I
Portugal!...
A que horrível abismo te arroja ingrata a filha de teu
Rei!...
A filha do teu libertador!...
Aquela por quem espargiste o sangue de tuas veias com
tanta generosidade!...
Em que abismo tão profundo foste precipitada, pátria
minha miseranda!...
Nova Polônia, vendida a três nações, que te veneraram
já, que já provaram tua força e tua coragem!...
Portugal!...
Estrangulado entre as garras do Leopardo....
dilacerado pelos dentes do Leão.... e por escárnio picado com os esporões do
galo, que sobre o teu cadáver canta os hinos mortuários que a finada Polônia
ouvira quando posta em almoeda era vendida a quem mais dava!...
Portugal!...
De tanta glória passada, de tanta capacidade e
inesgotáveis recursos que ainda tens, de tanto patriotismo, dedicação, grandeza
de alma, que ficará?
Nem mesmo um nome que tenha alguma significação.
E aos vindouros nada quererá dizer esta palavra,
n'outras eras tão significativa — Portugal.
II
Rainha dos portugueses!...
Rainha pelos portugueses!...
Que hás feito dessa herança de virtudes que teu pai
comprou com a vida para ti?
Que hás feito da felicidade de teu povo a ti confiada?
Que lhes deste pelas suas esperanças?
Esse malfadado povo não tinha mais que a Deus e a ti.
Tu lhe faltas: e Deus punirá nele os teus pecados.
Rainha pelos portugueses!...
Juraram eles contigo o pacto de suas venturas: e a ti,
pelo que de ti deviam esperar, te deram inviolabilidade: e ainda, blasfemos em
suas palavras de amor por ti, disseram que Eras-Sagrada.
Eles obedeceram tanto; eles cumpriram tanto, e demais,
as condições desse pacto firmado a sangue de suas honrosas feridas de batalha,
que a fome, somente a fome lhes pode arrancar um brado suplicante, e aflito... e não muito alto dado... não muito
pungente... para não magoar teu coração... porque te julgavam sua mãe!...
A fome, somente a fome lhes inspirou uma queixa humilde.
E tu, Rainha pelos portugueses!...
Tu atiraste ao povo, que tinha fome, uma pedra com que
os dentes lhe quebraste, que ele esfaimado entreabrira, julgando que lhe
atiravas algum pedaço de pão, que sobejava de tua lauta mesa, que ele paga!
Rainha pelos portugueses!...
Como foi que tu cumpriste o pacto assinado por ti, com
lágrimas de saudade a teu pai votadas, e por teu povo com sangue derramado por
ti?...
Qual era a condição de tua inviolabilidade?
Cumpriste-a tu?
Não és tu mesma a confessar que transgrediste a lei
pela qual foste feita Rainha?
Tu mesma não prometeste a esse povo esfaimado de rogar
leis que fizeste contrarias à lei que te fez de mísera proscrita uma Rainha?
Tu mesma, submetendo-te a condições aviltantes não te degradaste
já de tua alta dignidade?
Tu mesma não és que derrubaste essa muralha de
corações devotos, que te amavam, que palpitavam por ti, e inviolável te faziam
e te guardavam?
Tu mesma não foste que deixaste cair o teu cetro de
ferro sobre essas cabeças, que te veneravam sagrada; e quase que te adoravam
divina?
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E às bocas esfaimadas atiras tu uma dura pedra!...
E sobre as línguas sequiosas gotejas tu, risonha de
escárnio, o fel amargo de tuas ingratidões!...
E nas faces de fome pálidas, que enrubesceram pelo teu
desamor, tu mandaste dar por estrangeiros muita bofetada!...
III
Em silêncio temos por cá pranteado os males de nossa
pátria: temos devorado as lágrimas: e sem nenhum murmúrio elevado temos a Deus
o nosso pensamento: e sobre seus altares temos por holocausto oferecido as
mágoas de nosso coração, por suplicar-lhe que afaste de nossa Pátria o seu
rigor, tão justo, mas tão pungente.
Com resignação cristã sofrido temos em nossos irmãos
todo esse rigor da justiça divina por mãos dos homens, irmãos nossos,
infligido.
Com fé de portugueses temos esperado que a
misericórdia divina transforme os nossos males em venturas.
É com dor, mais que acerba, que bem vemos não se
aplacar a justa ira do Senhor!
Tarde, bem tarde expiaremos as nossas culpas!
Tarde, bem tarde alcançaremos graça!
Porque a maldição de um Deus pesa sobre o lusitano
povo, como sobre o povo escolhido!
Porque um perjúrio, um sacrilégio tanto excitaram a
cólera celeste que muito longa e tormentosa terá de ser a expiação!
Porém diz-nos a consciência, animada pela fé robusta
de nossos pais, que muito e muito haverá de sofrer este povo escolhido; mas
sofrer não deverá ser ignomínia, aviltamento; porque ele é grande em sua
pequenez, que encerra um passado glorioso, um futuro providencial para a
felicidade, para a regeneração da caduca Europa!
A nossa voz rompe o silêncio dos irmãos nossos,
magoados, que choram pela Pátria, e se envergonham de que os vejam chorar em
terra alheia; e abafam seus gemidos para não parecerem ingratos, eles, que aqui
não sofrem, na terra mais hospitaleira e venturosa!
Egoísta, que por viveres abrigado de tantas misérias
não te importa a fome e a guerra, que vão matando os teus irmãos n'outro
hemisfério.
Devasso, que porque sobre a tua face não foi dada a
bofetada, tua face fica pálida, impassiva, indiferente à afronta que lá
sofreram, a duas mil léguas, os teus compatriotas.
Nenhum de vós se atreva a ler este papel.
IV
Rainha pelos portugueses!
O desamor de teus súbditos ao usurpador, teu tio,
entorpeceu-lhes os braços por tal forma que deixaram entrar uma esquadra
francesa pelo Tejo.
E o pavilhão francês, o pavilhão tricolor, essa
bandeira do povo, essa bandeira que a desgraçada Polônia julgava a cada
instante esperançosa ver tremular ao longe em socorro de seu último baluarte;
esse pavilhão mentiroso tremulou por algumas horas em algumas fortalezas de
Portugal.
Mas assim foi ainda, porque os portugueses, oprimidos,
esperavam proteção nesses estrangeiros para sacudir o jugo de um tirano, sem
derramar tanto sangue, quanto é o que a tua Coroa lhes tem custado.
Iludidos foram nas suas esperanças; e nunca lhes há de
passar a mágoa de não terem corrido todos, à voz de quem quer que fosse, para o
combate, para morrer abraçados à cruz de sua bandeira!
Triste necessidade, lhes nutrindo uma esperança, os
fez covardes, e tal desengano lhes há de enrubescer de vergonha sempre as faces
maceradas!...
E com que necessidade agora tu consentes que o
pavilhão da soberbíssima Inglaterra se árvore em terra de portugueses?
E em que lugar, em que torre ele se arvora, para
conservar preso um troço de portugueses, surpreendidos sem nenhuma declaração
de guerra?
Conheces aquela torre?
A torre de São Julião!....
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Naquela torre, cadafalso de Gomes Freire!...
Naquela torre, cujos alicerces estão ensopados de
sangue português, derramado gota a gota para ti, por mais de cinco anos....
Ali... ali se arvora a bandeira de Inglaterra, que tem
prisioneiros os teus súditos.... e a ti mesma.... a ti mesma, qual outra
Pomaré!...
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V
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Rainha! Rainha!
Sabes tu que muito sangue espargido nos cadafalsos
levou sobre ondas rubras que formava a tua pesada coroa através do Oceano para
sobre um rochedo inexpugnável?
Sabes que essas ondas de sangue aumentaram lá com o
furor dos combates? e sabes que refluindo até às praias do Mindelo trouxeram
para ti essa Coroa que deixas vacilar?
E sabes tu que para que ela fosse elevada até à altura
de tua cabeça foi necessário que a levasse aos ombros teu pai moribundo; que
ajudado por seus amigos subiu com muito
custo e muita dor uma pirâmide alta de cadáveres, em cuja face reclinada tu
dormias o sono da inocência?...
E sabes tu que apenas chegado ao ápice dessa pirâmide,
teu pai, dando sua alma a Deus, dando seu coração aos seus portugueses, e
colocando, já nos últimos suspiros, sobre a tua cabeça essa Coroa de tanto
preço, caiu morto, ele, entre os soldados rasos?!...
VI
Rainha! Rainha!
Esses soldados eram portugueses!
Esses cadáveres eram de portugueses!
Esse tanto sangue, derramado por ti, era sangue português!...
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Rainha! Rainha!
O trono em que te assentas é feito de ossos portugueses....
O teu manto de Rainha é vermelho por ser tinto com
sangue português....
A Coroa que tens na cabeça é a caveira de teu pai!....
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O cetro...
Somente o cetro é teu.... fabricado por ti.... de
ferro.... muito pesado para teu pulso débil....
VII
Rainha pelos portugueses!
Tu não quiseste ficar inviolável.
Não há de ser unicamente o ranger dos ossos que formam
o teu sólio, o que te avisará de que mal sentada estás, quando não fazes
justiça inteira.
Não será unicamente a cor vermelha de tua púrpura que
há de manchar-te a mão, quando a afastares de sobre a cabeça daquele que vem
pedir-te abrigo.
Não há de unicamente ser a caveira de teu pai, que
apertando-te as fontes quando te Esqueceres do que a Portugal deves, te poderá
fazer insuportável o peso dessa Coroa, não sustentada por mão de amigo, mas
encravada na tua cabeça pelas patas do Leopardo e do Leão, e pelos esporões do
galo.
E, como antes que São Pedro negasse o Divino Mestre, o
Galo cantará três vezes.
Rainha de Portugal, porque te degradaste abrindo tu
mesma as portas do teu reino para ser invadido?
Rainha dos portugueses, porque os não governaste
conforme os seus recursos e as suas necessidades, para que a fome os não
matasse, e a paz lhes desse prosperidade?
Rainha pelos portugueses, porque não quiseste firmar
todo o teu poder nesse amor dos portugueses, que por ti abriram suas veias e os
seus cofres?
...........................................................................
Tu não quiseste ficar inviolável; mas os teus súditos
são portugueses, leais, e cavalheiros; e tu para eles ainda és sagrada!
!...................................!.....................................!
Mata-os, mas não os aviltes.
VIII
Saiam já de nossa terra os Estrangeiros armados! E
onde quer que eles tenham arvorado o seu estandarte, erga-se para memória dessa
afronta uma alta cruz, e diga-se:
Aqui jaz Portugal,
que a seus filhos,
não tendo já nome que deixar,
legou
— Vingança —
porém vingança nobre:
a de haverem de amarem-se para
engrandecer-se,
para se regenerar.
XI
Rainha!
Manda o teu cetro de ferro para os teus arsenais.
Vê-lo-ás transformado em espadas, ancoras, pelouros, e
arados.
E os pulsos dos teus portugueses, ainda magoados das
algemas que lhes lançaste, verás como ganham vigor para defender-te, e para
humildes servir-te.
Humildes por amor!
Para levá-los ao combate, e depois do combate a seu
trabalho, toma tu uma leve cana, como teus avós fizeram, e vai, risonha, nobre
e compassiva, ante eles, que são teus filhos.
Levá-los-ás onde quiseres; porque, apesar do que hás
feito, eles te amam.
Leais cavalheiros, só querem que não te esqueças de
que és sua mãe, e de que nem mesmo entre as feras há mãe para consentir que
seus filhos sejam ofendidos por estrangeiros.
Tu crês que não és sua mãe, eles se consideram teus filhos,
e hão de amar-te, enquanto fores, ao menos madrasta sua e não estrangeira, tu,
que és filha de D. Pedro.
Se queres ser cruel embora o sejas.
Teus súditos são cavalheiros leais, que nunca tingiram
suas mãos no sangue dos seus Reis, no cadafalso, como fizeram já aqueles a que
recorres, aqueles cuja bandeira se arvora a teu reclamo, em terras de Portugal!
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Rainha pelos portugueses!
Teus súditos sofrerão tudo, tudo por ti; menos a infâmia
de uma bofetada por mão de regicidas.
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Rainha pelo amor e pelas armas de Portugal!
Preferes ser tirana?
Mata os portugueses tu mesma: não os Aviltes.
X
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E disse por derradeiro o procurador Del-Rei Lourenço
Viegas: "Quereis que o Senhor Rei vá às Cortes Del-Rei de Leão, ou lhe
pague tributo, ou a alguma outra pessoa, afora o Senhor Papa; que o apelidou
Rei?"— A esta voz surgiram todos, e com as espadas nuas e alçadas,
gritaram: "Livres somos, nosso Rei é livre, só às nossas mãos devemos a
nossa Liberdade: e qualquer Senhor Rei, que em tal consentir, morra por elo: e
se ainda não for Rei, nunca em nenhum tempo possa vir a reinar sobre nós.”—Aqui
El-Rei coroado, se ergueu outra vez, e floreando na direita a espada nua, disse
para todos; "Quanto hei lidado por vossas liberdades, assaz o sabeis vós.
Por testemunhas vos tomo, e por testemunhas a este meu braço e espada; se
alguém em tal consentir, morra por elo; e a ser filho ou neto meu, não
reine."
— Todos disseram: boa palavra, morrerão: "Rei,
que em alheio domínio consentir, não será de nós sofrido uma só hora no
trono."
— Ao que El-Rei pôs remate, com dizer "Assim se
faça."
---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.
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