2/24/2023

Dispersas (Poesia), de Machado de Assis



 
POESIAS DISPERSAS


A PALMEIRA
(A Francisco Gonçalves Braga)

Como é linda e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!
Como seus galhos frondosos
S’elevam tão majestosos
Quase a tocar no horizonte!

Ó palmeira, eu te saúdo,
Ó tronco valente e mudo,
Da natureza expressão!
Aqui te venho ofertar
Triste canto, que soltar
Vai meu triste coração.

Sim, bem triste, que pendida
Tenho a fronte amortecida,
Do pesar acabrunhada!
Sofro os rigores da sorte,
Das desgraças a mais forte
Nesta vida amargurada!

Como tu amas a terra
Que tua raiz encerra,
Com profunda discrição;
Também amei da donzela
Sua imagem meiga e bela,
Que alentava o coração.

Como ao brilho purpurino
Do crepúsc’lo matutino
Da manhã o doce albor;
Também amei com loucura
Ess’alma toda ternura
Dei-lhe todo o meu amor!

Amei!... mas negra traição
Perverteu o coração
Dessa imagem da candura!
Sofri então dor cruel,
Sorvi da desgraça o fel,
Sorvi tragos d’amargura!

........................................

Adeus, palmeira! ao cantor
Guarda o segredo de amor;
Sim, cala os segredos meus!
Não reveles o meu canto,
Esconde em ti o meu pranto
Adeus, ó palmeira!... adeus!

 

ELA

Nunca vi, — não sei se existe
Uma deidade tão bela,
Que tenha uns olhos brilhantes
Como são os olhos dela!
F. G. BRAGA

Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.

Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em doce poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um — sim —
Pr’a alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh’alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
“Dá-lhe um suspiro de amor!”

 

TEU CANTO
 (A uma italiana)

É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração.
DO AUTOR (“Meu Anjo”)

Tu és tão sublime
Qual rosa entre as flores
De odores
Suaves;
Teu canto é sonoro
Que excede ao encanto
Do canto
Das aves.

Eu sinto nest’alma,
Num meigo transporte,
Meu forte
Dulçor;
Se soltas teu canto
Que o peito me abala,
Que fala
De amor.

Se soltas as vozes
Que podem à calma,
Minh’alma
Volver;
Minh’alma se enleva
Num gozo expansivo
De vivo
Prazer.

Donzela, esta vida
Se eu tanto pudera,
Quisera
Te dar;
Se um beijo eu pudesse
Ardente e fugace
Na face
Pousar.
 

UM ANJO
 (À memória de minha irmã)

Se deixou da vida o porto
Teve outra vida nos céus.
A. E. ZALUAR

Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade,
Pr’a sorrir mais animada,
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.

Rasgaste o manto da vida,
E anjo subiste ao céu
Como a flor enlanguescida
Que o vento pô-la caída
E pouco a pouco morreu!

Tu’alma foi um perfume
Erguido ao sólio divino;
Levada ao celeste cume
C’os Anjos oraste ao Nume
Nas harmonias dum hino.

Alheia ao mundo devasso,
Passaste a vida sorrindo;
Derribou-te, ó ave, um braço,
Mas abrindo asas no espaço
Ao céu voaste, anjo lindo.

Esse invólucro mundano
Trocaste por outro véu;
Deste negro pego insano
Não sofreste o menor dano
Que tu’alma era do céu.

Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade
Pr’a sorrir mais animada
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.

 

MINHA MUSA

A Musa, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.

A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos,
Que as dores que oculto me fazem trair.

A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor.

A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante — meu berço infantil,
De afetos um nome na ideia me traça,
Que o eco no peito repete: — Brasil!

A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: — Catão!

O aroma de esp’rança, que n’alma recende,
É ela que aspira, no cálix da flor;
É ela que o estro na fronte me acende,
A Musa que inspira meus versos de amor!

 

COGNAC!...

Vem, meu Cognac, meu licor d’amores!...
É longo o sono teu dentro do frasco;
Do teu ardor a inspiração brotando
O cérebro incendeia!...

Da vida a insipidez gostoso adoças;
Mais vale um trago teu que mil grandezas;
Suave distração — da vida esmalte,
Quem há que te não ame?

Tomado com o café em fresca tarde
Derramas tanto ardor pelas entranhas,
Que o já provecto renascer-lhe sente
Da mocidade o fogo!

Cognac! — inspirador de ledos sonhos,
Excitante licor — de amor ardente!
Uma tua garrafa e o Dom Quixote,
É passatempo amável!

Que poeta que sou com teu auxílio!
Somente um trago teu m’inspira um verso;
O copo cheio o mais sonoro canto;
Todo o frasco um poema!

 


MINHA MÃE
(Imitação de Cowper)

Quanto eu, pobre de mim! quanto eu quisera
Viver feliz com minha mãe também!
C. A. DE SÁ

Quem foi que o berço me embalou da infância
Entre as doçuras que do empíreo vêm?
E nos beijos de célica fragrância
Velou meu puro sono? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma lembrança
É dela que os meus sonhos de criança
Dourou: — é minha mãe!

Quem foi que no entoar canções mimosas
Cheia de um terno amor — anjo do bem
Minha fronte infantil — encheu de rosas
De mimosos sorrisos? — Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento
O fogo da saudade me arde lento
É dela: minha mãe.

Qual anjo que as mãos me uniu outrora
E as rezas me ensinou que da alma vêm?
E a imagem me mostrou que o mundo adora,
E ensinou a adorá-la? — Minha mãe!
Não devemos nós crer num puro riso
Desse anjo gentil do paraíso
Que chama-se uma mãe?

Por ela rezarei eternamente
Que ela reza por mim no céu também;
Nas santas rezas do meu peito ardente
Repetirei um nome: — minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos d’alma
Oh! do porvir eu trocaria a palma
Para ter minha mãe!

 

O SOFÁ

Oh! Como é suave os olhos
Sentir de gozo cerrar,
Sobre um sofá reclinado
Lindos sonhos a sonhar,
Sentindo de uns lábios d’anjo
Um medroso murmurar!

Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há...
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!

Um sofá! Estas violetas
Murchas, secas como estão
Sobre o seu sofá mimoso,
Cheirosas, vivas então,
Achei um dia perdidas,
Perdidas: por que razão!

Talvez ardente entrevista
Toda paixão, toda amor
Fizesse ali esquecê-las...
Quem não sabe? sem vigor
Estas flores só recordam
Um passado encantador!

Um sofá! Ameno sítio
Para colher um troféu,
Para cingir duas frontes
De amor num místico véu,
E entre beijos vaporosos
Da terra fazer um céu!

Um sofá! Mais belo símbolo
Da preguiça outro não há...
Ai, que belas entrevistas
Não se dão sobre um sofá,
E que de beijos ardentes
Muita boca aí não dá!

 

VAI-TE

Por que voltaste? Esquecidos
Meus sonhos, e meus amores
Frios, pálidos morreram
Em meu peito. Aquelas flores
Da grinalda da ventura
Tão de lágrimas regada,
Nesta fronte apaixonada
Cingida por tua mão,
Secaram, mortas estão.
Pobre pálida grinalda!
Faltou-lhe um orvalho eterno
De teu belo coração.
Foi de curta duração
Teu amor: não compreendeste
Quanto amor esta alma tinha...
Vai, leviana andorinha,
A outro clima, outro céu:
Meu coração? Já morreu
Para ti e teus amores,
E não pode amar-te — vai!
O hino das minhas dores
Dir-to-á a brisa, à noite,
Num terno, saudoso — ai —
Vai-te — e possa a asa do vento
Que pelas selvas murmura,
Da grinalda da ventura
Que em mim outrora cingiste,
Inda um perfume levar-te,
Morta assim: como um remorso
Do teu olvido... eu amar-te?
Não, não posso; esquece, parte;
Eu não posso amar-te... vai!

 

ÁLVARES DE AZEVEDO
(Ao Sr. Dr. M. A. de Almeida)

Vejo em fúnebre cipreste
Transformada a ovante palma!
PORTO ALEGRE.

Morrer, de vida transbordando ainda,
Como uma flor que ardente calma abrasa!
Águia sublime das canções eternas:
Quem no teu voo espedaçou-te a asa?

Quem nessa fronte que animava o gênio,
A rosa desfolhou da vida tua?
Onde o teu vulto gigantesco? Apenas
Resta uma ossada solitária e nua!

E contudo essa vida era abundante!
E as esperanças e ilusões tão belas!
E no porvir te preparava a pátria
Da glória as palmas e gentis capelas!

Sim, um sol de fecunda inteligência
Sobre essa fronte pálida brilhava,
Que à face deste século de indústria
Tantos raios ardentes derramava!

E pôde a morte destruir-te a vida!
E dar à tumba a tua fronte ardente!
Pobre moço! saudaste a estrela d’alva,
E o sol não viste a refulgir no Oriente!

Morrer, de vida transbordando ainda,
Como uma flor que ardente calma abrasa!
Águia sublime das canções eternas:
Quem no teu voo espedaçou-te a asa?

Voltaste à terra só — Não morrem Byrons,
Nem finda o homem na friez da campa!
Homem, tua alma aos pés de Deus fulgura,
Teu nome, poeta, no porvir se estampa!

Não morreste! estalou a fibra apenas
Que a alma à vida de ilusões prendia!
Acordaste de um negro pesadelo,
E saudaste o sol do eterno dia!

Mas cá fica no altar do pensamento
Teu nome como um ídolo pomposo,
Que a fama com o turíbulo dos tempos
Perfuma de um incenso vaporoso!

E ao ramalhete das brasílias glórias,
Mais uma flor angélica se enlaça,
Que a brisa ardente do porvir passando
Trêmula beija e a murmurar abraça!

Byron da nossa terra, dorme embora
Envolto no teu fúnebre sudário,
Murmure embora o vento dos sepulcros
Junto do teu sombrio santuário.

Resta-te a c’roa santa de poeta,
E a mirra ardente da oração saudosa,
E pelas noites calmas do silêncio
Os séculos da lua vaporosa!

Ela te chora, e ali com ela a pátria,
Pobre órfã de teus cânticos divinos,
E das brisas na voz misteriosa,
Da saudade e da dor sagram-te os hinos!

Dorme junto de Chatterton, de Byron,
Frontes sublimes, pra sonhar criadas,
Almas puras de amor e sentimento,
Harpas santas, por anjos afinadas!

Dorme na tua fria sepultura
Guarda essa fronte vaporosa, ardente,
Tu, que apenas saudaste a estrela-d'alva
E o sol não viste a refulgir no Oriente!

 

REFLEXO

Olha: vem sobre os olhos
Tua imagem contemplar,
Como as madonas do céu
Vão refletir-se no mar
Pelas noites de verão
Ao transparente luar!

Olha e crê que a mesma imagem
Com mais ardente expressão
Como as madonas no mar
Pelas noites de verão,
Vão refletir-se bem fundo,
Bem fundo — no coração!

 

A MORTE NO CALVÁRIO
 (Ao meu amigo o padre Silveira Sarmento)

Consummatum est!

I
Ei-lo, vai sobre o alto Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma cruz!
Povos! naquele fúnebre sudário
Envolto vai um sol de eterna luz!

Ali toda descansa a humanidade;
É o seu salvador, o seu Moisés!
Aquela cruz é o sol da liberdade
Ante o qual são iguais povos e reis!

Povos, olhai! — As fachas mortuárias
São-lhe os louros, as palmas, e os troféus!
Povos, olhai! — As púrpuras cesáreas
Valem acaso em face do Homem-Deus?

Vede! mana-lhe o sangue das feridas
Como o preço da nossa redenção.
Ide banhar os braços parricidas
Nas águas desse fúnebre Jordão!

Ei-lo, vai sobre o alto do Calvário
Morrer piedoso e calmo em uma cruz!
Povos! naquele fúnebre sudário
Envolto vai um sol de eterna luz!

II
Era o dia tremendo do holocausto...
Deviam triunfar os fariseus...
A cidade acordou toda no fausto,
E à face das nações matava um Deus!

Palpitante, em frenético delírio
A turba lá passou: vai imolar!
Vai sagrar uma palma de martírio,
E é a fronte do Gólgota o altar!

Em derredor a humanidade atenta
Aguarda o sacrifício do Homem-Deus!
Era o íris no meio da tormenta
O martírio do filho dos Hebreus!

Eis o monte, o altar do sacrifício,
Onde vai operar-se a redenção.
Sobe a turba entoando um epinício
E caminha com ela o novo Adão!

E vai como ia outrora às sinagogas
As leis pregar do Sião e do Tabor!
É que no seu sudário as alvas togas
Vão cortar os tribunos do Senhor!

Planta-se a cruz. O Cristo está pendente;
Cingem-lhe a fronte espinhos bem mortais;
E cospe-lhe na face a turba ardente,
E ressoam aplausos triunfais!

Ressoam como em Roma a populaça
Aplaudindo o esforçado gladiador!
É que são no delírio a mesma raça,
A mesma geração tão sem pudor!

Ressoam como um cântico maldito
Pelas trevas do século a vibrar!
Mas as douradas leis de um novo rito
Vão ali no Calvário começar!

Sim, é a hora. A humanidade espera
Entre as trevas da morte e a eterna luz;
Não é a redenção uma quimera,
Ei-la simbolizada nessa cruz!

É a hora. Esgotou-se a amarga taça;
Tudo está consumado; ele morreu,
E aos cânticos da ardente populaça
Em luto a natureza se envolveu!

Povos! realizou-se a liberdade,
E toda consumou-se a redenção!
Curvai-vos ante o sol da Cristandade
E as plantas osculai do novo Adão!

Ide, ao som das sagradas melodias,
Orar junto do Cristo como irmãos,
Que os espinhos da fronte do Messias
São as rosas da fronte dos cristãos!

 

UMA FLOR? — UMA LÁGRIMA

— Por que há de a musa que coroam rosas
Da rocha inculta só rebentam cardos:
Lágrima fria de pisados olhos
Não cabe em chão de pérolas.

— Por que há de a musa que coroam rosas
Vir debruçar-se no ervaçal inculto,
E pedir um perfume à flor da noite
Que o vento enregelara?

Minha musa é a virgem das florestas
Sentada à sombra da palmeira antiga;
Cantando, e só — por uma noite amarga
Uma canção de lágrimas...

A aura noturna perpassou-lhe as tranças,
A mão do inverno enregelou-lhe os seios,
Roçou-lhe as asas na carreira ardente
O anjo das tempestades.

Por que há de a musa que coroam rosas
Pedir-lhe um canto? O alaúde é belo
Quando amestrada mão lhe roça as cordas
Num canto onipotente.

Pede-se acaso à ave que rasteja
Rasgado voo? ao espinhal perfumes?
Risos da madrugada ao céu da noite
Sem luar nem estrelas?

Pedem-se as rosas aos jardins da vida;
Da rocha inculta só rebentam cardos;
Lágrima fria de pisados olhos
Não cabe em chão de pérolas.

 

CONDÃO

C'est que j'ai recontré des regards dont la flamme
Semble avec mes regards ou briller ou mourir.
E. DESCHAMPS

Uns olhos me enfeitiçaram,
Uns olhos... foram os teus.
Falaram tanto de amores
Embebidos sobre os meus!

Eram anjos que dormiam
Dessas pálpebras à flor
Nas convulsões palpitantes
Dos alvos sonhos de amor.

Foi à noite... hora das fadas;
Bem lhes sentira o condão;
Mas refletiam tão puras
Os sonhos do coração!

Como ao sol do meio-dia
Dorme a onda à flor do mar,
Eu dormi, — pobre insensato,
Ao fogo do teu olhar...

Pobre, doida mariposa,
Perdi-me... — pecados meus!
Na chama que me atraía,
No fogo dos olhos teus.

Venci protestos de outrora,
Moirei no teu alcorão,
E vim purgar nesses olhos
Pecados do coração.

Pois bem hajam os teus olhos,
Onde um tal condão achei:
Doido inseto em torno à chama,
Todo aí me queimarei.

 

A AUGUSTA

Em teu caminho tropeçaste — agora!
Cala esse pranto, minha pobre flor.
Caída mesmo — tropeçando embora,
Conserva a alma um último pudor.

Deve ser grande esse martírio lento...
Já nos espinhos a minha alma pus;
Sou como um Cireneu do sofrimento;
Deixa-me ao menos carregar-te a cruz.

Eu sei medir as lágrimas vertidas
Na sombra e só sem uma mão sequer!
Vês tu as minhas pálpebras doridas?
Têm chorado talvez por ti, mulher!

É fraqueza chorar? chorei contigo;
Que a mesma nos banhou de luz
Como em mim um pesar profundo e antigo
No falar dessa fronte se traduz!

Sei como custa desfolhar um riso
Em face às turbas, que o senti por mim,
Ver o inferno e falar do paraíso,
Sentir os golpes e abraçar Caim!

Chorei, que prantos! Prometeu atado
Ao rochedo da vida e sem porvir!
Poeta neste século infamado
Que mata as almas e condena a rir.

Cansei, perdi aquela fé robusta
Que como a ti, nos sonhos me sorriu;
Na identidade do calvário, Augusta,
Bem vês como o destino nos mentiu!

Ergue-te pois! A redenção agora
Dá-te mais viço, minha pobre flor!
Se tropeçaste no caminho embora!
Na tua queda é-te bordão — o amor!

 

SONETO CIRCULAR

A bela dama ruiva e descansada,
De olhos longos, macios e perdidos,
C'um dos dedos calçados e compridos
Marca a recente página fechada.

Cuidei que, assim pensando, assim colada
Da fina tela aos flóridos tecidos,
Totalmente calados os sentidos,
Nada diria, totalmente nada.

Mas, eis da tela se despega e anda,
E diz-me: — “Horácio, Heitor Cibrão, Miranda,
C. Pinto, X. Silveira, F. Araújo,

Mandam-me aqui para viver contigo.”
Ó bela dama, a ordens tais não fujo.
Que bons amigos são! Fica comigo.

 

ÍCARO

Que queres tu que eu te peça?
Um olhar que não consola?
Podes guardar essa esmola
Para quem ta for pedir,
A um olhar de volúpia
Que ensina discreto espelho
Queres que eu curve o joelho,
E quebre todo um porvir?

É audaz o pensamento.
Não vês que um olhar é pouco?
Eu fora cobarde e louco
Se te aceitasse um olhar!
A flor da pálida face,
Esse raio luminoso,
É a esperança de um gozo
Que bem se pode evitar.

Este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher;
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito;
Pede tudo e tudo quer!

É ambição desmedida?
Prevejo tal pensamento:
A inclinação de um momento
Não me dá direito a mais.
A chama ainda indecisa
Uma hora alimentaste,
E agora que recuaste
Quebras os laços fatais.

Era tarde! As fibras todas
Já vão meio consumidas;
Perdi na vida — mil vidas
Que é preciso resgatar.
Bem vês que a perda foi grande.
Quero um preço equivalente;
Guarda o teu olhar ardente
Que não me paga um olhar.

Alma de fogo encerrada
Em livre, em audaz cabeça
Não pode crer na promessa
Que os olhos, que os olhos dão!
Talvez levada de orgulho
Com este amor insensato
Quer a verdade do fato
Para dá-la ao coração.

E sabes o que eu te dera?
Nem tu calculas o preço...
Olha bem se te mereço
Mais que um só olhar dos teus:
Dera-te todo um futuro
Quebrado a teus pés, quebrado,
Como um mundo derrocado
Caído das mãos de Deus!

Era uma troca por troca,
Ambos perdiam no abraço
Mas estreitava-se o espaço
Que nos separa talvez.
Foras um sonho que eu tive,
Uma esperança bem pura;
Foras meu céu de ventura
Em toda a sua nudez!

Que este fogo que me impele
Para a esfera dos desejos
Cresce, vigora nos beijos
De uma boca de mulher;
Tem asas como as das águias;
Nem pousa sobre o granito;
Aspira para o infinito,
Pede tudo e tudo quer! 



CORAÇÃO PERDIDO

Buscas debalde o meigo passarinho
Que te fugiu;
Como quer que isso foi, o coitadinho
No brando ninho
Já não dormiu.

O coitado abafava na gaiola,
Faltava-lhe o ar;
Como foge um menino de uma escola,
O mariola
Deitou-se a andar.

Demais, o pobrezito nem sustento
Podia ter;
Nesse triste e cruel recolhimento
O simples vento
Não é viver.

Não te arrepeles. Dá de mão ao pranto;
Isso que tem?
Eu sei que ele fazia o teu encanto;
Mas chorar tanto
Não te convém.

Nem vás agora armar ao bandoleiro
Um alçapão;
Passarinho que sendo prisioneiro
Fugiu matreiro
Não volta, não!

 

FASCINAÇÃO

Tes lèvres, sans parler, me disaient: — Que je t'aime!
Et ma bouche muette ajoutait: — Je te crois!
Mme. DESBORDES-VALMORE

A vez primeira que te ouvi dos lábios
Uma singela e doce confissão,
E que travadas nossas mãos, eu pude
Ouvir bater teu casto coração,

Menos senti do que senti na hora
Em que, humilde — curvado ao teu poder,
Minha ventura e minha desventura
Pude, senhora, nos teus olhos ler.

Então, como por vínculo secreto,
Tanto no teu amor me confundi,
Que um sono puro me tomou da vida
E ao teu olhar, senhora, adormeci.

É que os olhos, melhor que os lábios, falam
Verbo sem som, à alma que é de luz
— Ante a fraqueza da palavra humana —
O que há de mais divino o olhar traduz.

Por ti, nessa união íntima e santa,
Como a um toque de graça do Senhor,
Ergui minh'alma que dormiu nas trevas,
E me sagrei na luz do teu amor.

Quando a tua voz puríssima — dos lábios,
De teus lábios já trêmulos correu,
Foi alcançar-me o espírito encantado
Que abrindo as asas demandara o céu.

De tanta embriaguez, de tanto sonho
Que nos resta? Que vida nos ficou?
Uma triste e vivíssima saudade...
Essa ao menos o tempo a não levou.

Mas, se é certo que a baça mão da morte
A outra vida melhor nos levará,
Em Deus, minh'alma adormeceu contigo,
Em Deus, contigo um dia acordará.

 

O CASAMENTO DO DIABO
(Imitação do alemão)

Satã teve um dia a ideia
De casar. Que original!
Queria mulher não feia,
Virgem corpo, alma leal.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Resolvido no projeto,
Para vê-lo realizar,
Quis procurar objeto
Próprio do seu paladar.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana.
É mais fina do que tu.

Cortou unhas, cortou rabo,
Cortou as pontas, e após
Saiu o nosso diabo
Como o herói dos heróis.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Casar era a sua dita;
Correu por terra e por mar,
Encontrou mulher bonita
E tratou de a requestar.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Ele quis, ela queria,
Puseram mão sobre mão,
E na melhor harmonia
Verificou-se a união.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

Passou-se um ano, e ao diabo,
Não lhe cresceram por fim,
Nem as unhas, nem o rabo...
Mas as pontas, essas sim.

Toma um conselho de amigo,
Não te cases, Belzebu;
Que a mulher, com ser humana
É mais fina do que tu.

 


HINO PATRIÓTICO

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

O leopardo aventureiro,
Garra curva, olhar feroz,
Busca o solo brasileiro,
Ruge e investe contra nós.

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

Quer estranho despotismo
Lançar-nos duro grilhão;
Será o sangue o batismo
Da nossa jovem nação.

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

Pela liberdade ufana,
Ufana pela honradez,
Esta terra americana,
Bretão, não te beija os pés.

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

Nação livre, é nossa glória
Rejeitar grilhão servil;
Pareça a nossa memória
Salva a honra do Brasil.

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

Podes vir, nação guerreira;
Nesta suprema aflição,
Cada peito é uma trincheira,
Cada bravo um Cipião.

Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!

 

A CÓLERA DO IMPÉRIO

De pé! — Quando o inimigo o solo invade
Ergue-se o povo inteiro; e a espada em punho
É como um raio vingador dos livres!
__________

Que espetáculo é este! — Um grito apenas
Bastou para acordar do sono o império!
Era o grito das vítimas. No leito,
Em que a pusera Deus, o vasto corpo
Ergue a imensa nação. Fulmíneos olhos
Lança em torno de si: — lúgubre aspecto
A terra patenteia; o sangue puro,
O sangue de seus filhos corre em ondas
Que dos rios gigantes da floresta
Tingem as turvas, assustadas águas.
Talam seus campos legiões de ingratos.
Como um cortejo fúnebre, a desonra
E a morte as vão seguindo, e as vão guiando,
Ante a espada dos bárbaros, não vale
A coroa dos velhos; a inocência
Debalde aperta ao seio as vestes brancas...
É preciso cair. Pudor, velhice,
Não nos conhecem eles. Nos altares
Daquela gente, imola-se a virtude!
__________

O império estremeceu. A liberdade
Passou-lhe às mãos o gládio sacrossanto,
O gládio de Camilo. O novo Breno
Já pisa o chão da pátria. Avante! avante!
Leva de um golpe aquela turba infrene!
É preciso vencer! Manda a justiça,
Manda a honra lavar com sangue as culpas
De um punhado de escravos. Ai daquele
Que a face maculou da terra livre!
Cada palmo do chão vomita um homem!
E do Norte, e do Sul, como esses rios
Que vão, sulcando a terra, encher os mares,
À falange comum os bravos correm!
__________

Então (nobre espetáculo, só próprio
De almas livres!) então rompem-se os elos
De homens a homens. Coração, família,
Abafam-se, aniquilam-se: perdura
Uma ideia, a da pátria. As mães sorrindo
Armam os filhos, beijam-nos; outrora
Não faziam melhor as mães de Esparta.
Deixa o tálamo o esposo; a própria esposa
É quem lhe cinge a espada vingadora.
Tu, brioso mancebo, às aras foges,
Onde himeneu te espera; a noiva aguarda
Cingir mais tarde na virgínea fronte
Rosas de esposa ou crepe de viúva.
__________

E vão todos, não pérfidos soldados
Como esses que a traição lançou nos campos;
Vão como homens. A flama que os alenta
É o ideal esplêndido da pátria.
Não os move um senhor; a veneranda
Imagem do dever é que os domina.
Esta bandeira é símbolo; não cobre,
Como a deles, um túmulo de vivos.
Hão de vencer! Atônito, confuso,
O covarde inimigo há de abater-se;
E da opressa Assunção transpondo os muros
Terá por prêmio a sorte dos vencidos.
__________

Basta isso? Ainda não. Se o império é fogo,
Também é luz: abrasa, mas aclara.
Onde levar a flama da justiça,
Deixa um raio de nova liberdade.
Não lhe basta escrever uma vitória,
Lá, onde a tirania oprime um povo;
Outra, tão grande, lhe desperta os brios;
Vença uma vez no campo, outra nas almas;
Quebre as duras algemas que roxeiam
Pulsos de escravos. Faça-os homens.
__________

Treme,
Treme, opressor, da cólera do império!
Longo há que às tuas mãos a liberdade
Sufocada soluça. A escura noite
Cobre de há muito o teu domínio estreito;
Tu mesmo abriste as portas do Oriente;
Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos
Os soluços ouviu dos teus escravos,
E os olhos te cegou para perder-te!
__________

O povo um dia cobrirá de flores,
A imagem do Brasil. A liberdade
Unirá como um elo estes dois povos.
A mão, que a audácia castigou de ingratos,
Apertará somente a mão de amigos.
E a túnica farpada do tirano,
Que inda os quebrados ânimos assusta,
Será, aos olhos da nação remida,
A severa lição de extintos tempos!

 

DAQUI DESTE ÂMBITO ESTREITO

Daqui, deste âmbito estreito,
Cheio de risos e galas,
Daqui, onde alegres falas
Soam na alegre amplidão,
Volvei os olhos, volvei-os
A regiões mais sombrias,
Vereis cruéis agonias,
Terror da humana razão.

Trêmulos braços alçando,
Entre os da morte e os da vida,
Solta a voz esmorecida,
Sem pão, sem água, sem luz,
Um povo de irmãos, um povo
Desta terra brasileira,
Filhos da mesma bandeira,
Remidos na mesma cruz.

A terra lhes foi avara,
A terra a tantos fecunda;
Veio a miséria profunda,
A fome, o verme voraz.
A fome? Sabeis acaso
O que é a fome, esse abutre
Que em nossas carnes se nutre
E a fria morte nos traz?

Ao céu, com trêmulos lábios,
Em seus tormentos atrozes
Ergueram súplices vozes,
Gritos de dor e aflição;
Depois as mãos estendendo,
Naquela triste orfandade,
Vêm implorar caridade,
Mais que à bolsa, ao coração.

O coração... sois vós todos,
Vós que as súplicas ouvistes;
Vós que às misérias tão tristes
Lançais tão espesso véu.
Choverão bênçãos divinas
Aos vencedores da luta:
De cada lágrima enxuta
Nasce uma graça do céu.

 

A FRANCISCO PINHEIRO GUIMARÃES

Ouviste o márcio estrépito
E a mão lançando à espada
Foste, soldado indômito,
Vingar a pátria amada,
Do universal delírio
Aceso o coração.

Foste, e na luta férvida,
(Glória e terror das almas)
De quais loureiros vividos
Colheste eternas palmas,
Diga-o ao mundo e à história
A boca da nação!

Custa sentidas lágrimas
A glória; a terra bebe
Sangue de heróis e mártires
Que a morte ali recebe;
Da santa pátria o júbilo
Custa a melhor das mães.

Mas tu, audaz e impávido,
No ardor de cem porfias,
A mão dum ser angélico,
Herói, guiou teus dias;
E no amplo livro inscreveu-te
Dos novos capitães!

Se hoje co’as roupas cândidas
Voltou a paz à terra,
Não, não te basta o esplêndido
Louro da extinta guerra;
De outra gentil vitória
A palma aqui terás.

Chamam-te as musas, chama-te
A imensa voz do povo,
Que em seu aplauso unânime
Te guarda um prêmio novo;
Vem lutador do espírito,
Colhe os lauréis da paz.

 

À MEMÓRIA DO ATOR TASSO

Vós que esta sala encheis, e a lágrima sentida
E o riso de prazer conosco misturais,
E depois de viver da nossa mesma vida
Ao lar tranquilo e bom contentes regressais;

Que perdeis? Um noite; algumas horas. Tudo,
Alma, vida, razão, tudo vos damos nós:
Um perpétuo lidar, um continuado estudo,
Que um só prêmio conhece, um fim único: vós.

E este chão, que juncais de generosas flores,
É nossa alegre estrada, e vamos sem sentir,
Sem jamais indagar as encobertas dores
Que em seu seio nos traz o sombrio porvir.

Além, além do mar que separa dois mundos,
Um artista que foi glória nossa e padrão,
Quando à terra subiu dos êxtases profundos
Terna esposa deixou na mágoa e na aflição.

Hoje, que vos convida uma intenção piedosa,
Que escutais de além-mar uma súplice voz,
Hoje, a mão estendeis à desvalida esposa;
Obrigada por ele! obrigada por nós!

 

NO ÁLBUM DO SR. QUINTELA

Faz-se a melhor harmonia
Com elementos diversos;
Mesclam-se espinhos às flores:
Posso aqui pôr os meus versos.

 

VERSOS
(Escritos no álbum da Exma. Sra. D. Branca P. da C.)

Pede estrelas ao céu, ao campo flores;
Flores e estrelas ao gentil regaço
Virão da terra ou cairão do espaço,
Por te cobrir de aromas e esplendores.

Versos... pede-os ao vate peregrino
Que ao céu tomando inspirações das suas,
A tua mocidade e as graças tuas
Souber nas notas modular de um hino.

Mas que flores, que versos ou que estrelas
Pedir-me vens? A musa que me inspira
Mal poderia celebrar na lira
Dotes tão puros e feições tão belas.

Pois que me abris, no entanto, a porta franca
Deste livro gentil, casto e risonho,
Uma só flor, uma só flor lhe ponho
E seja o nome angélico de Branca.

 

SONETO

Caro Rocha Miranda e companhia,
Muzzio, Melo, Cibrão, Arnaldo e Andrade,
Enfim, a toda a mais comunidade
Manda saudades o Joaquim Maria.

Sou forçado a não ir à freguesia;
Tenho entre mãos, com pressa e brevidade,
Um trabalho de grande seriedade
Que hei de acabar mais dia menos dia.

Esta é a razão mais clara e pura
Pelo qual, meus amigos, vos remeto
Uma insinuação de vagatura.

Mas, na segunda-feira vos prometo
Que haveis de ter (minha barriga o jura)
Mais uma canja e menos um soneto.

 

NAQUELE ETERNO AZUL, ONDE COEMA

Naquele eterno azul, onde Coema,
Onde Lindoia, sem temor dos anos,
Erguem os olhos plácidos e ufanos,
Também os ergue a límpida Iracema.

Elas foram, nas águas do poema,
Cantadas pela voz de americanos,
Mostrar às gentes de outros oceanos
Joias do nosso rútilo diadema.

E, quando a magna voz inda afinavas
Foges-nos, como se a chamar sentiras
A voz da glória pura que esperavas.

O cantor do Uruguai e o dos Timbiras
Esperavam por ti, tu lhe faltavas
Para o concerto das eternas liras.

 



DAI À OBRA DE MARTA UM POUCO DE MARIA

Daí à obra de Marta um pouco de Maria,
Dai um beijo de sol ao descuidado arbusto;
Vereis neste florir o tronco ereto e adusto,
E mais gosto achareis naquela e mais valia.

A doce mãe não perde o seu papel augusto,
Nem o lar conjugal a perfeita harmonia.
Viverão dois aonde um até 'qui vivia,
E o trabalho haverá menos difícil custo.

Urge a vida encarar sem a mole apatia,
Ó mulher! Urge pôr no gracioso busto,
Sob o tépido seio, um coração robusto.

Nem erma escuridão, nem mal-aceso dia.
Basta um jorro de sol ao descuidado arbusto,
Basta à obra de Marta um pouco de Maria.

 

RELÍQUIA ÍNTIMA

Ilustríssimo, caro e velho amigo,
Saberás que, por um motivo urgente,
Na quinta-feira, nove do corrente,
Preciso muito de falar contigo.

E aproveitando o portador te digo,
Que nessa ocasião terás presente,
A esperada gravura de patente
Em que o Dante regressa do Inimigo.

Manda-me pois dizer pelo bombeiro
Se às três e meia te acharás postado
Junto à porta do Garnier livreiro:

Senão, escolhe outro lugar azado;
Mas dá logo a resposta ao mensageiro,
E continua a crer no teu Machado.

 

A DERRADEIRA INJÚRIA

E ainda, ninfas minhas, não bastava...
CAMÕES, Lusíadas, VII, 81.

I
Vês um féretro posto em solitária igreja?
Esse pó que descansa, e se esconde, e se some,
Traz de um grande ministro o formidável nome,
Que em vivas letras de ouro e lágrimas flameja.

Lá fora uma invasão esquálida braceja,
Como um mar de miséria e luto, que tem fome,
E novas praias busca e novas praias come,
Enquanto a multidão, recuando, peleja.

O gaulês que persegue, o bretão que defende,
Duas mãos de um destino implacável e oculto,
Vão sangrando a nação exausta que se rende;

Dentre os mortos da história um só único vulto
Não ressurge; um Pacheco, um Castro não atende;
E a cobiça recolhe os despojos do insulto.

II
Ora, na solitária igreja em que se há posto
O féretro, se alguém pudesse ouvir, ouvira
Uma voz cavernosa e repassada de ira,
De tristeza e desgosto.

Era uma voz sem rosto,
Um eco sem rumor, uma nota sem lira.
Como que o suspirar do cadáver disposto
A rejeitar o leito eterno em que dormira.

E ninguém, salvo tu, ó pálido, ó suave
Cristo, ninguém, exceto uns três ou quatro santos,
Envolvidos e sós, nos seus sombrios mantos,

Ninguém ouvia em toda aquela escura nave
Dessa voz tão severa, e tão triste, e tão grave,
Murmurados a medo, as cóleras e os prantos.

III
E dizia essa voz: — Eis, Lusitânia, a espada
Que reluz, como o sol, e como o raio, lança
Sobre a atônita Europa a morte ensanguentada.

Venceu tudo; ei-la aí que te fere e te alcança,
Que te rasga e te põe na cabeça prostrada
O terrível sinal das legiões de França.

E, como se o furor, e, como se a ruína
Não bastassem a dar-te a pena grande e inteira,
Vem juntar-se outra dor à tua dor primeira,
E o que a espada começa a tristeza termina.

És o campo funesto e rude em que se afina
Pugna estranha; não tens a glória derradeira,
De devolver farpada e vencida a bandeira,
E ser Xerxes embora, ao pé de Salámina.

IV
No entanto, ao longe, ao longe uma comprida história
De batalhas e descobertas,
Um entrar de contínuo as portas da memória
Escancaradamente abertas,

Enchia esta nação, que aprendera a vitória
Naquela crespa idade antiga,
Quando, em vez do repouso, era a lei da fadiga,
E a glória coroava a glória.

E assim foi, palmo a palmo, e reduto a reduto,
Que um punhado de heróis, que um embrião de povo
Levantara este reino novo;

E livre, independente, esse áspero produto
Da imensa forja pôde, achegando-se às plagas,
Fitar ao longe as longas vagas.

V
Era escasso o torrão; por compensar-lhe a míngua,
Assim foi que dobraste aquele oculto cabo,
Não sabido de Plínio, ignorado de Estrabo,
E que Homero cantou em uma nova língua.

Assim foi que pudeste haver África adusta,
Ásia, e esse futuro e desmedido império,
Que no fecundo chão do recente hemisfério
A semente brotou da tua raça augusta.

Eis, Lusitânia, a obra. Os séculos que a viram
Emergir, com o sol dos mares, e a poliram,
Transmitem-lhe a memória aos séculos futuros.

Hoje a terra de heróis sofre a planta inimiga...
Quem pudera mandar aqueles peitos duros!
Quem soubera empregar aquela força antiga!

VI
E depois de um silêncio: — Um dia, um dia, um dia
Houve em que nesta nobre e antiga monarquia,
Um homem, — paz lhe seja e a quantos lhe consomem
A sagrada memória, — houve um dia em que um homem

Posto ao lado do rei e ao lado do perigo
Viu abater o chão; viu as pedras candentes
Ruírem; viu o mal das coisas e das gentes,
E um povo inteiro nu de pão, de luz e abrigo.

Esse homem, ao fitar uma cidade em ossos,
Terror, dissolução, crime, fome, penúria,
Não se deixou cair co’os últimos destroços.

Opôs a força à força, opôs a pena à injúria,
Restituiu ao povo a perdida hombridade,
E donde era uma ruína ergueu uma cidade.

VII
Esse homem eras tu, ó alma que repousas
Da cobiça, da glória e da ambição do mando,
Eras tu, que um destino, e propício, e nefando,
Ao fastígio elevou dos homens e das coisas.

Eras tu que da sede ingrata de ministro
Fizeste um sólio ao pé do sólio; tu, sinistro
Ao passado, tu novo obreiro, áspero e duro,
Que traçavas no chão a planta do futuro.

Tu querias fazer da história uma só massa
Nas tuas fortes mãos, tenazes como a vida,
A massa obediente e nua.

A luminosa efígie tua
Quiseste dar-lhe, como à brônzea estátua erguida,
Que o século corteja, inda assustado, e passa.

VIII
Contra aquele edifício velho
Da nobreza, — elevado ao lado do edifício
Da monarquia e do evangelho, —
Tu puseste a reforma e puseste o suplício.

Querias destruir o vício
Que a teus olhos roía essa fábrica enorme,
E começaste o duro ofício
Contra o que era caduco, e contra o que era informe.

Não te fez recuar nesse áspero duelo
Nem dos anos a flor, nem dos anos o gelo,
Nem dos olhos das mães as lágrimas sagradas.

Nada; nem o negror austero da batina,
Nem as débeis feições da graça feminina
Pela veneração e pelo amor choradas.

IX
Ah! se por um prodígio especial da sorte,
Pudesses emergir das entranhas da morte,
Cheio daquela antiga e fera gravidade,
Com que salvaste uma cidade;

Quem sabe? Não houvera em tão longa campanha
Ensanguentado o chão do luso a planta estranha,
Nem correra a nação tal dor e tais perigos
Às mãos de amigos e inimigos.

Tu serias o mesmo aspérrimo e impassível
Que viu, sem desmaiar, o conflito terrível
Da natureza escura e da escura alma humana;

Que levantando ao céu a fronte soberana,
— “Eis o homem!” disseste, — e a garra do destino
Indelével te pôs o seu sinal divino”.

X
E, soltado esse lamento
Ao pé do grande moimento,
Calou-se a voz, dolorida
De indignação.

Nenhum outro som de vida
Naquela igreja escondida...
Era uma pausa, um momento
De solidão.

E continuavam fora
A morte, dona e senhora
Da multidão;

E devastava a batalha,
Como o temporal que espalha
Folhas ao chão.

XI
E essa voz era a tua, ó triste e solitário
Espírito! eras tu, forte outrora e vibrante,
Que pousavas agora, — apenas cintilante, —
Sobre o féretro, como a luz de um lampadário.

Era tua essa voz do asilo mortuário,
Essa voz que esquecia o ódio triunfante
Contra o que havia feito a tua mão possante,
E a inveja que te deu o pontual salário.

E contigo falava uma nação inteira,
E gemia com ela a história, não a história
Que bajula ou destrói, que morde ou santifica.

Não; mas a história pura, austera, verdadeira,
Que de uma vida errada a parte que lhe fica
De glória, não esconde às ovações da glória.

XII
E, tendo emudecido essa garganta morta,
O silêncio voltara àquela nave escura,
Quando subitamente abre-se a velha porta,
E penetra na igreja uma estranha figura.

Depois outra, e mais outra, e mais três, e mais quatro.
E todas, estendendo os braços, vão abrindo
As trevas, costeando os muros, e seguindo
Como a conspiração nas tábuas de um teatro.

E param juntamente em derredor do leito
Último em que descansa esse único despojo
De uma vida, que foi uma longa batalha.

E enquanto um fere a luz que as tênebras espalha,
Outro, com gesto firme e firmíssimo arrojo,
Toma nas cruas mãos aquele rei desfeito.

XIII
Então... O homem que viu arrancarem-lhe aos braços
Poder, glória, ambição, tudo o que amado havia;
Esse que foi o sol de um século, que um dia,
Um só dia bastou para fazer pedaços;

Que, se aos ombros atara uma púrpura nova,
Viu, farrapo a farrapo, arrancarem-lha aos ombros;
Que padecera em vida os últimos assombros,
Tinha ainda na morte uma última prova.

Era a brutal rapina, anônima, noturna,
Era a mão casual, que espedaçava a urna
A troco de um galão, a troco de uma espada;

Que, depois de tomar-lhe esses sinais funestos
Da sombra de um poder, pegou dos tristes restos,
Ossos só, e espalhou pela nave sagrada.

XIV
Assim pois, nada falta à glória deste mundo,
Nem a perseguição repleta de ódio e sanha,
Nem a fértil inveja, a lívida campanha,
De tudo o que radia e tudo que é profundo.

Nada falta ao poder, quando o poder acaba;
Nada; nem a calúnia, o escárnio, a injúria, a intriga,
E, por triste coroa à merencória liga,
A ingratidão que esquece e a ingratidão que baba.

Faltava a violação do último sono eterno,
Não para saciar um ódio insaciável,
Insaciável como os círculos do inferno.

E deram-ta; eis-te aí, ó grande invulnerável,
Eis-te ossada sem nome, esparsa e miserável,
Sobre um pouco de chão do ninho teu paterno.

 

REFUS
(A Jaime de Séguier)

Non, je ne paye pas, car il est incomplet
Cet ouvrage. On y voit, certes, la belle touche
Que ton léger pinceau met à tout ce qu'il touche;
Et, pour un beau sonnet, c'est un fort beau sonnet.

Ce sont-là mes cheveux, c'est bient-là le reflet
De mes yeux noirs. Je ris devant ma propre bouche.
Je reconnais cet air tendre ainsi que farouche
Qui fait toute ma force et tout mon doux secret.

Mais, cher peintre du ciel, il manque à ton ouvrage
De ne pas être dix, tous également doux,
Vibrant d'âme, et parfaits d'art profond, riche et sage.

Adieu, donc, le contrat! Je le tiens pour dissous,
Car, pour de beaux portraits, pleins de charme et de vie,
Pour un baiser, je veux toute une galerie.

 

ENTRA CANTANDO, ENTRA CANTANDO, APOLO!

Entra cantando, entra cantando, Apolo!
Entra sem cerimônia, a casa é tua;
Solta versos ao sol, solta-os à lua,
Toca a lira divina, alteia o colo.

Não te embarace esta cabeça nua;
Se não possui as primitivas heras,
Vibra-lhe ainda a intensa vida sua,
E há outonos que valem primaveras.

Aqui verás alegre a casa e a gente,
Os adorados filhos, — terno e brando
Consolo ao coração que os ama e sente.

E ouvirás inda o eco reboando
Do canto dele, que terás presente.
Entra cantando, Apolo, entra cantando.

 

A GUIOMAR

Ri, Guiomar, anda, ri. Quando ressoa
Tua alegre risada cristalina,
Ouço a alma da moça e da menina,
Ambas na mesma lépida pessoa.

E então reparo, como o tempo voa,
Como a rosa nascente e pequenina
Cresceu, e a graça fresca apura e afina...
Ri, Guiomar, anda, ri, mimosa e boa.

A bela cor, o aroma delicado,
Por muitos anos crescerão ainda,
Ao vivo olhar do noivo teu amado.

Para ti, cara flor, a vida é infinda,
O tempo amigo, longo e repousado.
Ri, Guiomar, anda, ri, discreta e linda.

 

PRÓLOGO DO INTERMEZZO
(H. Heine)

Um cavalheiro havia, taciturno,
Que o rosto magro e macilento tinha.
Vagava como quem de algum noturno
Sonho levado, trépido caminha.
Tão alheio, tão frio, tão soturno,
Que a moça em flor e a lépida florinha,
Quando passar tropegamente o viam,
Às escondidas dele escarneciam.

A miúdo buscava a mais sombria
Parte da casa, por fugir à gente;
Daquele posto os braços estendia
Tomado de desejo impaciente.
Uma palavra só não proferia.
Mas, pela meia-noite, de repente,
Estranho canto e música escutava,
E logo alguém que à porta lhe tocava.

Furtivamente então entrava a amada
O vestido de espumas arrastando,
Tão vivamente fresca e tão corada
Como a rosa que vem desabrochando;
Brilha o véu; pela esbelta e delicada
Figura as tranças soltas vão brincando;
Os meigos olhos dela os dele fitam,
E um ao outro de ardor se precipitam.

Com a força que amor somente gera,
O peito a cinge, agora afogueado;
O descorado as cores recupera,
E o retraído acaba namorado,
O sonhador desfaz-se da quimera...
Ela o excita, com gesto calculado;
Na cabeça lhe lança levemente
O adamantino véu alvo e luzente.

Ei-lo se vê em sala cristalina
De aquático palácio. Com espanto
Olha, e de olhar a fábrica divina
Quase os olhos lhe cegam. Entretanto,
Junto ao úmido seio a bela ondina
O aperta tanto, tanto, tanto, tanto...
Vão as bodas seguir-se. As notas belas
Vêm tirando das cítaras donzelas.

As notas vêm tirando, e deleitosas
Cantam, e cada uma a dança tece
Erguendo ao ar as plantas graciosas.
Ele, que todo e todo se embevece,
Deixa-se ir nessas horas amorosas...
Mas o clarão de súbito fenece,
E o noivo torna à pálida tristura
Da antiga, solitária alcova escura.
 


A CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.

 

SONETO
(No Álbum da Rainha D. Amélia)

Senhora, se algum dia aqui vierdes,
A estas terras novas e alongadas,
Encontrareis as vozes que perderdes
De outras gentes por vós há muito amadas.

E as saudades que então cá padecerdes,
Das terras vossas, velhas e deixadas,
Nestas cidades, nestes campos verdes,
Serão do mesmo nome acalentadas.

Mas nem só isto. Um só falar não basta.
A história o deu, um só falar dileto,
Da mesma compostura, antiga e casta.

Achareis mais outro falar discreto,
Sem palavras, que a vossa glória arrasta,
A mesma admiração e o mesmo afeto.

 

A FRANCISCA

Nunca faltaram aos poetas (quando
Poetas são de veia e de arte pura),
Para cantar a doce formosura,
Rima canora, verso meigo e brando.

Mas eu triste poeta miserando,
Só tenho áspero verso e rima dura;
Em vão minh'alma sôfrega procura
Aqueles sons que outrora achava em bando.

Assim, gentil Francisca delicada,
Não achando uma rima em que te veja
Harmoniosamente bem rimada,

Recorrerei à Santa Madre Igreja
Que rime o nome de Francisca amada
Com o nome de Heitor, que amado seja.

 

À ILMA. SRA. D. P. J. A

Quem pode em um momento descrever
Tantas virtudes de que sois dotada
Que fazem dos viventes ser amada
Que mesmo em vida faz de amor morrer!

O gênio que vos faz enobrecer,
Virtude e graça de que sois c'roada
Vos fazem do esposo ser amada
(Quanto é doce no mundo tal viver!)

A natureza nessa obra primorosa,
Obra que dentre todas as mais brilha,
Ostenta-se brilhante e majestosa!

Vós sois de vossa mãe a cara filha,
Do esposo feliz, a grata esposa,
Todos os dotes tens, ó Petronilha.

 

A SAUDADE
(Ao meu primo o Sr. Henrique José Moreira)

Meiga saudade! — Amargos pensamentos
A mente assaltam de valor exausta,
Ao ver as roxas folhas delicadas
Que singelas te adornam.

Mimosa flor do campo, eu te saúdo;
Quanto és bela sem seres perfumada!
Que te inveja o jasmim, a rosa e o lírio
Com todo o seu perfume?

Repousa linda flor, num peito f'rido,
A quem crava sem dó a dor funesta,
O horrível punhal, que fere e rasga
Um débil coração.

Repousa, linda flor, vem, suaviza
A frágua que devora um peito ansioso,
Um peito que tem vida, mas que vive
Envolto na tristeza!...

Mas não... deixo-te aí causando inveja;
Não partilhes a dor que me consome,
Goza a ventura plácida e tranquila,
Mimosa flor do campo.

 

JÚLIA

Teu rosto meigo e singelo
Tem do céu terno bafejo.

Tu és a rosa do prado
Desabrochando ao albor
Abrindo o purpúreo seio,
Abrindo os cofres de amor.

Tu és a formosa lua
Percorrendo o azul dos céus,
Retratando sobre a linfa.
Os seus alvacentos véus.

Tu és a aurora formosa
Quando d’além vem surgindo;
E que se ostenta garbosa
Áureas flores espargindo.

Tu és perfumada brisa
Sobre o prado derramada
Que goza os doces sorrisos
Da formosa madrugada.

Tua candura e beleza
Tem de amor doce expressão
És um anjo, minha Júlia,
Donde nasce a inspiração.

Quando a terra despe as galas
E os mantos da noite veste,
Vejo brilhar tua imagem
Lá na abóbada celeste.

Nela vejo as tuas graças,
Nela vejo um teu sorriso
Nela vejo um volver d'olhos
Nascido do paraíso.

És ó Júlia, meiga virgem
Que temente ora ao Senhor;
São teus olhos duas setas.
O teu todo é puro amor.

 

MEU ANJO

Um anjo desejei ter a meu lado...
E o anjo que sonhei achei-o em ti!...
C. A. DE SÁ.

És um anjo d’amor — um livro d’ouro,
Onde leio o meu fado
És estrela brilhante do horizonte
Do Bardo enamorado
Foste tu que me deste a doce lira
Onde amores descanto
Foste tu que inspiraste ao pobre vate
D’amor festivo canto;
É sempre nos teus cantos sonorosos
Que eu bebo inspiração;
Risos, gostos, delícias e venturas
Me dá teu coração.
teu nome que trago na lembrança
Quando estou solitário,
Teu nome a oração que o peito reza
D'amor um santuário!
E tu que és minha estrela, tu que brilhas
Com mágico esplendor,
Escuta os meigos cantos de minh’alma
Meu anjo, meu amor.

Quando sozinho, na floresta amena
Tristes sonhos modulava,
Não em lira d'amor — na rude frauta
Que a vida me afagava,
Tive um sonho d'amor; sonhei que um anjo
Estava ao lado meu,
Que com ternos afagos, com mil beijos
Me transportava ao céu.
Esse anjo d'amor descido acaso
De lá do paraíso,
Tinha nos lábios divinais, purpúreos
amoroso sorriso;
Era um sorriso que infundia n'alma
O mais ardente amor;
Era o reflexo do formoso brilho
Da fronte do Senhor.
É anjo sonhado, cara amiga,
A quem consagro a lira,
És tu por quem minh'alma sempre triste
amorosa suspira!

Quando contigo, caro bem, d'aurora
O nascimento vejo
Em um berço florido, e de ventura
Gozarmos terno ensejo;
Quando entre mantos d'azuladas cores
A meiga lua nasce
E num lago de prata refletindo
Contempla a sua face;
Quando num campo verdejante e ameno
Dum aspecto risonho
Ao lado teu passeio; eu me recordo
Do meu tão belo sonho
E lembra-me esse dia venturoso
Em que a vida prezei
Que vi teus meigos lábios me sorrirem,
Que logo te adorei!

Nesse dia sorriu a natureza
Com mágico esplendor
Parecia augurar ditoso termo
Ao nosso puro amor.
E te juro, anjo meu, ditosa amiga,
Por tudo que há sagrado,
Que esse dia trarei junto ao teu nome
No meu peito gravado.
E tu que és minha estrela, tu que brilhas
Com mágico esplendor,
Escuta os meigos cantos de minh'alma,
Meu anjo, meu amor!

 

UM SORRISO

Em seus lábios um sorriso
É a luz do paraíso.
GARRET

Não sabes, virgem mimosa,
Quanto sinto dentro d'alma
Quando sorris tão formosa
Sorriso que traz-me a calma:
Brando sorriso d'amores
Que se desliza entre as flores
De teus lábios tão formosos;
Doce sorriso que afaga
Do peito a profunda chaga
De tormentos dolorosos.

Quando o diviso amoroso
Por sobre as rosas vivaces
Torno-me louco, ansioso,
Desejo beijar-te as faces;

Corro a ti... porém tu coras
Logo súbito descoras
Arrependida talvez...
Na meiga face t'imprimo
Doce beijo, doce mimo
Da paixão que tu bem vês

Eu gosto, meiga donzela,
De ver-te sorrindo assim
Semelhas divina estrela
Que brilhas só para mim:
És como uma linda rosa
Desabrochando mimosa
Ao respiro da manhã:
És como serena brisa
Que no vale se desliza,
Seu mais terno e doce afã.

O brando favônio ameno;
Da fonte o gemer sentido,
Da lua o brilho sereno
Sobre um lago refletido
Não tem mais doces encantos
Que, sobre os puníceos mantos
Dos lábios teus um sorriso.

Sorriso que amor me fala
Como d'alva o encanto, a gala
Quando serena a diviso.

Sorri, sorri, que teu sorriso brando
Minhas penas acalma;
É como a doce esp'rança realizada
Que as ânsias desvanece!

E se queres em troca dum sorriso
Uma prova de amor
Vem para perto de mim m' escuta ao peito
Na face um beijo toma...

 

PARÓDIA

Se eu fora poeta de um estro abrasado
Quisera teu lindo semblante cantar;
Gemer eu quisera bem junto a teu lado,
Se eu fora uma onda serena do mar;

Se eu fora uma rosa de prado relvoso,
Quisera essa coma, meu anjo, adornar;
Se eu fora um anjinho de rosto formoso
Contigo quisera no espaço voar;

Se eu fora um astro no céu engastado
Meu brilho, quisera p’ra ti só brilhar;
Se eu fora um favônio de aromas pejado
Por sobre teu corpo me iria espraiar;

Se eu fora das selvas um’ave ligeira
Meus cantos quisera p’ra ti só trinar;
Se eu fora um eco de nota fagueira
Fizera teu canto no céu ressoar;

Mas eu não sou astro, poeta, ou anjinho,
Nem eco, favônio, nem onda do mar;
Nem rosa do prado, ou ave ligeira;
Sou triste que a vida consiste em te amar.

 

A SAUDADE

Saudade! ó casta virgem,
Qu'inspiraste a Bernardim,
Nos meus dias de tristeza
Consolar tu vens a mim.
E G. BRAGA

Saudade! d’alma ausente, o acerbo impulso,
Mágico, doce sentimento d’alma
Místico enleio que nos cerra doce
O espírito cansado!... Oh! saudade,
Para que vens pousar-te envolta sempre
Em tuas vestes roxeadas tristes,
Nas débeis cordas de minh’harpa débil?!...
Doce chama me ateias dentro d’alma.
Meiga esperança que me nutre em sonhos
De cândida ventura!... Ó saudade,
D'alma esquecida o despertar pungente;
Doce virgem do Olimpo rutilante,
Que co'a taça na destra à terra baixas
E o agro, doce líquido entornando
Em coração aflito, meiga esparges
Indizível encanto, que deleita,
Melancólicas horas num letargo
D'espírito cansado, d’alma aflita,
Que plácida flutua extasiada,
Na etérea região, morada excelsa
Do sidéreo esplendor que a mente inflama;
Tu que estreitas minh’alma em doce amplexo
Preside ao canto meu, ao pranto, às dores.

Quando a noite vaporosa,
Silenciosa,
Cinge a terra em manto denso;
Quando a meiga, a clara Hebe.
Cor de neve
Branda corre o espaço imenso.
Quando a brisa suspirando,
Sussurrando,
Move as folhas do arvoredo,
Qual eco d’um som tristonho
Que num sonho
Revela ao Vate um segredo.

Quando, enfim, se envolve o mundo
Num profundo
Silêncio que ao Vate inspira,
Vens a meu lado sentar-te,
Vens pousar-te.
Nas cordas de minha lira.

E me cinges num abraço
Doce laço
Que se aperta mais, e mais;
E depois entre os carinhos,
Teus espinhos
Em minh'alma repassais!

Entre a melancolia
De poesia
Me dais santa inspiração
Da alma solto uma endeixa,
Triste queixa,
Triste queixa, mas em vão.

Na morada estelífera vagueia
Minh’alma em teus carinhos absorta.
D'aéreo berço, sobre ameno encosto
Adormece de amor, junto a teu lado,
E geme melancólica... e suspira,
‘Té que desponte da ventura a aurora!

 

NO ÁLBUM DO SR. F. G. BRAGA

Pago ao gênio um tributo merecido
Que a gratidão me inspira;
Fraco tributo, mas nascido d'alma.
MAG. SAUDADES

Qual descantou na lira sonorosa
O terno Bernardim com voz suave;
Qual em tom jovial cantou Elmano
Brandas queixas de amor, tristes saudades
Que em seus cantares mitigou; oh! Vate,
Assim da lira tu, ferindo as cordas,
Cantas amores que em teu peito nutres,
Choras saudades que tu'alma sente;
Ou ergues duradouro monumento
À cara pátria que distante choras.

Do Garrett divino — o Vate excelso
Renasce o brilho inspirador das trovas,
Das mimosas canções que o mundo espantam
Nesse canto imortal sagrado aos manes
Do famoso Camões, cantor da Lísia
São carmes que te inspira o amor da Pátria.
Nele relatas em divinos versos
O exímio Trovador, a inteira vida
Já no campo de Marte; já no cume
Do Parnaso bradando aos povos todos
Os feitos imortais da lusa gente!
Nessa epopeia, monumento excelso
Que em memória do Vate à pátria ergueste,
Ardente se desliza a etérea chama,
Que de Homero imortal aos sucessores
Na mente ateia o céu com forte sopro!

Euterpe, a branda Euterpe nos teus lábios
Da taça d’ouro, derramando o néctar
Deu-te a doce com que outrora
Extasiou Virgílio ao mundo inteiro!
"Empunha a lira d'ouro, e canta altivo
Um Tasso em ti se veja — o estro excelso
De Camões imortal, te assoma à mente;
E de verde laurel cingida a fronte
Faz teu nome soar na voz da fama!"
Foram estas frases com que Apolo
Poeta te fadou quando nasceste,
E em doce gesto te imprimiu na fronte
Um astro de fulgor, que sempre brilha!

Ah! que não possam estes pobres versos,
Que n’áureas folhas de teu belo livro
Trêmulo de prazer co’a destra lanço,
Provar-te o assombro, que ao ouvir te sinto!
Embora!.., entre os arquejos de minh’alma
Do opresso coração entre os suspiros
As brandas vibrações da pobre lira
Vão em tua alma repetir sinceros
Votos dest’alma que te prove o assombro
Que sinto ao escutar-te as notas d'harpa!

 

A UMA MENINA

La esencia de las flores
Tu dulce aliento sea.
QUINTANA

Desabrochas ainda; tu és bela
Como a flor do jardim;
És doce, és inocente, como é doce
Divino Querubim.

Nas gotas da pureza inda se anima
A tu'alma infantil;
Não te nutre inda o peito da malícia
Mortífero reptil.

Quando sorris trasbordam de teus lábios
As gotas d’inocência;
No teu sorriso se traduz o encanto
Da tua pura essência.

És anjo, e são os anjos que confortam
Os tormentos da vida;
Vive, e não haja em teu semblante a prova
De lágrima vertida!

 

O GÊNIO ADORMECIDO
(Ao Ilmo. Sr. Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa)

Do Grego Vate expande-se a harmonia
Em teus sonoros carmes! Na harpa d'ouro
Do sacro Apollo, Trovador, dedilhas
Doces cantos que o espírito arrebata
Ao recinto celeste!

Em cit’ra de marfim, com fios d’ouro
Cantaste infante, para que mais tarde
A fama ativa as tubas embocando
Com voz imensa proclamasse aos mundos
Um gênio americano!

E tu dormes, Poeta?! Da palmeira
No verde tronco penduraste a lira.
Após nela entoar linda epopeia,
Que mau condão funesto à nossa pátria
Faz soporoso o Vate!

Vatel Vate!... Que morre harmonioso!
Semelha um som ao respirar das brisas
Nas doces cordas do alaúde d'ouro
Pendurado no ramo da palmeira,
Que sombreia o regato!

Desperta, ó Vate, e libertando o estro
Desprende a voz, e os cânticos divinos;
Deixa entornar-se em teus ungidos lábios
Como a ribeira deslizando o corpo
Cercado de boninas.

Sim, ó Vate, o teu canto é tão sonoro
Como os sons da Seráfica harmonia
Dos sonorosos cantos sublimados
Do doce Lamartine — o Bardo excelso.
Da França o belo Gênio!

Toma a lira de novo, e um canto vibra,
E depois ouvirás a nossa terra
Orgulhosa dizer: — Grécia, emudece
Dos vates berço, abrilhantado surge
O Gênio adormecido!

 

O PROFETA
(FRAGMENTO)

...ungido crente,
Alma de fogo, na mundana argila.
M. A. A. AZEVEDO

Do sacro templo, sobre as negras ruínas
lá medita o profeta
Com fatídica voz, dizendo aos povos
Os decretos de um Deus;
Ao rápido luzir do raio imenso
Traçando as predições.
Dos soltos furacões, libertas asas
Adejam sobre a terra:
Do sacro templo em denegridos muros
Horríssono gemendo
Lá fende o seio de pesadas nuvens
O fulminoso raio
Sinistro brilho, que o terror infunde.
Que negro e horrível quadro!
Propínquo esboço da infernal morada!...
..........................................................
E o profeta ergue a fronte, a fronte altiva
Cheio de inspiração, de vida cheio;
Revolvem-se na mente escandescida
Inspiradas ideias que Deus cria
Nesse cofre que encerra arcanos sacros;
Revolvem-se as ideias, pensamentos
Que num lampejo abrangem as idades
Rápidas aglomeradas
Nesse abismo que os séculos encerra!
Profeta, em que meditas,
espírito de Deus que te revela?
Um novo cataclismo
Que a terra inunde e a humanidade espante?
De guerras sanguinosas longa série?
A desgraça talvez dum povo inteiro?
Enviado de Deus, conta-me os sonhos
Que te revelam do futuro as sortes
Quando absorto em sacros pensamentos
A fronte reclinando tu dormitas
Essas visões que à hora do silêncio
Quando reina o pavor, e as trevas reinam
Os céus ensaiam qu’o porvir revelam:
E quando é bela a noite, quando brilha
A prateada lua
Lâmpada argêntea, que alumia as trevas
Quando fulguram meigos
Formosos, belos astros, que semelham
Longa série de luzes
Que a lousa aclaram do sepulcro imenso:
O que te inspira o céu?
......................................................
Já sossega a tormenta; — refreados
jazem mudos os ventos; só a brisa
Plácida expele as condensadas nuvens;
Envolta em negro véu lá brilha acaso
Medrosa estrela que sorri medrosa:
‘Stá muda a atmosfera! Lá se ergue
De súbito o profeta, (sacra gota
Na mente lhe verteu do Eterno a destra),
Do Supremo Arquiteto o mando grava
No extenso muro do arruinado templo!...

 

O PÃO D'AÇÚCAR

Salve, altivo gigante, mais forte
Que do tempo o cruel bafejar,
Que avançado campeias nos mares,
Seus rugidos calado a escutar.

Quando Febo ao nascente aparece
Revestido de gala e de luz,
Com seus raios te inunda, te beija,
Em tua fronte brilhante reluz.

Sempre quedo, com a fronte inclinada,
Acoberto dum véu denegrido;
Tu pareces gigante que dorme
Sobre as águas do mar esquecido.

És um rei, sobranceiro ao oceano,
Parda névoa te cobre essa fronte,
Quando as nuvens baixando em ti pairam
Matizadas do sol no horizonte.

Fez-te o Eterno surgir d’entre os mares
C’uma frase somente, c’um grito
Pôs-te à fronte gentil majestade,
Negra fronte de duro granito.

Ruge o mar, a procela te açoita,
Feros ventos te açoitam rugindo;
O trovão lá rebrama furioso,
E impassível tu ficas sorrindo.

E da foice do tempo se solta
Sopro fero de breve eversão,
Quer feroz te roubar para sempre;
Tu sorris, qual sorris ao trovão.

Salve, altivo gigante, mais forte
Que do tempo o cruel bafejar,
Que avançado campeias nos mares,
Seus rugidos calado a escutar.

 

SONETO A SUA MAJESTADE O IMPERADOR, 
O SENHOR D. PEDRO II

Nesse trono Senhor, que foi erguido
Por um povo já livre, e sustentado
Por ti, que alimentando as leis, o estado
Hás na História teu Nome engrandecido!

Nesse trono, Senhor, onde esculpido
Tem à destra do Eterno um nome amado,
Vês nascer este dia abrilhantado
Sorrindo a ti, Monarca esclarecido.

Eu te saúdo neste dia imenso!
Da Clemência, Justiça e sã Verdade,
Queimando às piras perfumoso incenso.

Elevado aos umbrais da imensidade
Terás fama, respeito e amor intenso.
Um Nome transmitindo à Eternidade!

Rio, 2 de dezembro de 1855.
Pelo seu reverente súdito
J. M. M. d'Assis.


 

À MADAME ARSÈNE CHARTON DEMEUR

Heroína da cena, que entre as flores
Que a senda esmaltam da carreira d’arte
Em que orgulhosa pisas, ostentando
A fronte além das sombras que forcejam
Debalde por calcar teu nome e glória,
Colhes coroas mil com que te adornas
Benévola me escuta. Eu sou bem fraco,
Mas poeta me creio, se o teu nome
Na lira acordo que meu peito exalta.
Que val o templo, se lhe falta o nume?
Não nos fujas daqui, Charton divina!
Deserto fica o majestoso alcáçar
Que Verdi exalta com florões de glória!
Deserta a cena onde pisaste, ornando
A fronte altiva de lauréis, de flores,
Em face a um povo que aplaudindo o gênio
Com palmas estrondosas, te há mostrado
Quanto estima o talento, quanto te ama!
Deserto o nosso espírito de gozos,
Suaves sensações que o ser enleva;
Da tua bela voz ermo de influxos,
Repercutindo apenas dentro d'alma
Os ecos do teu canto sonoroso,
A cada som pungindo uma saudade!
Oh sol que o céu das artes iluminas,
É cedo o ocaso teu na nossa terra!
Um dia mais, um dia mais de enlevos:
Fica, Charton — contigo a luz gozamos;
Sem ti — sombria treva a cena envolve!

Anjo de Melodias, quem soubera
Imitar de teu peito — harpa celeste –
O meigo som, para louvar num hino,
'Teu canto que tu mesma hás já louvado!
Quem me dera, Charton, sentir na mente
De Alfredo de Musset o gênio em chamas
De imenso ardor, para com voz altiva
Levantar-te um padrão, mais duradouro
Que o mármor ou que o bronze, que lembrasse
Junto do nome teu meu nome obscuro!
Mas não posso obter do austero fado
Glória maior que admirar-te o gênio
Num pobre canto, que o teu canto inspira!
Musa gentil dos versos que ora teço,
Quando longe de nós, lá noutro palco,
Traduzindo as de Verdi obras sublimes,
Outros mortais que anelam ver teu rosto
E ouvir teu canto cheio de harmonias,
Com meiga e doce voz extasiares,
Recorda o canto meu, — recorda o vate
Que mais que todos te admira o canto,
Talento e garbo que ostentas na cena!
............................................................
Não mais minh’arpa! — Inda uma vez te peço,
Não nos fujas daqui, Charton divina!
Inda uma vez de teu talento o brilho
Esparge sobre nós, que eu te asseguro
Não nos falece o santo entusiasmo
Com que já te acolhemos!
Grande eterno,
Refulge o nume no altar da glória.
Grande é Stoltz, mas Stoltzs há muitas;
Charton só uma, que no mundo impera!

 

O MEU VIVER

Chama-se a vida a um martírio certo
Em que a alma vive se morrer não pode,
É crer que há vida p'ra o arbusto seco,
Que as folhas todas para o chão sacode.

Dizer que eu vivo... e minha mãe perdi,
Minha alma geme e o coração de amores,
É crer que um filho, sem a mãe... sozinho,
Também existe, com pungentes dores.

Dizer que vivo, se ausente existo
Da amante terna, tão formosa e pura,
E crer que triste desgraçado preso
Vive também lá na masmorra escura.

Quero despir-me desta vida má,
Quero ir viver com minha mãe nos céus,
Quero ir cantar os meus amores todos,
Quero depois em ti pensar, meu Deus!

 

DORMIR NO CAMPO

Ao terno suspirar do arroio brando,
Quanto é belo o repouso em campo ameno!
Em noite de verão, que a brisa geme,
Em noite em que o luar brilha sereno!

Acorda-se alta noite: no silêncio
Envolta jaz a terra adormecida;
Verseja-se um minuto, à noite, à lua,
E torna-se a dormir... Que bela vida!

Se se ouve o piar d’ave noturna
Solta-se a ela mesma um doce canto,
Lança-se extremo olhar da lua ao brilho
Estorna-se a dormir sob seu manto.

Não há vida melhor por certo; eu juro
Não a trocar por outra ainda que bela;
Não há nada no mundo mais sublime
Que um homem contemplar a sua estrela.

É belo o despertar, abre-se os olhos
Suavemente as pálpebras se erguendo
Dir-se-ia a serena e branda aurora.
Que vai rubra madeixa desprendendo.

Senta-se abrindo os olhos, bocejando.
Lançando à banda a destra agarra a lira,
Preludia-se um canto, um canto d’alma
E o terno coração terno suspira.

Erguendo-se sacode a véstia, as calças,
Compõe-se o vestuário com asseio,
E cuidadoso segurando a lira,
Vai-se dar pelo campo almo passeio.

Procura-se depois uma serrana
E se tece uma endecha após um beijo
(Que é de beijos que o vale se sustenta)
Embora à face ardente assome o pejo.

Não há vida melhor, por certo, eu juro
Não a troco por outra, ainda que bela;
Não há nada no mundo mais sublime
Que amar-se alguma rústica donzela!

 

CONSUMMATUM EST!

Povos, curvai-vos
A redenção do mundo consumou-se.
JOÃO DE LEMOS

I
Na treva sombria de sacra tristeza,
Gemendo se envolvem a terra e os céus,
E a alma do crente num cântico acesa,
Revolve na ideia, suplício de um Deus.

Recorda a cidade que outrora folgando
Sorria descrente de um Deus à paixão,
E hoje proscrita lá dorme escutando
Do Eterno a palavra que diz: “Maldição!”

De Cristo os martírios, a dor tão intensa
De santa humildade, são provas fiéis,
E as gotas de sangue, as bases da crença,
Da crença que fala nos povos, nos reis!

Entremos no Templo, e um cântico d’alma
Em ondas de incenso mandemos aos céus,
E ao mestre divino, de mártir com a palma,
Curvados oremos num cântico a Deus!

II
Senhor! entre apupadas dos algozes
Foste levado ao cimo do Calvário
Para a morte sofrer!
De Deus ouviste as tão sagradas vozes,
Cheio de sangue envolto em um sudário
Tu quiseste morrer!

Quiseste, porque assim se revogava
Da pena eterna a tão fatal sentença
Que o pecado traçou!
E o sangue que teu corpo derramava
Era alto preço e animava a crença,
Que o pecado abismou!

E caminhaste ao Gólgota, levando
A cruz onde por nós foste cravado:
Cruenta imolação!
O sangue teu em jorros borbotando,
E teu corpo de açoites tão chagado,
Sem dó, sem compaixão!

Oh! Cristo! e tu sofreste tais injúrias!
Foste arrastado ao cimo do Calvário,
Morto a plebe te quis!
Não quiseste embargar o ardor das fúrias;
Tu, cuja voz a Lúcifer tartáreo
Curva a negra cerviz!

“Perdoai-lhes, Senhor!” disseste, quando
Quase a expirar os olhos levantaste
Ao céu anuviado,
E já da morte gélido arquejando,
Com fraca e triste voz pronunciaste:
"Tudo está consumado!"

E o mundo remiu-se! De Deus à morada,
Gozando outra vida, se eleva Jesus!...
Cristãos! penetremos a casa sagrada,
E a Cristo adoremos em torno da cruz!

 

SAUDADES

Chora meu coração, minh’alma geme
De saudades de ti, minha querida;
Já não posso no mundo ter prazer,
Já meu coração não tem mais vida.

Tenho de ti saudade, só lastimo
Ter cedo minha mãe perdido a vida;
Choro tanto por ela... por ti sofro
Minha vida, mulher, é tão sentida!

Tenho de ti saudades, da tua imagem;
Qual o exilado só, em terra estranha,
Eu cedo morrerei, pressinto n’alma;
Não se pode viver com dor tamanha.

Parece que no céu bem negra nuvem
já marcou meu destino pelo mundo!
Tenho de ti saudades, ó meu anjo.
No meu peito o pesar é tão profundo!

Se perdi minha mãe sendo tão moço,
Se padeço de ti tanta saudade,
Não posso existir no mundo triste;
Ë melhor eu morrer nesta idade!

 

LÁGRIMAS
(À memória de minha mãe)

Há uma dor que não se apaga d’alma,
Lágrima triste que pendente existe
Da face do infeliz:
É gemido que mata e não se acalma,
Que torce o coração, e se persiste,
A existência maldiz.

Essa dor eu senti quando vi morta
Minha terna mãe... perdão, meu Deus.
Se quero já morrer;
Esta vida de dor perder que importa?
Quero com minha mãe morar nos céus,
Com os anjos viver.

Eu perdi minha mãe... era uma santa,
Que tinha a minha vida neste mundo,
Minh’alma e meu amor!
E foi o meu pesar, minha ânsia tanta,
Que a vida quis deixar num ai profundo,
Morrer também de dor.

Só lágrimas de sangue eu sinto agora
Afogaram-me os olhos, e o martírio
Emurcheceu-me a vida;
Eu tenho pouca idade, mas embora,
Sente apagar-se da existência o círio
Minh’alma amortecida.

Maldigo minha vida, por seu filho
A minha pobre mãe chama nos céus
Quando eu rezo por ela;
Choro vendo que só no mundo trilho;
Quero com minha mãe viver, meu Deus,
No céu, bem junto dela!

 

NÃO?

Vi-te: em teu rosto voluptuoso e belo
O anjo formoso dos amores vi!
Amor ardente num olhar, num elo
Destes teus olhos divinais senti!

Vi-te: e prendeu o teu esbelto talhe
O mimo, a graça do teu corpo em flor.
E esses teus lábios como a flor de um baile
Que às auras murcham de festivo amor.

Vi-te: e eras minha ao meu olhar magnético
E te prendias a fugir de mim!
Fronte de lírios de um candor angélico
Em um perfume me darás um — sim!

Um sim de envolta àquele olhar ardente
Luz de teus olhos, divinal fulgor.
Um sim de envolta àquele rir demente
Reflexo d’alma a delirar de amor!

Um sim! E ao som do teu falar suave
À minha voz extinguirei o som
Onde gorjeia uma garganta de ave;
Que vale ao homem da palavra o dom?

Íntima frase que só nasce d’alma
Terei nos olhos p’ra dizer-t'o então
E em troca dela p’ra colher a palma
Do teu amor, anjo terrestre... não?

 

RESIGNAÇÃO

Adeus! é o meu suspiro derradeiro!
É a última ilusão que me embebia!
Apagou-se-me o sol das esperanças
E veio a noite sepulcral sombria...

Adeus..., perdoa a um doido apaixonado
Uma hora de ilusão e de delírio:
Era fatalidade. Após um sonho
Veio a c’roa da dor e do martírio!

Se ao hálito fatal da desventura
Emurcheceu a flor dos meus afetos,
Se não pousaste em minha fronte ardente
Amorosa uma vez teus olhos pretos;

Não te crimino, não; teu culto é livre.
Viver nas ilusões é minha sina:
Não fui fadado p’ra banhar meus lábios
Nos raios dessa fronte peregrina!

 

AMANHÃ

Amanhã quando a lâmpada da vida
Na minha fronte se apagar, tremendo,
Ao sopro do tufão,
Oh! derrama uma lágrima sincera
Sobre o meu peito macilento e triste,
E reza uma oração!

Será uma saudade verdadeira,
Uma flor que me arome a sepultura,
Um raio sobre o gelo...
Ouvirei a canção das tuas dores,
E levarei saudades bem sombrias
Deste meu pesadelo.

Lembrarei além-túmulo essas noites
Misteriosas festivais e belas
Da estação dos amores!
Noites formosas, para amor criadas;
Que coroavam nosso amor tão puro
De ventura e de flores!

Lembrarei nosso amor... E o teu pranto
Ardente como a luz de um sol do estio
Irá banhar-me a campa
E as lágrimas leais que derramares,
O astro beijará — que pelas noites
No oceano se estampa!

Um olhar, um olhar desses teus olhos!
Eu o peço, mulher! sobre o meu túmulo
Um olhar de afeição!
Assim o sol — o ardente rei do espaço
Deixa um raio cair nas folhas secas
Que matizam o chão!

Um olhar, uma lágrima, uma prece,
É quanto basta em única lembrança.
Teresa, ao teu cantor.
Chora, reza, e contempla-me o sepulcro
E na outra vida de um viver mais puro
Terás o mesmo amor,

 

A***

Viens, je suis dans la nuit, mais je puis voir le jour!
VICTOR HUGO

Oh! se eu pudesse respirar num beijo
O teu hálito ardente e vaporoso.
E na febre do amor e do delírio
Sobre o teu seio estremecer de gozo!
Oh! se eu pudesse nessa fronte bela
A coroa depor dos meus amores,
E embevecer-me como em sonho aéreo
De teus olhos nos mágicos fulgores.
Ai! respirara então ainda uma vida.
Oh pálida visão!
Nessa flor que os sentidos embriaga
E aroma o coração!

Vem; dá-me o teu amor; careço dele
como do sol a flor,
Reanima a cinza de meu peito morto,
Ai! dá-me o teu amor!

 

DEUS EM TI

É quando eu sinto embriagar-me o peito
Um místico vapor,
E à luz fecunda desses olhos belos
Da minha alma ter vida e alento — a flor;

É quando as tranças dessa fronte loura
Prendem o meu olhar,
E sinto o coração tremer ardente.
Como uma flor aos zéfiros do mar;

É ao ouvir-te as místicas ideias
Tão cheias de paixão,
Nessa eloquência lânguida e profunda
Que fala ao coração;

É ao sentir as tuas asas brancas,
Ó meu anjo de amor,
Que eu reconheço a mão do rei da terra
E creio no Senhor! —

 

ESTA NOITE

Os teus beijos ardentes,
Teus afagos mais veementes,
Guarda, guarda-os, anjo meu;
Esta noite entre mil flores,
Um sonho todo de amores
Nos dará de amor um céu!

 

VEM!

Oh! laisse-moi t'aimer pour que j'aime la vie,
Pour ne point au bonheur dire un dernier adieu!
ALEXANDRE DUMAS

Como ao luar da noite as flores dormem,
Vem dormir sob a luz dos olhos meus!
Hão de as brisas beijar-te as tranças belas
E desmaiar de amor nos seios teus!

Como um círio fantástico de amores
Tanta luz sobre a praia a lua entorna!
Oh! deixa aos raios do luar saudoso
Ornar de flores essa fronte morna!

Deixa que como um doido, um insensato
Eu me embeba em teus olhos transparentes,
E embalado num sonho fervoroso.
Ouça-te ao peito as pulsações ardentes!

É tão doce! tão belo estar contigo!
Pobre andorinha errante dos amores,
Achaste um coração! na primavera
Não desmaiam as aves, nem as flores.

Se a capela de noiva desfolhaste
Nas noites tuas, nos delírios teus,
Qu’importa? ainda nas asas dos amores
Podes voar ao céu, anjo de Deus!

Inda o teu coração ardente e puro
Como a fênix das cinzas pode erguer-se
E ungir-se com os bálsamos celestes,
E no Jordão do amor inda embeber-se!

Inda os mágicos sonhos de ventura
Podem embalsamar-te as primaveras
E num culto platônico e fervente
Querer-te um coração e amar deveras!

Ergue-te pois! vem perfumar tua alma
Com as rosas festivas dos amores,
E dourar minhas crenças fugitivas
Com a luz de teus olhos sedutores.

Vem! é tão doce amar nas noites belas!
Vem remir-te no amor, anjo do Deus!
Hão de os meus beijos aquecer-te a fronte,
E as brisas desmaiar nos seios teus!

 

ESPERANÇA
(No álbum do Sr. F. G. Braga)

Pobre romeiro da poente estrada,
Cantei passando pelo val da vida
Ao sopro do aquilão
Ouvi-te um canto. Minha voz cansada
Vem modular-te a saudação sentida,
Como de irmão a irmão!

Aos sons acordes da tua harpa ardente
Venho juntar uma canção saudosa
Deste alaúde em flor...
A poesia é um dom onipotente;
Não desmintamos a missão gloriosa,
Profetas do Senhor!

Beijarei essa túnica sagrada
Que sobre os ombros o Senhor te dera
Como um manto real;
Irei contigo do porvir na estrada,
Onde rebenta em flor a primavera
Das pontas do espinhal.

Irmão de crença! eu irei contigo
Sonhar nas tendas que ao passar entrarão
Extintas gerações;
Rezarei junto a ti no altar antigo,
Onde muitos outrora ajoelharão
Em salmos e orações.

Quando o porvir em fúlgido horizonte
Estende-se arraiado de venturas
E convida a esperar,
Deve-se erguer de entusiasmo a fronte,
Venha embora o luar das sepulturas
A esperança gelar!

O sonho em que o espírito se embala
Vem do céu como angélico segredo
À fronte do cantor;
Mas precoce o coração estala
É que Deus julgou bem erguê-lo cedo
Para um mundo melhor!

Sonhemos pois! Meu tímido alaúde
Da tua harpa unirei à nota ardente
Em uma só canção
Este afeto fraterno é uma virtude,
Deixo-te aqui a saudação de um crente
Como de irmão a irmão.

 

A MISSÃO DO POETA
(No álbum do Sr. João Dantas de Sousa)

MUSA
Vês, meu poeta, em torno estas colinas,
Como tronos gentis da primavera?
Abrem-se ali as pálidas boninas,
E em volta dos cipós se enrosca a hera!
É o sol-posto. — A folha, o mar, e o vento,
Tudo murmura de saudade um hino.
Vem sonhar neste morno isolamento.
E dormir no meu seio peregrino!

POETA
Vemos, sim! — Esta noite o luar saudoso
Há de tremer nestas folhagens belas.
Tão só vegeto! — O alaúde ansioso
Vem enfeitar de angélicas capelas!
Pousa-me a fronte em tuas mãos celestes...
Mas é uma ilusão... cruel mentira!
Hei de ao soar do vento nos ciprestes
Erguer num canto as vibrações da lira...

MUSA
Sofrer, qu’importa? — Vem! Morrem as dores
Da solidão nos recônditos mistérios!
Nascem à bordo do sepulcro as flores,
E beija o sol o pó dos cemitérios.

POETA
Eu sofro tanto! — Perenais espinhos
Orlam-me a estrada.... A sepultura é perto!
E nem o doce aroma dos carinhos...
Meu Deus! Nem uma flor neste deserto!
E quantos desta doida caravana
Estorceu no areal uma agonia,
Esperando debalde em noite insana
Verem realizar-se uma utopia!

E como crer então? Tenho aqui morta
Uma ilusão de minha primavera...
O sonho é como um feto que se aborta,
Um porvir que se ergueu numa quimera!

A realidade é fria. Erga-se embora
A flor do coração a um céu dourado,
Vem a turba maldita em negra hora,
E as flores mata de um porvir sonhado!

MUSA
Por que descrer assim? — É dura a estrada,
Mas há no termo muito amor celeste,
A glória, poeta, é uma flor dourada,
Que só nasce da rama do cipreste.

POETA
De um cipreste!... É bem triste esse conforto!
Quem sabe? uma esperança mal cabida.
Essa luz que se vaza sobre o morto
Paga-lhe a dor que o sufocara em vida?

MUSA
Mas é tua missão,... Do pesadelo
Hás de acordar radiante de alegria!
Deus pôs na lira do infortúnio o selo,
Mas há de dar-lhe muita glória, um dia!

É forçoso sofrer... Deus no futuro
Guarda-te a c'roa de uma glória santa,
Vem sonhar, este céu é calmo e puro!
Vem, é tua missão!... Ergue-te e canta!

 

O PROGRESSO
(Hino da mocidade - Ao St E. Pelletan)

(Eppur si muove)

Ao som da tua voz a mocidade acorda,
E olha ousada de face os piamos do porvir!
Eia! rebenta a flor da longa estrada, à borda,
E através do horizonte há uma aurora a rir.

E sempre a mesma aurora a rir de era em era.
E sempre a estrada augusta a rebentar em flor!
Salve, fértil, gentil, rosada primavera!
Eterno resvelar do melhor ao melhor!

A mocidade ergueu-se. Um século dourado
Veio ao berço gentil inocular-lhe a fé;
E na orla a luzir do horizonte azulado
Mostrar-lhe como um sol a verdade de pé!

A verdade! está aí fecunda, onipotente,
Nossa estrela polar, e bandeira, e troféu!
Sim! o mundo caminha a um polo atraente,
Di-lo a planta do vai, di-lo a estrela do céu!

Ao som da tua voz a mocidade acorda,
E olha ousada de face os plainos do porvir!
Eia! rebenta a flor da longa estrada à borda.
E através do horizonte há uma aurora a rir!

Que tal? que nos importa essa ideia sem fundo
Que estaciona e prende a humanidade ao pó?
Fala mais alto, irmãos, este avançar do mundo
E toda a natureza em um canto, num só!

Fala mais alto, irmãos, a ardente humanidade!
Marchando a realizar uma missão moral;
pregando uma lei, uma eterna verdade,
Do progresso subir a mágica espiral.

Sim! romeira gentil aos séculos se enlaça!
Na escala do progresso ela não se detém!
Uma herança moral corre de raça a raça,
Se ela desmaia aqui, vai triunfar além!

Ao som da tua voz a mocidade acorda,
E olha ousada de face os plainos do porvir!
Eia! rebenta a flor da longa estrada à borda.
E através do horizonte há uma aurora a rir!

Eia! num canto ardente erga-se ousada fronte!
Doure esta caravana um límpido arrebol!
Creiam, embora a luz a nascer do horizonte
Crepúsculo sombrio e desmaiar do sol!

Creiam-no. Um astro se ergue em céu dourado e puro
E nos mostra com a luz terra de promissão!
Cerramos sem temor, obreiros do futuro!
A verdade palpita em nosso coração!

Soa em nossa alma ardente um grito entusiasta
E às barreiras do tempo uma voz diz: — Passai!
Morte ao lábio sem fé que nos murmura: — Basta!
Gloria a vós festival que nos exclama: — Vai!

Ao som da tua voz a mocidade acorda,
E olha ousada de face os plainos do porvir!
Eia! rebenta a flor da longa estrada à borda,
E através do horizonte há uma aurora a rir!

 

À ITÁLIA

Despe esses ferros de dormente escrava,
Que o sol dos livres no horizonte vem!
Velha cratera — o referver da lava
Atento e curvo todo um século tem.

Acorda! o sono da opressão devora!
Pátria de Roma — o Capitólio vê!
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

A velha Europa ao teu arfar cansado
Vem debruçar-se em derredor aí;
E ao som valente do primeiro brado
Braços e espadas acharás por ti.

Apenas bata essa esperada hora
O anjo dos livres se erguerá de pé.
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

O século é belo. A liberdade canta —
Virentes rosas sobre os seios nus!
Feto sublime de uma ideia santa
Vem no horizonte por um mar de luz!

Morte ao opresso que a tremer descora
E à luz nascente deste sol — não crê!
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

Ontem a Grécia, como um sol caído,
Toda nas águas afogará a luz;
Das meias-luas o pendão temido
No ilustre solo lhe esmagará a cruz.

Um brado ergueu-a. Como estava outrora,
Da Europa à face levantou-se em pé.
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

Página bela da grandeza antiga,
Tens inda o selo de um real poder;
Os rijos copos dessa espada amiga
A mão do tempo não quebrou sequer.

A rubra púrpura de reinar de outrora
Hoje uma toga popular não é?
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

A ideia é fogo que ateado lavra.
E tudo abrasa nessa ardente ação.
Rompe, desprende essa fatal palavra;
Outras cativas erguerás do chão.

Olha a Polônia escravizada chora:
E o sol dos livres inda espera e vê.
Pálida Itália — ressuscita agora —
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

Ao braço impuro de opressor ingrato,
Bela cativa, não te curves, não!
Da liberdade o sentimento inato
E um incentivo na tremenda ação.

Não, não consintas, tu liberta outrora
Sobre teu colo levantar-se um pé.
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

Levanta as tendas. Uma onda brava
Quebrar-te os ferros pelo mar i vem!
Velha cratera — o referver da lava
Atento e curvo todo um século tem!

Acorda! O sono da opressão devora!
Pátria de Roma — o Capitólio vê!
Pálida Itália — ressuscita agora
O ardor nos peitos — na esperança a fé.

 

A UM POETA
(O Sr. P. de Sales Guimarães e Cunha)

Non é perduta
Ogni speranza ancor
METASTÁSIO

Poeta, beija a poeira
Destes ásperos caminhos
E cinge alegre os espinhos,
Heranças que o gênio tem.
O alaúde é dom funesto.
Quando uma fronte é fadada
Pela pálpebra inspirada
Debruçar-se ao pranto vem!

E o pobre gênio passando
Por noite tempestuosa
De uma espiral escabrosa
Sobe os ásperos degraus;
E o anjo dos pesadelos,
As negras asas abrindo.
Vai embalá-lo sorrindo
Num berço de sonhos maus.

E todo um mundo criado
Nas ondas da fantasia
Um sopro de ventania
Desfaz por noite fatal!...
Os olhos sangram na sombra
Um pranto desesperado,
E o gênio morre abraçado
Na cruz do seu ideal.

Irmão! é sangrenta a sina,
Mas os louros valem tanto...
Cada uma gota de pranto
E uma póstuma flor.
As brisas da primavera
Vêm depois do inverno frio,
E é sempre por céu sombrio
Que nasce aurora melhor.

Fatalidade! — Qu’importa?
Deus nos deu esse fadário...
Mas no cimo do Calvário
Há muita palma a florir,
Toma o madeiro do Cristo,
Beija os espinhos da fronte,
E verás pelo horizonte
Erguer-se o sol do porvir.

 

A PARTIDA

Entretanto o céu se levanta sereno
E pomposo corno para um dia de festa.
LACRETELLE

Vês? No horizonte se debruça a aurora
Como um infante a rir;
As flores vão abrir-se: o luar se apaga;
Começa a vida; douram-se os outeiros...
Ai! e tu vás partir!

Partir quando este céu fulgia aos beijos
D'ignoto querubim!
Manhã do coração toldou-me o ocaso!
Nuvem negra por céu de madrugada,
Ou eça em seu festim!

E por que enviuvar das esperanças
A rebentar em flor?
Por que rasgar uma por uma as folhas
Da rosa da ventura embalsamada
Por um luar de amor!

Tu eras de meus sonhos de poeta
O beija-flor azul...
Eu te quisera, se te visse embora
Rotas as asas por noturno vento
Nos lodos do paul...

Eu te quisera inda a azular as pálpebras
A insônia dos festins.
Dera-te em cantos um dourado busto;
Do meu amor no seio dormirias
o sono dos querubins!

Eu era como o quebro ajoelhado
Ante o sol a nascer...
Madona amorenada de meus cultos,
Ergui-te uma ara e no calor dos joelhos
Não te dormi sequer!

E tu passaste adormentada e bela
Num berço de cristal;
Meu céu se iluminou por um momento,
Veio a realidade escura e fria,
Foi-se, foi-se o ideal!

Passou como um fantasma essa aventura
Criada em tanto afã.
E como o cactus que à noitinha abrira
Asa de ventania perfumada,
Morreu de antemanhã!

Morreu sem sol a pobre flor dourada
Dos sonhos meus e teus!
Morno ideal de tanta insônia ardente
Que uma noite dormira embalsamado
No infinito de Deus.

Eterno vacilar da morte à vida,
Sorte da criação!
Sempre o verme onde a seiva se derrama.
Onde a vida palpita e ri mais verde.
Sempre a destruição!

É uma lei... Mas a esperança resta
No feto do porvir...
Talvez bem cedo o dia se levante,
E a noite sacudindo o luar das tranças
Descanse e vá dormir.

Mas, tarde ou cedo que esse dia se erga
E volte a rir assim,
Durma meu nome no teu seio de fogo;
Não desfolhes os lírios da lembrança
Ai! lembra-te de mim!

 

A REDENÇÃO
(Ao Sr. Dr. Francisco Otaviano)

I
E Deus disse ao espírito incriado:
Desce na asa do vento;
Por entranhas humanas — encarnado
dormirás um momento.

Lá te espera nos limbos palpitantes
De dura escravidão — a humanidade,
Prega a essas nações agonizantes
O dogma da igualdade!

Leva a casta virtude foragida
Entre virentes palmas;
E vai mostrá-la à multidão perdida
Como o pudor das almas.

Vai, meu Cristo — a missão é escabrosa;
Só terás dessas turbas em carinhos
Uma cruz — uma vida dolorosa
E uma c'roa de espinhos.

E descera o espírito incriado
Sobre a asa do vento,
E em seio virgem de mulher — fechado
Foi dormir um momento.

II
Era o sonho dos profetas
Que se encarnara em Jesus;
Daquelas eras provetas
A cara e esperada luz.
Profeta, da liberdade,
Cireneu da humanidade.
Que vinha tomar-lhe a cruz!

A humanidade o esperava
Nos sonhos de redenção;
Ele vinha erguer a lava
De um velho morno vulcão.
Missão de ventura e graça
Que fecundava uma raça
De que ele era novo Adão!

Era o Íris da bonança
No meio dos temporais
A verbena da esperança
Entre desânimo e ais.
Um sol vigoroso e ufano
Rasgando ao gênero humano
Um horizonte de paz.

Não teve Moisés augusto
Mais auréola de luz
Nem um brado mais robusto
A voz do poeta Ilus
Tu foste — Belém proveta
— Berço de um maior profeta
Sacrificado na cruz!

Batera a hora na ampulheta eterna,
E esse fato de um Deus que se agitava
No seio da fecunda humanidade
Surgira à luz. A natureza toda
Estremeceu e se arraiou mais bela!
Mas linda a flor dos campos nessa noite
O seio abrira. — No seu leito o homem
Nessa noite sentiu mais puros sonhos
Por sua mente revoar... E as almas
Que esta terra de abrolhos — maculará
Sentirão todas — um chuveiro de ouro

Vazar nas trevas de enlodados limbos!
E depois — no horizonte azul-escuro
Clara estrela raiou — estranha aos homens
Reis, a pé! — Ide além a um berço humilde
Depor as c'roas... é um rei mais sábio
Que nasceu na humildade e na inocência!
Viajor — que vingas a colina alpestre
Às frias virações da meia-noite,
Para! — Uma aurora súbito se entorna
Por este céu — e aquela estrela branca
Que vês correndo no horizonte oposto
É a coluna de fogo do deserto
Que outrora o povo de Israel guiara!
É o astro polar que a humanidade
Há de levar à prometida terra,
Para que ela marche na impulsão dos séculos.
Foi assim que o profeta dos profetas,
O circunciso, apresentou-se aos homens!
Nem Roma em seus delírios de triunfo
O nascimento lhe obstava... Aos ombros
Trazia a toga das virtudes castas;
E o ideal da igualdade sobre a fronte
Era a divina, grandiosa auréola
De que vinha cingir a humanidade!
Que deu a terra ao salvador dos povos?
Uma cruz... uma vida dolorosa,
Uma c'roa de espinhos!

III
Dormes, Jerusalém? Morno ossuário
Deitado à sombra de fatais lembranças
Num leito secular,
Não sentes que no altar do teu calvário
O gérmen de verbenas e esperanças
Começa a rebentar?

Essa lenda de pranto e de amargura,
Esse drama da cruz e do calvário
Escárnio e a aflição:
Esses delírios de uma treva escura,
Esse fel e vinagre e esse sudário:
Foi tudo a redenção!

A redenção... A turba delirante
Nem pressentiu essa missão divina
Do filho do Senhor...
E selou num delírio agonizante
Aquela fronte casta e peregrina
Com o sinete da dor!

Deu-lhe a palma e coroa de realeza,
Sentou-se sobre um marco de granito
E a zombar o saudou!
E o Cristo, essa divina singeleza,
Nem um olhar lançara, nem um grito
Arquejante soltou.

Ide, marchai sangrenta caravana!
Cireneu, vem agora e dá teu braço
Pra ajudar a cruz.
Cantai, cantai por essa orgia humana!
A terra treme e se enegreja o espaço,
E o sol desmaia a luz!

Essa cruz, esse poste de suplício,
Em que o cordeiro pálido imolaste
Nas raivas infernais,
Se erguerá como o sol do sacrifício;
Brotarão dos espinhos que entrançaste
Perpétuas festivais!

Dia mais belo vazará do oriente,
E a noite de verão mais vaporosa
Nos vales dormirá...
Nas asas de planeta onipotente
Uma luz mais suave e mais formosa
Aos povos descerá...

Sim! é fecundo o sangue do calvário!
Se o Cristo agonizou daquelas dores
Muita palma nasceu!
Daquela cruz e pálido sudário
Um éden de perfume e de flores
Teremos por troféu!

Assim fechou-se a redenção dos povos!
Do drama do calvário — a humanidade
Uma c’roa viril teve em herança
Mais bela do que as cívicas coroas
De Roma — a triunfante:
A c'roa da igualdade!

Esperai! se essa palma de triunfo
Começa ainda a rebentar do Gólgota,
Não estão longe os tempos — em que a fronte
Há de ovante cingi-la à humanidade!
Assim o passo derradeiro e firme
A Canaã da paz será transposto;
Assim a cruz triunfará eterna,
Assim se fecha a redenção dos povos!

 

SANTA HELENA
(Ao Sr. Remígio de Sena Pereira)

Cairão Ajax e suas frotas!
HOMERO — ODISSEIA

Sobre a escarpada rocha — levantada
Na vaga — como um túmulo marinho,
Sob eterno luar,
César — desce como águia derrubada!
No seio agora desse estéril ninho
É força repousar!

Dorme, crânio viril, dorme um momento!
Tens ali um sepulcro de granito
Eça de Briareu!
Como caído sol — teu pensamento
Vague agora — no mar desse infinito
Em meio de água o céu!

As eras de ventura lá passaram
Como frotas no mar. Impetuoso
Soprara o furacão!
As mornas tradições é que ficaram,
Que aquele mesmo gênio belicoso
Não voltará mais, não!

Já não ressoam os clarins da guerra!
E os bravos desse Homero das batalhas
Descansam a dormir!
Essa cruzada que assombrara a terra
Sob as ruínas de pálidas muralhas
E a força cair!

Caiu! Assim o quis o destino infausto,
Que a estrela de seus largos horizontes
Nos limbos despenhou!
Caiu! mas em homérico holocausto!
Sol moribundo erguido em mar de frontes
Um dia descambou!

Dorme agora — na rocha levantada,
César, sobre esse túmulo marinho
É força repousar!
És agora como águia derrubada!
Resta-te um derradeiro e estéril ninho
E um eterno luar!

Foi esta, Bonaparte, a nênia augusta
Com que saudou-te a humanidade a queda!
Descaída a realeza das batalhas
Tinha como um apoio derradeiro
Um alpestre rochedo. Em torno o oceano
Era como que a firme — sentinela
De um oceano subjugado agora!
Folga, Albion! A espada onipotente
Desse rei dos combates e das tendas
Não vergaste, quebrou! A tua glória
Era preciso que ao condor hercúleo
Um vento bravo despenhasse as asas!

Agora, Bonaparte, eis-te sentado
Sobre a escarpada rocha
Que ao corcel dos combates sucedeu!
Essa fronte que o gênio das conquistas
Afogou num abismo das batalhas
Tem agora por troa derradeira
Uma nuvem de pálidas lembranças!
Tudo, tudo passou! os dias belos
Os dias de Marengo
De Arcole, de Montmirail e de Austerlitz,
Lá vão! passaram como as folhas secas
Sacudidas do vento das florestas!

Passaram! resta o sudário
Do pesado esquecimento!
Resta o pálido ossário
De todo um mundo portento.

As cruzadas peregrinas
Moderno César não vens?
Por palmas capitolinas
Capelas de goivos tens?

Como Lázaro, acordaste
A humanidade dormente;
Que um povo de reis, fecha
Sob a mão onipotente.

E tu, que no berço ungiste
A infante revolução,
E toda a submergiste
Em um mais puro Jordão;

Que herdaste? um bronco rochedo
Onde a vaga geme a medo
Ouvindo — Napoleão!

 

NUNCA MAIS

Quand je t'aimais, pour toí j'aurais donné ma vie
Mais c'est toi, de t'aimer, toi qui m'ôtas l'envie.
ALFRED DE MUSSET

Nunca mais! O sol de outrora
Treva súbita apagou;
Já o fogo não devora
Onde a geada passou.

Esse passado morreu,
Que eu julgara então eterno,
E agora esqueci o inferno
Para lembrar-me do céu...

Não! dessa alma prostituta
Nem mais quero uma afeição!
Caíste — venci na luta,
Sem perder o coração.

Sangra os olhos no chorar,
Nova Agar — no teu deserto,
Que eu agora, audaz liberto,
Nem sei, nem te posso amar!

Caíste! não te detesto;
Não te cabe o ódio a ti.
Seria o pulsar de um resto
Desse afeto que eu perdi.

Sobre esse altar que te dei
Noutras eras peregrinas,
Como em leito de ruínas
Novo Mário — me assenti!

Ficou-me a alma viúva
De muita ilusão gentil;
Como exposta ao vento e à chuva
Flor que deu sobre de abril.

Mas a fria e curva flor
Já não treme assim pendida;
Ergue-a mais ardente vida
Por madrugada melhor!

Tu, caminha — vai jornada
Da vaidade e perdição;
E batiza a alma danada
Em lutulento Jordão.

Um dia sem luz nem voz
Vergarás no teu caminho
E verás, ave sem ninho,
Como punge espinho atroz.

 

A CH. F., FILHO DE UM PROSCRITO

II est beau. Dans son front où la grâce rayonne,
II porte tout un monde embaumé, pur et gai.
La nature y étale une fraîche couronne;
C'est la molle beauté des blanches fleurs de mai.

Au matin de son jour il ouvre sa paupière,
Où se berce en dormant son délicat esprit,
Aux baisers de l'amour, aux regards de sa mère,
À tout ce qui lui parle et lui chante et lui rit.

Un charmant avenir l'attend, là-bas, peut-être,
Au couchant de ce siècle oú tout parle et combat,
Qui sait? Dans le moment où l'enfant vient de naître
L'oppression pâlit — l'ostracisme s'en va...

Eh bien! fils de proscrit — est un coeur plein de flammes
Qui te parle penché dans ton ciel adorant:
Tu seras un croisé dons le combat des âmes;
C'est moi qui le prédis — moi, tête de vingt ans!

 

OFÉLIA
(A J...)

Meu destino é um rio do deserto
A murmurar-me aos pés;
Veia nascida em urna noite amarga,
As bordas são de areia, a onda é larga
E loucas as marés.

Tem as águas azuis, — mas são profundas
Naquele murmurar,
Correm aqui como a falar segredos
Sobre leito de lodo e de rochedos
A um ignoto mar!

Pálidas flores que uma vaga incerta
Ali suspensas traz
Vicejam aos borrifos, do meu pranto.
Oh! essas flores que te prendem tanto
Deixa-as, Ofélia, em paz!

Não te curves à borda dessas águas
De superfície anil,
Ébria de amores, — do teu sonho casto
Não acharás ali o mundo vasto
Nem o rosado abril.

Deixa essas flores; uma onda as leva
Onde? Nem mesmo eu sei!
Deixa-as correr, — festões de meu destino;
Passa cantando, meu amor, teu hino,
A que eu te abençoarei.

Atado à pedra que me leva, um dia
A queda suspendi.
Vi-te à margem das águas debruçada
A paixão dos meus sonhos, — tão sonhada
Vi-a, encontrei-a em ti.

Maga estrela pendente do horizonte
E curva sobre o mar
Vieste à noite conversar comigo;
Mas a aurora chegou — ao leito antigo
Vai, é mister voltar.

Deixa-me, não te curves sobre as flores
Deste leito de azul;
Molhastes os teus vestidos, foge embora!
Não te despenhes, — vem o mar agora
Encapelado ao sul.

Enxuga agora ao sol as tuas roupas
E deixa-me seguir;
Não sei qual a torrente que me espera;
Vai, não prendas a tua primavera,
Onde é fundo o porvir!

 

A ESTRELA DA TARDE

A estrela da tarde sorri desmaiada
No azul embalada de um fogo vital:
Que luz vaporosa nos belos palores!
Que facho de amores! que flor de cristal!

Murmura nas praias a vaga indolente
Um véu transparente se estende no ar;
Os silfos se fecham no seio das rosas
E as brisas saudosas murmuram: — amar!

Estrela do ocaso, é a hora. Bem-vinda!
Que aurora tão linda, tão doce que tens!
A terra desmaia nos braços do gozo,
E um doce repouso lhe entorna mil bens!

Bem-vinda! aos amores que mágico ensejo!
Desperta o cortejo dos astros do céu.
Estrela das sombras, etéreo portento,
Nas asas do vento — desdobra o teu véu.

Vem, que eu te saúdo dormente do acaso;
Esplêndido vaso de um novo fulgor,
Às almas que o fogo da terra queimara
Tu és como a ara de crenças e amor.

Meu lábio secou-se no sol do deserto,
Nem fonte aí perto! cruenta aflição!
Passei tateando nas sombras da vida
Como ave caída nos lodos do chão!

A taça dourada do amor e ventura
Achei-a bem pura — mas não a bebi,
Do éden da vida rocei pelas portas:
As mãos eram mortas; ninguém veio ali,

Passei; fui sozinho no longo da estrada;
A noite pesada descia sem luz,
Segui tropeçando num frio sudário;
Agora um calvário, mais tarde uma cruz!

Estrela! cansado das lutas, vencido,
Dos sonhos descrido, ressurjo, aqui estou!
O manto da vida cai-me aos pedaços
Recose-me aos braços que o frio engelou.

São crenças que eu peço de um gozo celeste;
No tronco ao cipreste — rebentos de flor;
Aos prantos que choro mais rir de doçura,
Mais pão de ventura, mais sonhos de amor!

Estrela! — é a hora do gozo — desperta!
Uma alma deserta palpita de amar,
Vem, loura do ocaso, falar-me em segredo,
Não fujas, é cedo; não caias no mar.

 

A UM PROSCRITO

É um canto de irmão. Crispam meus lábios
Entusiasmado, convulsões cruéis!
Toma esta lira; consagrei-a aos bravos;
Não na mancharam saturnais de escravos,
As opressões dos reis.

Uma ideia vital pulsa-lhe as cordas;
Elas palpitam na ovação de heróis!
Minha musa tem fé, arde-lhe inata;
A mão que antes selará insensata
Não beijará depois.

Má espera! essas nuvens de tormenta
Vai rasgar o clarão de um novo sol!
A hora bateu às velhas monarquias;
Da nova geração, dos novos dias,
Já se tinge o arrebol...

Os reis tiritarão entre os sudários
Quando essa aurora em novo céu fulgir;
A ideia pousará nos santuários;
E os povos se erguerão sobre os calvários
Aos cantos do porvir.

Eu te saúdo, espírito sem peias,
Que não gostaram cortesãos festins!
Proscrito errante que sustaste o pranto,
E sentiste e velaste o fogo santo
Que velaram Franklins.

Eu te saúdo, coração fervente,
No apostolado da missão do céu;
Que sentes no teu horto — atroz miséria!
Despedaçar-te artéria por artéria
O corvo de Prometeu!

Dez anos! Longe o lar de teus afetos!
Dez anos de cruenta proscrição!
O horizonte da pátria vai fechado;
A teus pés que infortúnio de exilado
Rebentam desse chão!

Longe! bem longe a opressão lançou-te...
Miséria, nem coragem de lutar!
Um dia despertaste enfim proscrito;
Como o viajor da lenda ergueu-te um grito:
— Caminhar! caminhar!

Foste vencido... era forçoso aos tronos!
Mas caindo, caíste vencedor,
Mais alto do que então inda te erguias;
Glória a ti nessas rudes agonias,
Vergonha ao opressor!

Glória a ti, cujos lábios não cuspiram
Da alma guardaste as roupas de vestal!
Vergonha ao opressor, corvo sedento,
Que rasga sem piedade de um lamento
A águia nacional!

Glória a ti, cujos lábios não cuspiram
Da liberdade no lustral Jordão
A água desse batismo é-nos sagrada;
Vergonha ao que na fronte batizada
Selou de proscrição!

 

SONHOS

Oh! si elle m'eût aimé!
A. DE VIGNY

Se ela soubesse por que tremo às vezes
Como um junco nas bordas de um regato;
E àquele olhar de uma volúpia ardente
Fecho os meus pobres olhos de insensato.

Se ela soubesse por que a mão convulsa
Sinto ao pousar em um adeus a sua;
E por que um riso de amargura e tédio
Pousa-me no calor da face nua;

Quem sabe se piedosa, no silêncio,
Em oração, à noite, me alembrara;
E por mim em meu êxtase querido
Uma furtiva lágrima soltara!

Quem sabe, se amorosa, pensativa,
Amadornada em lânguidos desejos,
Viria compulsar-me o livro d'alma
E minha fronte batizar de beijos...

E saberia então que de soluços
Os lábios me entreabrem de paixão!
Que de prantos resvalam de meus olhos,
Com o orvalho de minha solidão!

Veria que este fogo de meus versos
É a febre de amor de meus suspiros,
Onde me vai a flor da mocidade
Como flor que enlanguesce nos retiros.

Mas... são sonhos, meu Deus! estes tormentos
Irão comigo resvalar na cova;
E serão o crisol de meu espírito
Quando passar a uma existência nova.

Sonhos de insensatez! delírio apenas!
Cresceu em alta rocha a flor querida;
Verme rasteiro tateando os ermos
Não beberei naquele seio — a vida!

Passarei como sombra ante os seus olhos.
Frios, sem eco — soarão meus cantos;
E aqueles olhos que eu amei, calado
Não me hão de as cinzas orvalhar com prantos!

E nos silêncios de uma noite límpida
Sobre a campa que me há de enfim cobrir.
Da flor daqueles lábios — uma reza
Como um perfume não virá cair!

Devanear eterno! o amor de louco
Hei de fechá-lo na mudez do peito...
Vem tu, apenas, lânguida saudade,
Noiva dos ermos — partilhar meu leito!

 

UM NOME
(No álbum da Exma. Sra. D. Luísa Amat)

Dormi ébrio no seio do infinito
Ao fogo da ilusão que me consome;
A lira tateei na treva... embalde!
Nem uma palma coroou meu nome!

Os meus cantos morrerão no deserto,
Quebrou-me as notas um noturno vento,
E o nome que eu quisera erguer tão alto
No abismo há de cair do esquecimento.

Sou bem moço, e talvez uma esperança
Pudesse ainda me despir do lodo;
E ao sol ardente de um porvir de glórias
Engrandecer, purificar-me todo.

Talvez, mas esta sede era tamanha!
E agora o desespero entrou-me n'alma;
A brisa de verão queimou-me passando
A jovem rama da nascente palma!

E esse nome, esse nome que eu quisera
Erguer como um troféu, tornou-se em cruz;
Não cabe aqui, senhora, em vosso livro.
Pobre como é de glórias e de luz.

Mas se não tem as palmas que esperava.
Filho da sombra, em jogo de ilusões.
Vossa bondade, a unção das almas puras,
Há de dar-lhe a palavra dos perdões!

 

TRAVESSA

Ai; por Deus, por vida minha
Como és travessa e louquinha!
Gosto de ti — gosto tanto
Dessa tua travessura
Que não me dera o meu encanto,
Que não dera o meu gostar,
Nem por estrelas do céu.
Nem por pérolas ao mar!
Alma toda de quimeras
Que acordou no paraíso
Vinda do leito de Deus;
E que rivais de teus olhos
Só tens dois olhos — os teus!
Pareces mesmo criança
Que só vive e se alimenta
De luz, amor e esperança.
Ave sem medo à tormenta
Que salta e palpita e ri,
As travessas primaveras
Assentam tão bem em ti!
Assentam sim, como as asas
Assentam no beija-flor,
Como o delírio dos beijos

Em uma noite de amor;
Como no véu que se agita
De beleza adormecida
A brisa mole e sentida!

Foi por ver-te assim — travessa
Que eu pus a minha esperança
No imaginar de criança
Dessa formosa cabeça...
Foi por ver-te assim — Que os sonhos
Eu sei como os tens eu sei.
Puros, lindos e risonhos.
Um coração novo e calmo
Onde a lei do amor — é lei;
Foi por ver-te assim, que eu venho
Pôr em ti as fantasias
De meus peregrinos dias.
Como a esperança no céu:
Em ti só, que és tão louquinha,
Em ti só pôr a minha vida!

 

A D. GABRIELA DA CUNHA

Para! Colhe essas asas um instante;
Olha que senda decorrendo vens!
Para! é o marco final do caminhante,
E mais espaços a vencer não tens!

Lembra as visões e os sonhos do passado...
Vão longe, longe — quando, artista em flor.
Nem tinhas o caminho calculado,
Que mais tarde devias de transpor.

Contaste acaso em tua mente outrora
Tantas coroas futuras e troféus?
Sonhaste uma vez erguer-te agora
Alto, tão alto, pela mão de Deus?

Não pudeste medir todo este espaço,
Nem pudeste pensar que um dia, aqui
Viria o povo, em um festivo abraço
Sagrar-te os louros triunfais, a TI.

Foi surpresa do gênio — e do destino
Que a tua senda de futuro abriu,
E que uma folha de laurel divino
Em tua fronte pálida cingiu.

Talvez de artista no teu largo manto,
Como gotas de sangue em níveo chão.
Noite de espinhos orvalhou com pranto
E mareou de dor muita ovação.

Faz uma flor de cada espinho acerbo,
Tira de cada treva um arrebol;
Para fazê-la — abre os teus lábios, VERBO!
Para tirá-la — abre os seus raios, SOL!

 

MEUS VERSOS

Quando nas noites de luar de outono
Pendem as flores que a manhã crestara
E a chuva desbotou,
Que mão piedosa ergueu-as do abandono...
E cuidadosa no seio as orvalhara?
Que sorrindo as beijou?

Elas morrem ali tristes, sozinhas,
E se desfolham no correr do rio...
Deus sabe onde elas vão!
Assim morrem ao sol as andorinhas,
Assim o inseto se desmaia ao frio,
E assim meus versos são!

Pobres canções que eu entoara a custo,
E modulei nas harpas dos amores
Que ornara um querubim.
Foram as vibrações de um sonho augusto;
Da minha fronte as suspiradas flores
Não mas dera o jardim.

E contudo eu ainda as esperava,
Como à porta do céu a mãe cuidosa
Um filho que há de vir.
E o jardim não mas dera; eu mal cuidava
Que vinha no embrião da flor mimosa
Um áspide dormir.

Acordei! Esqueci-me dessas flores
E vou cantando sem sonhar venturas
Já sem ilusão.
Deixo aqui minha lenda dos amores
Urna singela de esperanças puras,
E muita aspiração.

 

A MME. DE LA GRANGE

Quando em teus lábios a harmonia corre,
Como os verbos das almas e do amor,
Um mundo de douradas fantasias
Ao coração dormente se abre em flor.

Solto dos elos da matéria — o espírito
Num céu que de harmonia se perfuma
Adormece nas harpas do teu peito
E as tuas notas bebe urna por uma.

Missão divina! Traduzir na terra
As linguagens do céu! Vibrar cantando
Do sentimento as palpitantes fibras!
E o pranto às almas rebentar chorando!

Talhou-te larga a púrpura do gênio
A mão severa e pura dos destinos,
Imprimiu-te na voz a harpa de um século
E a alma te encarnou em sons divinos!

Depois — na ara da pura melodia
Desceste em uma noite embalsamada;
Segue na rota da missão divina,
Canta, murmura, lânguida, inspirada!

Abre os voos, parte agora!
Vai, cantora, ao teu destino:
Destas últimas vitórias
Vês? As glórias aqui pus.
Cinge a c’roa e torna arminhos
Os espinhos que colheste;
Que os teus hinos são melhores;
Fazem flores de uma cruz!

 

SOUVENIRS D'EXIL
(Tradução de poema de Charles Ribeyrolles)

Flor a abrir entre nós, surge agora um infante;
Fronte loura a sorrir em nossa proscrição,
Os numes vêm cercá-lo em seu berço galante,
E para erguê-lo ao céu todos lhe abrem a mão.

Mas ele que será? Calvinista ou romano?
Ou turco, ou querubim de Lutero, ou judeu?
E que santo do céu a este lírio humano,
Ao costume fiel, dará o nome seu?

É o beijo das mães, entre nós... o batismo,
Esse amoroso olhar que nos embala então!
Nós não temos por dogma a fé do barbarismo
E nem numes fatais de sangue e de opressão.

Batizamo-lo em ti, ó liberdade santa,
Alma dos bravos desce — eis um berço infantil.
O teu signo de luz, tua altivez lhe implanta,
Os velhos bendirão a tua mão viril!

Espírito de luz — eia, marchar — avante!
Nossos ossos em pó reflorirão por dom!
Mas conservai a fé, e o futuro radiante,
Lutar é um dever — lembra-te, Charles Frond!

 

A S. M. I.

César! Fulge mais luz nas saudações do povo,
Há nos hinos plebeus — mais alma nacional
Quando a mão do Senhor ergue, dum germe novo,
A virtude e o saber em fronte imperial.

Aqui, se o vê curvado ao sol da majestade,
Não é que o ceguem mais os velhos ouropéis;
É que fulge a realeza em céu de liberdade
E abraça a liberdade — a tradição dos reis.

Tu, que voltas do mar aos cânticos do Norte,
Tu que vens embalado aos hinos do país,
Podes e deves crer no público transporte
Como dias de luz que o povo te prediz;

A ti, que tens por norma a história do passado,
Como através do tempo — a inspiração de Deus,
E que sabes de fé que um Cáucaso elevado
Nem sempre é neste mundo o fim dos Prometeus.

Bem-vindo! Diz-te o povo e a frase poderosa
É como que fervente e tríplice ovação.
Ouve-a tu, que possuis um anjo por esposa,
Por mãe a liberdade e um povo por irmão!

 

AO CARNAVAL DE 1860

Morreste, seriedade!
Momo, o deus das zombarias,
Usurpou-te, por três dias,
Teu esplêndido bastão!
De um exílio temporário
Toma a longa e nova rota;
Agora reina a chacota
E o carnaval folgazão!

Diante das aras da rubra folia,
Cabeça a mais séria não vale um real;
Doidice, festança e alegria,
Tudo isto é fortuna que traz — carnaval.

Homem sério e bem formado,
Neste dia é contrabando;
Respeitado e venerando
É coisa que não se diz;
A razão abrindo os lábios,
Onde tem berço o juízo,
Vestiu um chapéu de guizo,
E pôs um falso nariz!

Nem pai de família, nem velho empregado,
Doutor, diplomata, caixeiro ou patrão,
Ninguém, ó loucura, no dia aprazado,
Não pode negar-te seu grande quinhão.

Tudo a loucura nivela,
Nem há luta de inimigos:
Esqueçam-se ódios antigos
De algum ferrenho eleitor;
Há tréguas por três dias
No campo dos candidatos,
Que o feijão ferve nos pratos
E os guizos falem melhor.

Esqueça-se tudo, são todos convivas,
Os ódios se apaguem no abraço comum:
Que doce batalha! Que lutas festivas!
Daqui deste campo não foge nem um!

Todas as belas amáveis
Podem ter parte na festa:
Sacerdotisas e Vesta,
Acendei os corações!
Pra sustentar a empresa
Não tendes armas faceiras?
É não tirar as pulseiras
E conservar os balões.

Daí das janelas olhando curvadas.
Sem dar um só passo na luta venceis:
Ao fogo, que corre das vossas sacadas
Aquiles se curvam e algemam-se reis.

Os reis, conquanto pintados,
Sempre são reis por três dias;
E sabem as galhardias
Das vossas armas leais.
Nós somos a Roma Inerte
Com a invasão peregrina
Que os hunos de crinolina
São mais que os outros fatais.

 

NO ÁLBUM DA ARTISTA LUDOVINA MOUTINHO

Cedo começas a buscar no espaço,
Gentil romeira, a estrela do porvir;
Deus que abençoa as lutas do talento
Há de ao esforço teu o espaço abrir.

Para alcançar o astro peregrino
O teu talento um largo rumo tem:
De tua mãe os voos acompanha,
Que onde ela foi tu chegarás também.

 

GABRIELA DA CUNHA

Enfim! Sobre esta cena, a tua e nossa glória,
Onde a musa eloquente e severa da história
Toma-te a mão, e te abre à fascinada vista
O campo do futuro, ó grande e nobre artista,
Vejo-te enfim! Ermo, calado e nu,
Esperava a madona e a madona eras tu.
Mercê do mar sereno e do lenho veloz,
A mesma, a mesma sempre, eis-te enfim entre nós!
Eras daqui. Que importa uma ausência? O teu nome
A ausência não descora, o ouvido não consome,
Da lembrança e da luz que ficaram de ti,
Andasses longe, embora, ele vivia aqui.
O que é o mar? Barreira inútil. A lembrança
Tem asas e a transpõe. E depois a esperança
De ver no mesmo céu a mesma estrela dantes
Punha no ânimo a paz. Aos louros verdejantes
De que ornavas a fronte outros inda juntaste.
Bem-vinda sejas tu, tu que por fim voltaste
No brilho e no vigor dos teus dias melhores
Luzente de mais luz, c’roada de mais flores
E que vens, assentando outras datas gloriosas,
Dar ao palco viúvo a melhor das esposas.

 

ESTÂNCIAS NUPCIAIS
(Dedicadas a D. Isabel e ao Conde d’Eu)

I
Que riso este o ar encerra?
Que canto? Que troféu?
Que diz o céu à terra?
Que diz a terra ao céu?

II
Do seio das florestas
Que aroma sobe ao ar?
E que oblações são estas
Que a terra envia ao mar?

III
A peregrina Alteza,
A rosa matinal,
O sonho de pureza
Da mente imperial.

IV
É noiva. A mão de esposa
Ao feliz noivo dá;
Era de amor ditosa
Esta hora lhe abrirá.

V
Almas de luz unidas
Na pura candidez
O amor, — de duas vidas
Uma só vida fez.

VI
E a filha predileta
Do paternal amor,
A doce, excelsa neta
Do excelso Fundador,

VII
Aumenta a nossa glória
No sólio imperial,
E a fúlgida memória
Da honra nacional.

 

EM HOMENAGEM A D. ISABEL E AO CONDE D’EU

Do seio da espessura,
Ó virgem do Brasil,
Ergue radiante e pura
A fronte juvenil.

Tece com as mãos formosas
À noiva imperial
De lírios e de rosas
A c’roa nupcial.

Flor desta jovem terra,
Em seu profundo amor,
Como um penhor encerra
Cândida, excelsa flor.

Vivo, fulgente emblema
Das glórias do porvir,
Que o régio diadema
Um dia hás de cingir;

Salve! Os destinos novos,
Novos, futuros bens,
Querida destes povos,
Em tuas mãos os tens.

Num juramento unidas
Ante o sagrado altar,
As almas, como as vidas,
O céu veio aliar.

É vínculo precioso
Que o prende agora a si.
Esposa, eis teu esposo;
Alegra-te e sorri.

Abram-se à nova história
As páginas leais,
Onde se escreve a glória
Da pátria e dos teus pais,

E a mão que não consome
Memórias tão louçãs,
De dois fez um só nome:
Bragança e Orleans.

 

NO CASAMENTO DA PRINCESA ISABEL

Cubram embora as últimas montanhas
Nuvens de tempestade;
E vergue um dia os ânimos do povo
Dura calamidade;

Cobre de há muito o teu domínio estreito;
Tu mesmo abriste as portas do Oriente;
Rompe a luz; foge ao dia! O Deus dos justos
Os soluços ouviu dos teus escravos,
E os olhos te cegou para perder-te!

O povo um dia cobrirá de flores,
A imagem do Brasil. A liberdade
Unirá como um elo estes dois povos.
A mão, que a audácia castigou de ingratos,
Apertará somente a mão de amigos.
E a túnica farpada do tirano,
Que inda os quebrados ânimos assusta,
Será, aos olhos da nação remida,
A severa lição de extintos tempos!

 

CALA-TE, AMOR DE MÃE

Cala-te, amor de mãe! Quando o inimigo
Pisa da nossa terra o chão sagrado.
Amor de pátria, vivido, elevado,
Só tu na solidão serás comigo!

O dever é maior do que o perigo;
Pede-te a pátria, cidadão honrado;
Vai, meu filho, e nas lides do soldado
Minha lembrança viverá contigo!

É o sétimo, o último. Minh’alma repartida,
Vai toda aí, convosco repartida,
E eu dou-a de olhos secos, fria e calma.

Oh! não te assuste o horror da márcia lida;
Colhe no vasto campo a melhor palma;
Ou morte honrada ou gloriosa vida.

 

TRISTEZA

Ah! Pobre criança!
Triste ludíbrio de funesta estrela!
SHAKESPEARE — OTELO

És triste. Que mal te oprime?
Que sombrio pensamento,
Como nuvem procelosa,
Ponto negro no horizonte,
Vem pousar, mulher formosa,
Em tua formosa fronte?

És triste. E pálida. As cores,
De vivas que eram outrora,
Como pétalas das flores
Que o tempo amareleceu,
Ora vejo-as apagadas...
E ao teu olhar peregrino
Fecham pálpebras cansadas
À luz que tinhas do céu,

A ausência de brilho e cores
E essa mórbida magreza,
Esse teu ar de abatida,
Com que, se perdes em vida,
Vens a ganhar em beleza,
Que são? Remorso de um crime
Decerto não é? Responde,
Dize, que mágoa te oprime?

Teu silêncio obstinado
Tudo me explica.., já sei..
Mísero anjo infortunado,
Li tu’alma e adivinhei

Guardavas ao que primeiro
Tocasse a flor dos teus anos,
Não esse amor passageiro,
Das almas vãs, mas o amor
Profundo, intenso, exclusivo,
O amor que sonha e não dorme,
O amor sincero, o amor vivo,
Os transportes, a ternura,
De um coração palpitante,
Os desejos de ventura,
Ambiciosa fantasia,
As ânsias d’alma abundante,
Em suma — a felicidade:
Tal foi o sonho primeiro
Da tua primeira idade.

Em vez de uma alma irmã
Que a tua alma compreendesse,
Que achaste? Boçal figura,
Matéria, máquina, prosa,
Toda cegueira e espessura,
Corpo sem alma e sem vida,
E a esperança radiosa
Da vida que procuravas,
A ternura que guardavas,
Em teus chorados quinze anos.
Tudo arrefeceu, criança,
Ante os frios desenganos.
Entre a presente agonia
E o tempo em que, solta, aérea,
Tua ardente fantasia
A vida mágica e etérea

Evocava e embelecia,
Que tempo vai! Longo espaço
De solidão, de tristeza,
De ternura e de cansaço.
Uma quase eternidade
A contar na mente acesa:
Esperanças da incerteza,
Certezas da realidade!

Enfim, à morte completa
Da ilusão que alimentavas,
Olhaste pálida e inquieta
Para o futuro... e não viste
Nada do que procuravas
E nada do que pediste,
Olhaste ainda — e confusa
Viste o amor, a paz alheia,
Os que logravam sentir,
E tu, mísera reclusa,
Da prisão em que te achaste
Nem já te é dado fugir!

E agora, fria, abatida,
Secas as rosas do rosto,
Olhos já sem luz, nem vida,
Depois de tanta provança,
Tua mente em vão procura
A derradeira esperança:
O frio da sepultura...

 

O PRIMEIRO BEIJO
(G. Blest Gana)

Lembranças daquela idade
De inocência e de candor,
Não turbeis a soledade
Das minhas noites de dor;
Passai, passai,
Lembranças do que lá vai.

Minha prima era bonita...
Eu não sei por que razão
Ao recordá-la, palpita
Com violência o coração.
Pois se ela era tão bonita,
Tão gentil, tão sedutora,
Que agora mesmo, inda agora,
Uma como que ilusão
Dentro em meu peito se agita,
E até a fria razão
Me diz que era bem bonita.

Como eu, a prima contava
Quatorze anos, me parece;
Mas minha tia afirmava
Que eram só, — nem tal me esquece!
Treze os que a prima contava.
Fique-lhe à tia essa glória,
Que em minha vivaz memória
Jamais a prima envelhece,
E sempre está como estava,
Quando, segundo parece,
Já seus quatorze anos contava.

Quantas horas, quantas horas
Passei ditoso ao seu lado!
Quantas passamos auroras
Ambos correndo no prado,
Ligeiros como essas horas!
Seria amor? Não seria;
Nada sei; nada sabia;
Mas nesse extinto passado,
De conversas sedutoras,
Quando me achava a seu lado
Adormeciam-me as horas.

De como lhe eu dei um beijo
É curiosíssima história.
Desde esse ditoso ensejo
Inda conservo a memória
De como lhe eu dei um beijo.
Sós, ao bosque, um dia, qual
Aquele antigo casal
Cuja inocência é notória,
Fomos por mútuo desejo,
A ali começou a história
De como lhe eu dei um beijo.

Crescia formosa flor
Perto de uma ribanceira;
Contemplando-a com amor,
Diz ela desta maneira;
— Quem me dera aquela flor!
De um salto à flor me atirei;
Faltou-me o chão; resvalei.
Grita, atira-se ligeira
Levada pelo terror,
Chega ao pé da ribanceira...
E eu, eu não lhe trouxe a flor.

De ventura e de alegria
A coitadinha chorava;
Vida minha! repetia,
E em meus braços me apertava
Com infantil alegria.
De gelo e fogo me achei
Naquele transe. E não sei
Como aquilo se passava,
Mas um beijo nos unia,
E a coitadinha chorava
De ventura e de alegria.

Depois,.. revoltoso mar
É nossa pobre existência!
Fui obrigado a deixar
Aquela flor de inocência
Sozinha à beira do mar.
Ai! do mundo entre os enganos
Hei vivido muitos anos,
E apesar dessa experiência
Costumo ainda exclamar:
Ditada minha existência,
Ficaste à beira do mar!

Lembranças daquela idade
De inocência e de candor,
Alegrai a soledade
Das minhas noites de dor.
Chegai, chegai,
Lembranças do que lá vai.

 

A. F. X. DE NOVAIS

Já da terrena túnica despida,
Voaste, alma gentil, à eternidade;
E, sacudindo à terra
As lembranças da vida, as mágoas fundas,
Foste ao sol repousar da etérea estância.

Nem lágrimas, nem preces
O despojo mortal do sono acordam;
Nem, reboando na mansão divina,
A voz do homem perturba
O espírito imortal. Ah! se pudessem
Lágrimas de homens reviver a extinta
Murcha flor de teus dias: — se, rompendo
O misterioso invólucro da morte,
De novo entrasses no festim da vida,
Alma do céu, quem sabe se não deras
A taça cheia em troco do sepulcro,
E agitando no espaço as asas brancas
Voltarias sorrindo à eternidade?

Não te choramos pois; descansa ao menos
No regaço da morte: a austera virgem
Ama os que mais sofreram; tu compraste
C’o a dor profunda o derradeiro sono.
Choram-te as musas, sim! choram-te as musas
Choram-te em vão, — que das quebradas cordas
Da tua lira os sons não mais despertam;
Nem dos festivos lábios
Os versos brotaram que outrora o povo
No entusiasmo férvido aplaudia.
Apenas (e isso é tudo!)
Fulge c’oa luz da glória
Teu nome. Os versos teus, garridas flores
De imortal primavera, enquanto o vento
Inúteis folhas pela terra espalha,
Celeste aroma à eternidade mandam.

Tu viverás. Não morre
Aquele em cujo espírito escolhido
A mão de DEUS lançou a flama do estro
Traz do berço o destino. Em vão, fortuna,
Lhe comprimes a voz, a voz prorrompe.
Tal o rochedo inútil
Ousa deter as águas;
A corrente prossegue impetuosa.
O campo alaga e a terra mãe fecunda.

 

ONTEM, HOJE, AMANHÃ

Ontem eu era criança
Que brincava nos delírios,
Entre murta, rosa e lírios,
No meio d’etéreos círios,
Nos brincos que a gente alcança;
Que sonho p’ra mim, que vida
Nas ânsias tão bem traída!
Que noites de tanta lida,
Nos gozos em que não cansa!
Hoje sou qual triste bardo
Cismando na virgem bela,
Nos meigos sorrisos dela;
Que, porém, já se desvela
Do futuro vir mui tardo!
— Pranteio na pobre lira,
Qual nauta que já suspira
Nas ânsias em que delira,
Nas chamas em qu’eu só ardo!

Amanhã serei no mundo
Perseguido em meu cansaço,
Sem já ter amigo braço
Que me ajude a dar um passo
Neste pego sem ter fundo;
Nem sequer a minh’amada
Se julgando mal fadada
Não virá mui namorada
Me mostrar um rir jucundo!

 

26 DE OUTUBRO

Ventos do mar, que há pouco sussurrando
As vozes dele ouvíeis namorados,
Ventos de terra, agora consternados,
Levai a nova do óbito nefando.

Castigo foi à nossa pátria, quando
Dele esperava alentos renovados,
E sentia viver aos grandes brados
Daquele gênio raro e venerando.

Claro e vibrante espírito, caíste,
Não ao peso dos anos, mas ao peso
Do teu amor à nossa pátria amada.

E ela que fica desvairada e triste,
Chora lembrando o verbo teu aceso,
Filho de Andrada, e portentoso Andrada.

 

AS NÁUFRAGAS
(Duas meninas cearenses que vinham no vapor “Bahia”)

“Verdes mares bravios, verdes mares
Do Ceará” — que a musa de Iracema
Cantou um dia, e que na hora extrema
Certo entreviu nos últimos olhares,

Ó verdes mares, onde essas crianças
Aprenderam brincando a andar ao largo,
Rir do vosso estertor válido e amargo,
E as águas bravas converter em mansas,

Cantai agora, murmurai contentes
De saber que ambas, débeis e valentes,
Viram a morte e não tremeram dela,

Antes, cortando as ondas insofridas,
Salvaram, mais que as suas próprias vidas,
Outra que nunca pôde ser mais bela.

 

AO DR. XAVIER DA SILVEIRA

Amigo, ao ler os versos saborosos
Que me mandou por vinte e um de junho,
Vi ainda uma vez o testemunho,
Dos seus bons sentimentos amistosos.

Há para os corações afetuosos
(Isto, que escrevo por meu próprio punho,
Não é força de rima, leva o cunho
Dos conceitos reais e valiosos),

Há para os corações, como eu dizia,
— Um perigo, a distância: — tal perigo
— Que as mais ardentes afeições esfria.

Inda bem que esse mal, por mais antigo
Que seja, não atinge, neste dia
Um verdadeiro coração de amigo.

 

13 DE MAIO

Brasileiros, pesai a longa vida
Da nossa pátria, e a curta vida nossa;
Se há dor que possa remorder, que possa
Odiar uma campanha, ora vencida,
Longe essa dor e os ódios seus extremos;
Vede que aquele doloroso orvalho
De sangue nesta guerra não vertemos...
União, brasileiros! E entoemos
O hino do trabalho.

 

SONETO
(Pela inauguração do Asilo de Órfãos de Campinas)

Recolhei, recolhei essas coitadas,
Tristes crianças, desbotadas flores,
Que a morte despojou dos seus cultores
E pendem já das hastes maltratadas.

Trocai, trocai as fomes e os horrores,
Os desprezos e as ríspidas noitadas
Pelos afagos dos peitos protetores,
Ensinai-lhes a amar e a ser amadas.

E quando a obra que encetais agora
Avultar, prosperar, subir ao cume,
Tornada em sol esta ridente aurora,

Sentireis ao calor do grande lume
Tanta ventura, que, se fordes tristes,
Jubilareis da obra que cumpristes.

 

RICARDO

Vive tu, meu menino, os belos anos
Junto dos teus, na doce companhia
Do que há de melhor em corações humanos,
E faze deste dia eterno dia.

 

VELHO TEMA

Esta ave trouxe de alguém
Algum recado
Talvez diga que aí vem
Um namorado.
Um namorado que tem
Do peito ao lado
Um coração que o sustém
De apaixonado.

Se não acudir alguém
Ao ansiado
É, porventura, um grã bem...
Por um recado
Já vi morrer aquém e além,
Por um recado...

 

POR ORA SOU PEQUENINA

Por ora sou pequenina
Mas, quando eu também crescer
Há de vir uma menina
Dizer o que vou dizer.

Vou dizer, noivos amados,
Que é doce e consolador
Ver assim dois namorados
Coroando o seu amor.

Casar é lei preciosa;
Casai, amigos, casai.
Beija-flor com rosa
Mamãe casou com papai,

Por isso, a viva alegria
Que enche a todos nós
É ser grande dia
Muito maior para vós.

Eis aí fica o meu recado
Adeus. Se for para bem
Que eu veja o casal casado
Crescendo, caso também.

 

NÃO HÁ PENSAMENTO RARO

Não há pensamento raro
Que aqui lhe diga
Melhor que o seu nome caro,
Gentil amiga.

 

VIVA O DIA 11 DE JUNHO

Viva o dia onze de junho,
Dia grande, dia rico,
Batalha do Riachuelo,
Dia dos anos do Tico.

 

VOULEZ-VOUS DU FRANÇAIS?

Voulez-vous du français, ou bien de notre langue?
Uma e outra lhe dou, Francisca, e não se zangue
Car pour dire d’un beau visage et son esprit,
Um nome basta — o seu — ce nom tout seu! suffit!

 

O GRITO DO IPIRANGA

Liberdade!… Farol divinizado! —
Sob o teu brilho a humanidade e os séculos
Caminham ao porvir. Roma as algemas
Quebrou dos filhos que a opressão lançara
Dentre a sombra de púrpura dos Césares,
Que envolvia Tarquínio em fogo e sangue,
Cheia de tua luz e estimulada
Por teu nome divino — essa palavra
Imensa como as vozes do Oceano.
Sublime como a ideia do infinito!
Tal como Roma a terra americana,
Um dia alevantando ao sol dos trópicos
A fronte que domina os estandartes,
Saudou teu nome majestoso e belo —
E o brado imenso — Independência ou morte! —
Soltado lá das margens do Ipiranga.
Foi nos campos soar da eternidade.

Desenrola nas turbas populares
Dos livres a bandeira o herói tão nobre,
Digno dos louros festivais que outrora
Roma dava aos heróis entre os aplausos
Do povo que os levava ao Capitólio!
Ele foi como o César de Marengo;
Sua voz como a lava do Vesúvio
Levada pela voz da imensidade
Foi do Tejo soar nas margens, onde
Estremeceu de susto o lusitano!

Ipiranga!… Ipiranga!… A voz das brisas
Este nome repete nas florestas!
Caminhante! Eis ali onde primeiro
Soou o brado – Independência ou morte! —
O homem secular levando as águias
Por entre os turbilhões de pó, de fumo,
Ostentando nos livres estandartes
O lúcido farol de um século ovante,
Mais sublime não foi nem mais valente
Que Pedro o herói, da América travando
Do farol da sagrada liberdade,
E acordando o Brasil, escravizado,
Sob férreos grilhões adormecido.

Somos livres! — Nas paginas da história
Nosso nome fulgura — ali traçado
Foi por Deus, que do herói guiando o braço,
Nas folhas o escreveu do eterno livro.
Somos livres! — No peito brasileiro
A ideia da opressão não se acalenta!
Somos já livres como a voz do oceano,
Somos grandes também como o infinito,
Como o nome de Pedro e dos Andradas!
Seja bendito o dia em que Colombo
César dos mares, afrontando as ondas,
À Europa revelou um Novo Mundo;
Ele nos trouxe o cetro das conquistas
Nas mãos de Pedro — o fundador do Império!
O herói calcando os pedestais da história,
Ergue soberbo aos séculos vindouros
A fronte majestosa! Imenso vulto!
É ele o sol da terra brasileira!
Neste dia de esplêndidas lembranças
No peito brasileiro se reflete
O nome dele — como um sol ardente
Brilha dourado no cristal dos prismas!

Tomando o sabre, dominou dois mundos
O herói libertador, valente e ousado!
Ele, o tronco da nossa liberdade,
Foi como o cedro secular do Líbano,
Que resiste ao tufão e às tempestades!
Ipiranga! Inda o vento das florestas
Que as noites tropicais respiram frescas
Parecem murmurar nos seus soluços
O brado imenso — Independência ou morte!
Qual o trovão nos ecos do infinito!

Disse ao guerreiro o Deus da Liberdade:
Liberta o teu Brasil num brado augusto,
E o herói valente libertou num grito!


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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