamentava-se e gemia, repetindo que o seu Antônio a castigara sem razão, que bem guardada andava a filha e que, se tal desgraça lhe sucedera, não era decerto por culpa de nenhum homem.

E contava entre soluços, com geral aprovação das vizinhas, que a filha, desde que principiara a falar (e bem tarde fora, que já ia nos oito anos e ainda não dizia coisa que se entendesse), ria e chorava sem ninguém saber porquê e respondia a sombras que só ela via. O senhor prior nunca lhe quisera dar o Santíssimo depois de a ouvir em confissão. E uma vez, indo nos treze anos, como estivesse por acaso a porta da capela aberta, foram dar com ela em pé no altar, com os sapatos sujos enlameando a toalha, mesmo por cima da pedra d’ara, e tendo na mão a imagem de Nossa Senhora, de cabeça para baixo e toda despida nem que fosse uma boneca. Se a mãe lhe falava do anjo da guarda e lhe explicava que tinha umas asas brancas muito lindas, ela ia logo a correr para a capoeira e punha-se de joelhos e mãos postas diante de um peru branco, rezando-lhe, na ideia que era ele o anjo…

Cada vizinha narrava em surdina um episódio da vida da pobre Anitas, demonstrativo da sua ligação com o espírito das trevas; e, ainda antes de dar a meia-noite, já todas estavam convencidas que, no ventre da inocente, se gerava um monstro.

Todas, menos uma.

A ti Zabel, em nova, servira em Lisboa alguns anos, aprendera a ler, tivera por lá vários namoros; fora ao hospital dar à luz uma criança morta. Depois voltara doente para a terra, sossegara, acabara por encontrar marido; mas guardara sempre, dos ensinamentos antigos, os olhos bem abertos e o diabo não lhe metia muito medo…

Enquanto as outras, acocoradas em volta da Rosa, baixando a voz evocavam bruxedos e se benziam com arrepios de pavor, a ti Zabel conservava-se calada e, mais viva, arteira, céptica, tinha a certeza de que o mal da Anitas não era obra do demônio.

Lá no seu íntimo exultava. Aquela Rosa que andava sempre inchada de presunção, sempre com a boca cheia dos seus haveres, do bem que vivia com o marido e da honestidade da sua vida, que atirava, por dá cá aquela palha, à cara das mais, agora apanhara do homem uma sova que por pouco a não estoirava e tinha a filha desonrada.

"Deixa estar, minha fidalga de borra…", pensava a ti Zabel saboreando aquele desastre, "que por todas essas redondezas não há de haver alma cristã que não saiba a tua vergonha. E a história dos espritos eu é que ta hei de amanhar. Hás de andar arrastada mal a tua bazófia!"

À medida que a noite avançava, os boieiros e as vizinhas foram-se retirando à formiga.

Aquilo já não tinha que ver; e, cansados pelo trabalho do dia, imóveis no silêncio lúgubre do quarto, ia-lhes chegando o sono.

As horas foram passando.

As primeiras claridades do alvorecer vieram encontrar o Antônio, a Rosa e a Anitas tal qual a noite os deixara; ele sentado no tropeço à porta, a mulher no chão encostada à parede e a rapariga no quarto de dentro, enroscada na cama.

A Rosa, à força de carpir e de suspirar, acabara por adormecer; a Anitas, tendo-lhe abrandado as dores, dormia também; mas o abegão velava.

Os olhos azuis bem abertos, fitos, não viam a madrugada. Toda a sua alma se tendia, todo o seu pensar se concentrava num objeto único: descobrir o malandro que lhe desgraçara a filha.

Procurava na memória um indício, um fio condutor; concentrava naquele trabalho todo o esforço da sua inteligência lenta. Passava em revista os boieiros, a gente da quinta… Nada. Não via nada…

Apenas o Sol nasceu o Antônio levantou-se e foi para o trabalho sem se voltar para dentro de casa, sem um olhar sequer para a Rosa.

Trabalhou toda a manhã nos carretos, calado, taciturno; os outros não se atreviam a dirigir-lhe a palavra.

Quando tocou a sineta da sesta, o abegão enfiou a jaleca e, deixando os seus bois ao cuidado do Sebastião, abalou direito a casa.

A Rosa, que mal se podia mexer, acabava de fazer o jantar.

"Onde está a cachopa?"

"Na cama."

O Antônio sentou-se num tropeço junto da mesa e encostou a cabeça às mãos.

"Quem foi, mulher?", perguntou ele.

"Como hei de saber?… Assim a terra se abra agora e me suma se é verdade que algum home tocou na rapariga."

E a Rosa recomeçou a lamúria da véspera.

"Cala essa boca!", mandou o Antônio. "Se fazes banzé apanhas uma tareia pior ca d’onte."

A Rosa calou-se.

"Puxa pela cabeça. A cachopa nunca andava com essa malandrage das ceifas?"

"Assim a minh’alma vá direita para o Céu", respondeu a Rosa, "como ela nunca se afastava da minha vista."

"Mentes!", exclamou o Antônio.

Subia-lhe a cólera de novo, fervia-lhe o sangue.

Depois amansou, encolheu os ombros com desânimo:

"As mulheres mentem todas com quantos dentes têm na boca", acrescentou ele falando mais para si do que para a Rosa. "Um pobr’home anda no trabalho a ganhar o pão para as sustentar e não sabe o que as cabras do diabo fazem nem pensam. Não têm aquela senão para dar à língua. Má raios as partam."

Levantou-se, dirigiu-se para o quarto da filha.

Hesitou, com a mão no fecho. Parecia-lhe que o coração lhe ia estoirar o peito.

Entrou.

A Anitas, assustada, fitou nele um olhar de angústia. Tinha medo. Medo de tudo e de todos sem saber porquê.

"Não bata, pai!", implorou ela.

"Quem foi?", perguntou ele aproximando-se, muito pálido.

A Anitas fitava-o com um olhar assustado. Não compreendia.

"Quem te desgraçou, rapariga?", repetiu o pai levantando a voz e todo trêmulo de raiva.

Não entendia o que o pai queria saber; não percebia a causa do mal que tinha em si. Mas quis-lhe responder fosse o que fosse, na ideia de abrandar aquela cólera que ia acabar em pancada. Tudo desandara em tristezas e terrores desde que a mãe lá na vila falara ao médico.

E a Anitas disse, levantando o cotovelo para aparar o primeiro golpe, no seu gesto habitual:

"Não se escame, pai. Foi o médico."

"Ah! cachorra! que me queres enganar!…"

Mas não lhe bateu. Passou a vista pelo ventre que avolumava sob a roupa e caíram-lhe os braços como se lhos tivessem quebrado. Apeteceu-lhe rachar a cabeça contra uma esquina.

A Anitas, vendo que a sua resposta não satisfizera o pai, lembrou-se do muito que sofrera na volta para casa. Talvez ele quisesse saber o que lhe fizera aquelas dores tão grandes.

"Pai…", disse ela, "foi o burro."

O pobre Antônio saiu do quarto como um doido e, sentando-se à mesa da cozinha, desatou a chorar.

Como é que havia um homem sobre a terra e com alma cristã, capaz de desgraçar uma inocente daquelas?! Ainda que ele o procurasse de dia e de noite até à hora da morte, havia de encontrá-lo para lhe esborrachar a cabeça debaixo de uma pedra, ao maldito, nem que fosse um sapo…

A Rosa pôs em cima da mesa o tacho com couves e um pedaço de toicinho.

Mas o Antônio empurrou o prato e saiu de casa.

Foi direito à porta dos fidalgos e mandou recado para dentro que desejava falar ao patrão.

Entrou no gabinete com o carapuço ao ombro, curvado, humilde, sem saber como havia de dizer o que tinha na ideia.

"Então que é isso, abegão, temos alguma novidade?"

"Saberá V. Ex.ª que tanto monta pela abegoaria como pela lavoura não há novidade. O gado anda bom e os serviços vão adiantados, graças a Deus."

"Mas tu não me vens dizer coisa que preste, homem. Trazes uma cara!"

O Antônio puxara o carapuço do ombro e amachucava-o lentamente entre os dedos. Não tirava os olhos do chão.

Por fim lá se decidiu:

"Vai em trinta anos que sirvo esta casa e louvado seja Deus, nunca dei escândula a ninguém e… já agora cuidava aqui morrer. Mas, com’o outro, um home nã sabe prò que está guardado… Tem de preguntar outro abegão, qu’este cá é estaca já podre e… leva-o o diabo."

O fidalgo olhou atentamente para o Antônio e percebeu que o homenzarrão fazia um grande esforço para conter as lágrimas que lhe queriam saltar dos olhos.

Levantou-se, aproximou-se do seu criado a quem devia tantos anos de bons serviços e de fidelidade e que se habituara a estimar. Deu-lhe uma palmada no ombro.

"Tudo isso é asneira, Antônio. Quem pensa em tu deixares a Quinta Grande? Nem eu posso passar sem ti nem tu sem mim."

Mas o Antônio abanou a cabeça, obstinado na sua ideia.

"Saberá Vossa Excelência que tem de preguntar outro abegão."

E, por fim, narrou a sua desgraça, contendo a indignação e a raiva pelo muito respeito que lhe inspirava o patrão, mas trêmulo, com a garganta seca, sentindo-se em cada palavra, em cada gesto, a agonia da pobre alma rude, o desespero e a sede imensa de vingança.

E o patrão não conseguiu demovê-lo do seu propósito; todos os argumentos se quebravam contra o dique daquela vontade inflexível.

"Deixe-m’ir, patrão, deixe-m’ir…", repetia o Antônio passando o lenço na testa inundada de suor. "Com’assim não tenho cara de por ’qui arrastar a vergonha da cachopa. E vai d’í, pode acontecer alguma desgracia e não quero que o patrão tenha trabalhos por via de mim."

"Que desgraça, homem? A desgraça está feita e não és tu que vais torná-la maior; tu que sempre foste um homem de juízo."

Mas o Antônio respondeu:

"O que tem de ser tem muita força, patrão. Um home ajuizado… lá lhe vem o tempo de perder a cabeça e, ainda bem não, entra-lhe o diabo no corpo…"

O Antônio deixou o seu lugar de abegão na Quinta Grande e instalou-se com a mulher e a filha na casita que comprara perto da vila e de onde despediu o inquilino.

Adquiriu uma junta de bois alentejanos pequenos e rijos que lhe faziam a lavoura da fazenda e que ele alugava o resto do tempo, trabalhando com eles, jeira aqui, jeira além, pelas terras de pequenos lavradores a quem não valia a pena ter gado seu.

A Anitas melhorara das dores e já não tinha enjoos nem agasturas; mas ia engrossando cada vez mais.

Envergonhava-se daquela inchação; passava os dias metida em casa.

A Rosa, duma vez, estando de mau humor, o que lhe acontecia a miúdo desde que viera para aquela solidão sem ter com quem dar à língua, dissera à filha:

"Que andas tu a esconder-te, minha parva? Pois não sabes o que fizeste? Cuidas que m’enganas?"

A inocente olhou para a mãe, pasmada.

Não entendia.

Da sua aventura com o bufarinheiro guardava uma ideia vaga, que se apagava a mais e mais e se confundia com outras.

Fora ter com ele à charneca, sem malícia, obedecendo simplesmente ao seu instinto; e escondera-se como se escondia às vezes para ir tomar banho à ribeira, de madrugada, entre os ramos dos salgueiros, ou para trepar a uma árvore do pomar e roubar três pêssegos. Escondera o seu ato receando que a impedissem de o praticar. Nada mais. No pobre cérebro imperfeito não existia a ideia do bem e do mal.

Não sabia o que tinha. Aquela doença afligia-a pelo sofrimento que lhe causava. A inchação do ventre assustava-a; às vezes punha-se a chorar e pedia à mãe que a curasse.

Quando sentia nas entranhas agitar-se a vida que trazia em si e que ignorava, sacudia-a um grande frêmito de horror, gritava que tinha um bicho no ventre, fugia, escondia-se a tremer de medo… E a Rosa, lavada em lágrimas, rezava pedindo a Deus que lhe matasse a filha antes de ela dar à luz o monstro gerado pelo demônio.

Estas cenas endoideciam o Antônio que não parava em casa e passava os serões e os domingos na taberna à beira da estrada, bebendo e jogando para se atordoar e esquecer.

Perdera dias inteiros de trabalho, indo por um lado e por outro, com vários pretextos, correndo todas as povoações daquelas redondezas, a ver se alcançava qualquer indício que o levasse à descoberta do homem que lhe desonrara a filha.

Mas todos os seus esforços eram baldados.

Por toda a parte o acolhiam com um ar constrangido e poucos se demoravam a falar com ele.

Uma vez ia perdendo a cabeça porque um garoto gritara à sua passagem:

"Olha o sogro do diabo!…"

Daí por diante principiou a beber.

Apenas o vinho lhe subia aos miolos, começava a falar da sua desgraça e se alguém o contradizia, armava logo uma desordem, com os olhos a luzirem que nem os de um lobisomem.

Mas trabalhava sempre. Trabalhava desde o sol fora até anoitecer. Trazia as terras bem amanhadas que era um regalo e os bois nédios e lustrosos que metiam cobiça.

Andar ali agarrado à terra era a sua maior consolação. Mas quando fechava os bois na arribana, ao sol-posto, e se sentava defronte da ceia, dizia de si para si:

"Para quem andas tu a matar-te? Quando fechares os olhos quem te cuidará da fazenda, quem fará medrar os teus haveres?…"

Não queria ver a filha. Não suportava a presença daquele ventre enorme onde lentamente crescia a sua vergonha e a sua desgraça.

Apenas acabava de comer, saía, vagaroso, curvado, com o seu passo pesado, balançando o dorso de atleta…

Ia para a taberna.

Uma noite, ao voltar para casa, ouviu lá dentro gritos lancinantes.

Era a voz da Anitas.

"Ah! minha mãe que eu morro! Acuda-me pela sua salvação! Meu pai! Eu morro… eu morro…"

A Rosa veio a correr ao encontro do marido:

"Tôino… Vai-me chamar depressa a ti Maria Jaquina lá além à estrada… A cachopa está cas dores."

Dócil, o Antônio voltou para trás, apressou o passo direito à estrada.

Não sabia o que fazia. Os gritos da filha retalhavam-lhe o coração. A raiva, o ódio, o horror, tudo desaparecia da sua alma e se fundia numa dor imensa.

"A minha Anitas, a minha Anitas…", repetia ele todo trêmulo.

E juntava as mãos:

"Dois mil réis de cera a Santa Brígida se ela escapar…"

Voltou a galope com a ti Maria Jaquina.

A rapariga já não gritava.

Gemia e chorava baixinho.

O Antônio sentou-se fora de casa, num monte de pedras, à espera.

Não se atrevia a entrar.

Não queria ver morrer a filha.

De instante a instante ia à porta, chamava a mulher, pedia notícias…

Já principiava a clarear o céu quando a Anitas soltou um grito que atravessou o coração do pai nem que fosse um golpe certeiro de navalha.

O homem levantou-se sufocado. Apertava o peito com as mãos. Parecia-lhe que morria.

Seguiu-se um silêncio e, de repente, o Antônio ouviu outra voz… um vagido muito fraco…

Então… só então, a imagem horrível da criança apareceu no seu espírito.

Ali estava o maldito concebido no pecado, o ente monstruoso que lhe trouxera a desonra.

Até ali só pensara na filha, na sua Anitas que ele não queria ver morta. O resto desaparecera.

Mas o vagido do inocente fez-lhe reviver num segundo a tortura dos longos meses passados, a injúria, a afronta que não fora vingada, a imagem do homem desconhecido que ele nunca pudera encontrar e que àquela hora se ria do mal que fizera e ficara sem castigo.

E nunca saberia… e toda a vida teria ao seu lado a criança a lembrar-lhe a sua desgraça.

Para toda a parte onde fosse, o povo o apontaria e faria escárnio dele…

De que lhe servia a sua existência inteira de bom trabalhador e de homem honrado? De que lhe servia a saúde e a força dos braços, se dali por diante era obrigado a arrastar a sua vergonha como um aleijado arrasta pelas estradas a sua miséria?

Maldição!

Ao nascente o alvorecer crescia.

Os pássaros ramalhavam e piavam nas árvores.

Os galos principiavam a cantar.

O Antônio ergueu-se como um homem bêbedo.

Aproximou-se do poço. Um poço fundo, cheio de água fresca e leve que nunca secava, que lhe alimentava a horta o Verão todo, sem baixar…

Despiu a jaleca. Tirou o barrete.

Juntou as mãos, fez ato de contrição, pediu a Nossa Senhora e a Santa Brígida que lhe perdoassem pelo muito que sofrera e que lhe olhassem pela Anitas, que a não desamparassem…

Benzeu-se devagar.

Debruçou-se; à luz vaga do amanhecer viu um momento a sua imagem refletida na água quieta, funda e negra…

Ouviu-se o ruído surdo de um mergulho.

Mais nada.

O nascente estava todo cor-de-rosa.

Os pássaros cantavam; e na estrada ia passando gente a caminho do trabalho.

Na mesma hora, a Anitas, livre do seu mal, olhava com espanto para a criança que acabava de morrer.

De onde viera aquele menino?

Porque seria que a mãe se debruçara para ela chorando e lho dera a beijar como se fosse um Menino Jesus, antes de o estender, muito quietinho, num tabuleiro, com as mãos cruzadas sobre o peito?

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