3/03/2023

O Almada (Poesia), de Machado de Assis

O ALMADA
POEMA HERÓI-CÔMICO EM 8 CANTOS
(FRAGMENTOS)



CANTO PRIMEIRO

I
Musa, celebra a cólera do Almada
Que a fluminense igreja encheu de assombro.
E se ao douto Boileau, se ao grave Elpino
Os cantos inspiraste, e lhes teceste
Com dóceis mãos as imortais capelas,
Perdoa se me atrevo de afrontá-la
Esta empresa tamanha. Tu me ensina
A magna causa e a temerosa guerra
Que viu desatinado um povo inteiro,
Homens do foro, almotacés, Senado,
Oficiais do exército e do fisco,
Provinciais, abades e priores,
E quantos mais, à uma, defendiam
O povo, a Igreja e a régia autoridade.
........................................

II
E tu, cidade minha, airosa e grata,
Que ufana miras o faceiro gesto
Nessas águas tranquilas, namorada
De remotos, magníficos destinos,
Deixa que o véu dos séculos rompendo
A minha voz ressurja a infância tua.
Viveremos um dia aquele tempo
De original rudez, quando a primeira
Cor que se te mudou do muito afago
De mãos estranhas e de alheias tintas,
A tosca, ingênua fronte te adornava,
Não de joias pesada, mas viçosa
De folhagens agrestes. Quão mudada
Minha volúvel terra! Que da infância
Te poliu a rudez pura e singela?
Obra do tempo foi que tudo acaba,
Que as cidades transforma como os homens.
Agora a flor da juventude o seio,
Que as mantilhas despira de outra idade,
Graciosa enfeita; cresceras com ela
Até que vejas descambar no espaço
O último sol, e ao desmaiado lume
Alvejarem-te as cãs. Então, sentada
Sobre as ruínas últimas da vida,
Velha embora, ouvirás nas longas noites
A teus pés os soluços amorosos
Destas perpétuas águas, sempre moças,
Que o tamoio escutou bárbaro e livre...
Mas, quão longe o crepúsculo branqueia
Desse sol derradeiro! A asa dos séculos
Muita vez roçará teu seio amado
Sem desbotar-lhe a cor. Inda esses ecos
Das montanhas, que invade o passo do homem,
Hão de contar aos sucessivos tempos
Muito feito de glória. Estrênua, grande,
Guanabara serás... Oh! não encubras
O gesto de ambição e de vaidade,
De travessa, agitada garridice,
Tão amável, decerto, mas tão outro
Do acolhimento, do roceiro modo
Dos teus dias de infância. Justo é ele;
Varia com a idade o gosto; és moça,
E moça do teu século.

III
Reinava
Afonso VI. Da coroa em nome
Governava Alvarenga, incorruptível
No serviço do rei, astuto e manso,
Alcaide-mor e protetor das armas;
No mais, amigo deste povo infante,
Em cujo seio plácido vivia,
Até que uma revolta misteriosa
Na cadeia o meteu. O douto Mustre
A vara de ouvidor nas mãos sustinha.
........................................
Do forte e grande Almada que regia
A infante igreja.
........................................
........................................
Tal o vate cristão que os heróis mártires
Cantou piedoso, passeando um dia
Na velha terra grega, alar-se em bando
As mesmas aves contemplou, que outrora,
Rasgando como então o azul espaço,
Iam do Ilisso às ribas africanas.
........................................


CANTO SEGUNDO
I
........................................
II
Em doce paz agora refazendo
Tantas forças há pouco despendidas
Na crua guerra contra o vão Senado
Que, sobre ser desprimoroso e bronco,
Era um grande atrevido, e imaginava
Atar-lhe as bentas mãos, vedar-lhe o passo,
Se da antiga capela à várzea humilde
(Para poupar às reverendas plantas
A subida da íngreme ladeira)
O mártir Sebastião mudar quisesse,
Às sombras se acolheu da casa sua
O regedor da fluminense igreja.
Não de outra sorte o ríspido pampeiro,
Depois que os campos e revoltos mares
Desabrido varreu, as asas frouxas
De novo enrola, o ímpeto refreia
E à morada dos Andes se recolhe.

III
Então a Gula, que jamais lograra
De todo triunfar na infante igreja,
A vil Preguiça revoando busca
E vai achá-la cochilando à porta
De um amável garção, que os bens houvera
E o nome dos avós, à custa ganhos
De muita cutilada e muita lança
Em África metida. Ali com ela
Descem Indigestões e Apoplexias,
Sua querida e diligente prole;
Umas pálidas são, outras vermelhas,
E todas ofegantes e cansadas,
De esvaziar boticas sem descanso
E encher continuamente os cemitérios.
Com a pesada planta a Gula toca
O peito da Preguiça, que estremece,
Abre os olhos a custo, a custo a língua
A mastigar começa alguma frase;
Quando a Irmã, nestas vozes prorrompendo,
A palavra lhe corta: "Será crível
Que do nosso poder sempre mofando
Só a Ira governe há tanto tempo
A fluminense igreja, e que o prelado,
Das nossas armas em desdouro eterno,
Num perpétuo lidar empregue os dias,
Que nem ócios, nem jogos, nem banquetes
A raiva lhe moderem? Mana amiga,
Dentro em breve prostradas ficaremos.
Que o poder usurpando a pouco e pouco
Ela só reinará no mundo inteiro".

IV
Deste jeito falando a voraz Gula,
Os brios da Preguiça abala e acorda,
E a lembrança lhe traz desconsolada
De quantas vezes a terrível Ira
As obras malogrou das artes suas.
"Vamos (lhe diz) a cercear-lhe o gosto
Do triunfo. Propício ensejo é este
Mais que nenhum; esse revolto oceano
Que dois mundos divide, a acender guerras,
A rebelar o coração dos homens
A bárbara transpôs". Isto dizendo,
Toma nos braços a Preguiça e voa,
Com certa frouxidão cortando os ares,
E a Guanabara descem. Entre a ermida
Que ao nazareno artífice votara
A piedade cristã, e esse edifício
Que albergue foi de míseros culpados,
E onde hoje troa o popular Congresso,
A casa do prelado aos olhos surge.
Ali descendo a Gula e a Preguiça
Invisíveis penetram, e nos braços
O fogoso pastor e seus amigos
Sem muito esforço ao coração apertam.

V
Adeus, guerras! Adeus férvidas brigas!
Os banquetes agora e as fofas camas,
Os sonos regalados e compridos,
As merendas, as ceias, os licores
De toda a casta, as frutas, as compotas
Com intervalos de palestra e jogo,
A vida são do jovial prelado.
Ele a queda não vê do grande nome,
Inda há pouco temido; nem as chufas
Lhe dão abalo no abatido peito.
Em vão algum adulador sacristã
Os ditos da cidade lhe levava,
As dentadas anônimas da gente
Maliciosa e vadia; o grande Almada
Às denúncias do amigo vigilante
Os nédios ombros encolhia apenas,
Fleumático sorria, e um bocejo
E c'um arroto respondia a tudo.

VI
Com ele os dias docemente passam
Dez ou doze ilustríssimos amigos,
Entre os quais a figura majestosa
Campeava do profundo Vilalobos,
Que era a flor dos doutores da cidade,
Vigário do prelado, e a mais robusta
Das colunas da igreja fluminense.
O pregador Veloso ali brilhava
Pelas risadas com que ouvia as chufas
Do ínclito prelado, de quem era
Convencido capacho, e que esperava
A posição haver de Vilalobos
Que a tribo lhe empregou dos seus parentes.
Esse era o pregador das grandes festas,
De tal quilate e tão profunda vista,
Que quando orava em dias de quaresma
Analisava os textos, e exprimia
A doutrina evangélica de modo
Que a não reconhecera o próprio Cristo.

VII
Segue-se o impávido escrivão Cardoso,
Que mede nove palmos de estatura,
E tem força no pulso como gente,
E inda é mais destemido que forçoso.
O Lucas, com quem foi ingrata e avara,
Ao dar-lhe entendimento, a natureza,
Também ali com eles palestrava.
E, sem nada entender, de tudo ria;
Mas, sendo sempre igual, a madre nossa
Em estômago o cérebro compensa
Ao gordo comilão, que não contente
De devastar as nobres iguarias
Quando na casa do prelado come,
Com os olhos devora, inda faminto,
A tamina dos pretos da cozinha.
Vinha depois o Nunes, o Duarte,
E quatro ou cinco mais; porém faltava
Meia dúzia de padres venerandos,
Em quem poder não teve a Gula nunca,
Nem a mole Preguiça, e que enjoados
Da vida solta que viviam esses,
As sandálias à porta sacudindo,
Da aborrecível casa se alongaram
Levando n'alma a austeridade antiga
E a pureza imortal da santa igreja.

VIII
Os mais deles em frívola conversa,
Os sucessos do dia comentavam.
Ali o alcaide-mor e o seu governo,
Entre contínuas mofas e risadas,
Dos amáveis ferrões picados eram,
E bem assim o temerário Mustre
Que de si mesmo cheio, presumia
Ter o rei na barriga, e na cabeça
Toda a ciência humana concentrada.
Vinha depois algum picante caso
De monacal discórdia, ou de profana
Namoração que o Nunes abelhudo,
Para o baço espraiar do grande Almada,
E fazer jus às boas graças dele,
Pelas ruas colhia, e temperava
De combinadas pausas e trejeitos.

IX
Finalmente falavam da aventura
Do almotacé Fagundes, que, dançando
Na Rua do Alecrim com suma graça,
Tão derretido contemplava as moças
Que de ventas caiu no pó da sala.
Ao vê-lo na ridícula postura,
Desataram a rir as cruéis damas,
Os gemidos cessaram das rebecas
E pôs-se toda a casa em rebuliço;
Até que o triste e pálido gamenho,
O corpo levantando e mais o ramo
De flores que no peito atado havia,
Foi na cama chorar o seu desastre.

X
Iam assim as horas desfiando
Os mandriões sagrados quando a nova
Da vitória das duas gordas culpas
Troa às orelhas da terrível Ira.
Sobre um campo voando de batalha
Ela os olhos pascia; ela no sangue
Satisfeita mirava o duro rosto;
Súbito estaca; as ríspidas melenas
Impetuosa sacode; e sufocando
Um rugido feroz dentro do peito,
Rompe, como um tufão, da terra às nuvens,
Os ares corta e à bela terra desce
Que houve de Santa Cruz a lei e o nome.
Enfim assoma ao áspero penedo
Que a jovem Niterói, como atalaia,
Eternamente guarda. Alguns instantes
Dali contempla os tetos da cidade,
E, outra vez devolvendo impetuosa
As rubras asas, atravessa o golfo,
E firma os pés na desejada praia.

XI
Tudo jazia em paz. Eis que um barbeiro
Que de um vizinho escanhoava o rosto,
De mil alheios casos discursando,
Irrita-se de súbito, e de um golpe
Acaba no freguês a barba e a vida.
Não distante, no célebre Colégio,
Dois enxadristas de primeira plana
Uma grave batalha pelejavam
Assentados na cerca. O Doutor Lopes,
Não sei se com razão, se por descuido,
Come um cavalo ou torre ao Padre Inácio.
Este reclama; aquele encolhe os ombros;
Encaram-se com gesto de desprezo,
Passam do gesto à voz, da voz ao pulso,
Engalfinham-se, rolam pela terra,
Bufam, rasgam-se, mordem-se, desunham-se,
E assim mordidos e rasgados ambos
No chão sem vida longo tempo jazem.

XII
E também ela à fresca sombra posta
Do copado arvoredo, reclinada
Sobre a urna gentil das águas suas,
A Carioca estremeceu. Nas veias
Sente pular-lhe o sangue. Rubras flores
De cajueiro e parasitas que ela,
Para toucar-se, co’os mimosos dedos
Entretecia, desparzidas todas
As lançou na corrente. Qual outrora
Quando por essas praias ressoava
O som da inúbia, palpitar-lhe sente
Mais forte o coração. Súbito irada
Os negros fios ásperos sacode
Que ao longo da trigueira espádua caem,
E veloz arrojando-se nas ondas,
Sublevá-las intenta; encher com elas
Campos e montes... Infeliz! Cansada,
Arquejante e chorosa se recolhe;
Não ficou Natureza de seus braços
Tamanha empresa; e a linfa que murmura,
Como sentida dos maternos males,
Lânguida volve as preguiçosas ondas.

XIII
De tais sucessos desdenhando a Ira
À casa se encaminha do prelado.
Já não arde o furor nos olhos dela;
Pensativos os leva; um meio busca,
Um decisivo golpe com que abale
A adormecida igreja, quando a tunda
Ocorre do tabelião pacato
Freire, amador de moças e aventuras.
Quem as armas brandiu daquele crime?
As mãos dos servos do prelado foram.
Este caso em seu íntimo revolve
A fera culpa; os olhos fita; pensa...
Repentino sorriso os lábios lhe abre;
Arreganho disséreis de faminto
Jaguaruçu; achado é o grande golpe.
As asas bate a Ira e revoando
À casa vai do esmorecido Freire.


CANTO TERCEIRO

I
........................................
........................................

II
Que lance há aí nessa comédia humana,
Em que não entrem moças? Descorada,
Como heroína de romance de hoje,
Alva, como as mais alvas deste mundo,
Tal, que disseras lhe negara o sangue
A madre natureza, Margarida
Tinha o suave, delicado aspecto
De uma santa de cera, antes que a tinta
O matiz beatífico lhe ponha.
Era alta e fina, senhoril e bela.
Olhos, tinha-os da cor incerta e vaga
Que não é puro azul nem alvo puro,
Antes combinação de ambas as cores.
Mas tão sutil no entanto e tão perfeita
Que não há decidir. Garços lhes chamam,
E, se não mentem fábulas gentias,
Minerva os tinha assim. Nunca mais vivo
Transparecera em rosto de donzela
Vergonhoso pudor, agreste e rude,
Que até de uns simples olhos se ofendia,
E chegava a corar, se o pensamento
Lhe adivinhava anônimo suspiro
Ou remota ambição de amante ousado.
Era vê-la, ao domingo, caminhando
À missa, co’os parentes e os escravos,
A um de fundo, em grave e compassada
Procissão; era ver-lhe a compostura,
A devoção com que escutava o padre,
E no agnus dei levava a mão ao peito,
Mão que enchia de fogos e desejos
Dez ou doze amadores respeitosos
De suas graças, vários na figura,
Na posição, na idade e no juízo,
E que ali mesmo, à luz dos bentos círios,
(Tão de longe vêm já os maus costumes!)
Ousavam inda suspirar por ela.

III
Entre esses figurava o moço Vasco.
Vasco, a flor dos vadios da cidade,
Namorador dos adros das igrejas,
Taful de cavalhadas, consumado
Nas hípicas façanhas, era o nome
Que mais na baila andava. Moça havia
Que por ele trocara (erro de moça!)
O seu lugar no céu; e este pecado,
Inda que todo interior e mudo,
Dois terços lhe custou de penitência
Que o confessor lhe impôs. Era sabido
Que nas salas da casa do governo,
Certa noite, de mágoa desmaiaram
Duas damas rivais, porque o magano
As cartas confundira do namoro.
Estas proezas tais, que o fértil vulgo
Com aumentos de casa encarecia,
E a bem lançada perna, e o luzidio
Dos sapatos, e as sedas e os veludos,
E o franco aplauso de uns, e a inveja de outros,
O cetro lhe doaram dos peraltas.

IV
E contudo, era em vão que à ingênua dama
A flor do esquivo coração pedia;
Inúteis os suspiros lhe brotavam
Do íntimo do peito; nem da esperta
Mucama, — natural cúmplice amiga
Desta sorte de crimes, lhe valiam
Os recados de boca; — nem as longas,
Maviosas letras em papel bordado,
Atadas com a simbólica fitinha
Cor de esperança, — e olhares derretidos,
Se a topava à janela, — raro evento,
Que o pai, varão de bolsa e qualidade,
Que repousava das fadigas longas
Havidas no mercado de africanos,
Era um tipo de sólidas virtudes
E muita experiência. Poucas vezes
Ia à rua. Nas horas de fastio,
A jogar o gamão, ou recostado,
Com um vizinho, a tasquinhar nos outros,
Sem trabalho maior, passava o tempo.

V
Ora, em certo domingo, houve luzida
Festa de cavalhadas e argolinhas,
Com danças ao ar livre e outros folgares,
Recreios do bom tempo, infância d´arte,
Que o progresso apagou, e nós trocamos
Por brincos mais da nossa juventude
E melhores decerto; tão ingênuos,
Tão simples, não. Vão longe aquelas festas,
Usos, costumes são que se perderam,
Como se hão de perder os nossos de hoje,
Nesse rio caudal que tudo leva
Impetuoso ao vasto mar dos séculos.

VI
Abalada a cidade quase tanto
Como nos dias de solene festa
Da grande aclamação, de que inda falam
Com saudade os muchachos de outro tempo,
Varões agora de medida e peso,
Todo o povo deixara as casas suas.
Grato ensejo era aquele. Resoluto
A correr desta vez uma argolinha,
O intrépido mancebo empunha a lança
Dos combates, na fronte um capacete
De longa, verde, flutuante pluma,
Escancha-se no dorso de um cavalo
E armado vai para a festiva guerra.

VII
Ia a passo o corcel, como ia a passo
Seu pensamento, certo da conquista,
Se ela visse o brilhante cavaleiro
Que, por amor daqueles belos olhos,
Derrotar prometia na estacada
Um cento de rivais. Subitamente
Vê apontar a ríspida figura
Do ríspido negreiro; a esposa o segue
E logo atrás a suspirada moça,
Que lentamente e plácida caminha
Com os olhos no chão. Corpilho a veste
De azul veludo; a manga arregaçada
Até à doce curva, o braço amostra
Delicioso e nu. A indiana seda
Que a linha mão da moça arregaçava,
Com aquela sagaz indiferença,
Que o demo ensina às mais singelas damas,
A furto lhe mostrou, breve e apertado
No sapatinho fino, o mais gracioso,
O mais galante pé que inda há nascido
Nestas terras: — tacão alto e forrado
De cetim rubro lhe alteava o corpo,
E airoso modo lhe imprimia ao passo...

VIII
Ao brioso corcel encurta as rédeas
Vasco, e detém-se. A bela ia caminho
E iam com ela seus perdidos olhos,
Quando (visão terrível!) a figura
Pálida e comovida lhe aparece
Do Freire, que, como ele namorado,
Contempla a dama, a suspirar por ela.
Era um varão distinto o honrado Freire,
Tabelião da terra, não metido
Nas arengas do bairro. Pouco amante
Dessa glória que tantas vezes fulge
Quando os mortais merecedores dela
Jazem no eterno pó, não se ilustrara
Com atos de bravura ou de grandeza,
Nem cobiçara as distinções do mando.
Confidente supremo dos que à vida
Dizem o último adeus, só lhe importava
Deitar em amplo in folio as derradeiras
Vontades do homem, repartir co’a pena
Pingue ou magra fazenda, já cercada
De farejantes corvos, — grato emprego
A um coração filósofo, e remédio
Para matar as ilusões no peito.
Certo, ver o usuário, que a riqueza
Obteve à custa dos vinténs do próximo,
Comprar a eterna paz na eterna vida
Com biocos de póstumas virtudes;
Em torno dele contemplar ansiados
Os que, durante longo-áridos anos,
De lisonjas e afagos o cercaram;
Depois alegres uns, sombrios outros,
Conforme foi silencioso ou grato
O abastado defunto, — emprego é esse
Pouco adequado a jovens e a poetas.

IX
Jovem não era nem poeta o Freire;
Tinha oito lustros e falava em prosa;
Mas que és tu, mocidade? e tu, poesia?
Um auto de batismo? quatro versos?
Ou brancas asas da sensível pomba
Que arrulha em peito humano?
Único as perde,
Quem o lume do amor nos seios d'alma
Apagar-se-lhe sente. A névoa pode
Qual turbante mourisco, a cumeada
Das montanhas cingir da nossa terra,
Que muito, se ao redor viceja ainda
Primavera imortal?
Um dia, ao vê-la
De tantos requestada a esquiva moça,
Sente o Freire bater-lhe as adormidas
Asas o coração. Que não desdoura,
Antes lhe dá realce e lhe desvinca
A nobre fronte a um homem da justiça,
Como os outros mortais, morrer de amores;
E amar e ser amado é, neste mundo,
A tarefa melhor da nossa espécie,
Tão cheia de outras que não valem nada.

X
Margarida no entanto ia caminho.
E, ou fosse intenção, ou fosse acaso,
A linda moça um ramo que trazia
De alvas saudades entre os lindo dedos,
Deixa-lho aos pés cair. Quem vos pudera
Pintar o regozijo, o espanto, a glória
Que transluziu de súbito no rosto
................ Já trêmulo se curva,
A apanhar satisfeito a odiosa prenda...
.....................................................

Quando rubro de cólera e despeito
Pica as esporas, galga de um só lance
O pequeno intervalo, e mais depressa
Do que cruza um fuzil nos turvos ares,
Ou muda de lugar vadia estrela,
Co’a pata do ginete o ramo abafa
E estas palavras furiosas solta:
“Vilão! suspende ou morres!” Amarelo
Como lauda de pública escritura
Que envelheceu, e trêmulo de medo,
O Freire recuou. Desmonta e apanha
As pobres flores; respeitoso as beija,
E com elas adorna as plumas do elmo.
Depois fitando com desprezo o triste
Tabelião, lhe brada: "Se inda ousares
Os olhos levantar àquela dama,
O castigo hás de ter da audácia tua;
Não bárbaro, decerto, que não vale
Tua pessoa a pena de um delito;
Mas ridículo, sim; um tal castigo
Que na memória fique da cidade,
Que as mães contem às filhas casadeiras,
E de eterna irrisão teu nome cubra".
Disse, e montando no corcel que estava
Impaciente de voar à liça,
Dali se foi a largo trote, enquanto
Oposto rumo furioso segue
O abatido rival.

XI
Ora, uma noite, após conversa longa,
Freire encostado ao muro, ela à janela,
Naquele doce olvido de si mesmos
Em que toda se envolve a alma encantada,
Após ardentes e trocados beijos,
Trocados... mas de longe, — a bela moça:
"Adeus! (murmura) É tarde; vai-te embora.
Se papai nos descobre, estou perdida.
Foge, meu doce amor; olha, não percas,
Por um instante mais, toda a ventura
Que nos aguarda em breve. Tanta gente
Tem inveja de ti! Não sei, receio;
Fala-me o coração..." — Com voz macia,
Replica o namorado: "Importa pouco,
Ó minha bela Margarida, a inveja
De tão frouxos rivais. Se for preciso,
Eu, que sou tão pacato, a todos eles
Darei uma lição de tanto peso
Que inda depois de mortos e enterrados,
Lhes doerá nas abatidas costas.
Que queres? Minha força és tu; teus olhos
Para mim valem mais que cem espadas.
Com eles na memória, amada minha,
Nada temo na terra; um regimento,
Um touro bravo, cem medonhas cobras,
Uma horda guerreira de tapuias,
Tranquilo afrontarei, se a tua vida,
Se o nosso amor, de os afrontar dependem".

XII
Assim falou o Freire; e despedidos
Um do outro com juras e protestos,
Depois de muitas e bonitas coisas,
Desapareceu a bela Margarida,
Enquanto o resoluto namorado
Para os lares inclina a ousada proa.
Não cuides tu, taful do tempo de hoje,
Que ao toque da alvorada à casa tornas,
Cantarolando uma ária que a Lagrange
Nos desvãos da memória te há deixado,
Que era fácil então, nas horas mortas,
Andar desertas ruas. Treva espessa
O caminho escondia. Gás nem óleo
Os passos alumiava ao caminhante
Que não trouxesse a clássica lanterna.
E lanterna traria um namorado
Que andava às aventuras? Bom piloto
Da cidade natal, lá ia o Freire
Sem muito tropeçar buscando os lares.
Cem quimeras, batendo as asas leves,
Lhe revoam na mente. Ele imagina
Que o velho pai da moça, perdoando
A secreta paixão, lhe entrega a filha
E seu genro o nomeia; que a cidade
De outro assunto não fala uma semana.
Já o casto véu de noiva lhe arrancava
Com as sôfregas mãos...

XIII
Confusas vozes
Ouve subitamente a poucos passos;
Dez vultos surgem, vinte braços se erguem,
E dez golpes de junco lhe desdouram
A descuidada espádua. O pobre Freire,
Para ameigar ou convencer os bárbaros,
Um discurso começa; mas sentindo
A cada frase dez protestos juntos,
A tangente procura das canelas,
E a correr deita pelas ruas fora.
Então, começa a tenebrosa e longa
Odisseia de voltas e revoltas,
Que em suas vastas regiões etéreas
As lúcidas estrelas contemplaram
A rir à solta, a rir de tal maneira
Que todo o espaço foi sulcado logo
De lágrimas brilhantes, — meteoros
Lhes chama a veneranda astronomia.
Ei-lo que volta rápido as esquinas,
Os passos negaceia, aqui descansa,
Ali tenta ameaçar os seus algozes,
Vinte vezes tropeça e cai por terra,
Vinte vezes ligeiro se levanta,
Grita, voa, murmura, implora e geme,
‘Té que, ofegante de cansaço e medo,
Na lagoa parou da Sentinela.

XIV
Com os ossos moídos, e vexado
Da triste posição em que se vira,
O miserável amador na cama
Foi lastimar os brios e as costelas;
E já nas mãos de um benfazejo sono
O espírito entregava, quando a Ira
Com asas de cor de fogo, lhe aparece,
E deste modo fala: “Que sossego,
Que covardia é essa que te embarga
A voz para punir tamanha injúria
De um rival?... Sim, rival, que em seu desforço,
Dez homens apostou? Pois sabe, ó mísero,
Que o teu futuro do castigo pende;
A sentença que houver punido o infame,
Caminho te abrirá para as venturas
Íntimas, conjugais. Fortuna é dama
Que os corações medrosos aborrece.
Despe a modéstia que te peia os braços;
Vai ao Mustre falar; expõe-lhe a queixa,
E vinga de um só lance o amor e o brio!”

XV
Disse, o teto rompeu, voou no espaço.
Era sonho ou visão? Por largo tempo,
Entre um grupo de pálidas estrelas,
A figura agitara as rubras asas,
Té que se ouviu um singular estrondo
Remoto e prolongado. Ninguém soube
A causa disto, mas afirma um cabo
De ordenanças ter visto alguns minutos
Sobre a Gávea chover enxofre e cinzas.


CANTO QUARTO

I
Já sobre os tetos da cidade infante
Novembro as asas cálidas abria,
Que mil ásperos ventos intumescem
E outras tantas famosas trovoadas
Clássicas, infalíveis dos bons tempos,
Quando o leito buscando o forte Almada
A sesta foi dormir como costuma.
Cheio ainda dos gabos do Veloso,
Que num longo sermão daquele dia,
Com arte e jeito o nome seu alçara
Muito acima das nítidas estrelas;
Estende-se na cama; e a fantasia,
Naquele bruxulear em que não vela
Nem dorme ainda a humanidade nossa,
Começa de pintar-lhe um vasto quadro
De grandezas futuras. Vê as águas
De Niterói rasgando a nau famosa
Que o levaria às águas da Ulisseia,
Para o bago empunhar do arcebispado.
Nem só isso, que o papa, desejando
De tal sujeito coroar os méritos,
Cede à insinuação da Companhia,
E lhe manda o chapéu cardinalício
Com mais duas fivelas de esmeralda.

II
Já mais dormido que acordado estava,
E na região das lúcidas quimeras
Todo se lhe engolfava o ânimo ardente,
Quando uma voz subitamente o acorda.
Era a terrível Ira, que tomando
A figura de Vasco, seu sobrinho,
Na alcova entrou bradando desta sorte:
“Oh que afronta, meu tio! que desonra!
Quem tal dissera? O tresloucado Mustre,
O ouvidor atreveu-se...” Isto dizendo
Numa cadeira cai; salta da cama
Aturdido o prelado e lhe pergunta
Que afronta, que ousadia, que mistério
Anunciar-lhe vem daquele modo.
Então a Ira, revolvendo os olhos,
Com voz surda lhe diz que o fero Mustre
Atrevera-se a abrir uma devassa
Entre os servos da Sua Senhoria.

III
Como a galinha, que travesso infante
De alguns queridos pintos despojara,
Na defesa da prole irada avança,
Tal rugindo de cólera descreve
Em quatro passos a comprida alcova
O grande Almada. Súbito estacando,
A vista crava no vazio espaço.
Ali (milagre só da roaz cólera!)
Vê a figura do atrevido Mustre;
E com olhos, com gestos, com palavras
O ameaça de morte e lhe anuncia
Que há de eterna vergonha os ossos dele
Insepulto levar de idade a idade.
“Tão incrível (diz ele), enorme audácia
De vir meter as mãos no que pertence
À minha eminentíssima pessoa
Um castigo há de ter, — exemplo raro,
Que servirá de público escarmento,
E de algum pasmo aos séculos futuros!”

IV
Disse; e, tomado de furor estranho,
Gesticulando sai; e enquanto a tarde
Pela morena espádua o véu devolve
Com que baixa a montanha e à várzea desce,
Concentrado vagou de sala em sala.

V
Longa a noite lhe foi; áspero catre
Os macios colchões lhe pareciam
Ao pastor fluminense, que cem vezes,
Que cem vezes fechara os tristes olhos,
Sem conseguir dormir a noite inteira.
No cérebro agitado lhe traçava
A mão da Ira mil diversos planos
Contra o fero ouvidor. Ora imagina,
Em saco estreito atado na cintura,
Mandar deitá-lo aos peixes; longos anos
Encerrá-lo em medonho, escuro cárcere;
Ou já numa fogueira, concertava
Pelas discretas mãos do Santo Ofício,
Esmero d'arte e punição de hereges,
Como um simples judeu, torrá-lo aos poucos.

VI
Mas, de baldados sonhos fatigado,
O prelado da cama se levanta.
Enfia as cuecas, os pantufos calça
E manda ali chamar o seu copeiro.
Corre Anselmo trazendo respeitoso
De alvo grosso mingau ampla tigela
Com que o prelado consolar costuma,
Antes de se voltar para outro lado,
O laborioso estômago, e ao vê-lo
De pé, meio vestido e tão esperto,
Os olhos espantados arregala
E exclama: "Santo Deus! a estas horas!
Que milagre, senhor, ou que promessa
Fez vossa senhoria que o obrigue
A tão cedo deixar sua cama?"
— "Anselmo, nem milagre, nem promessa
(Responde o grande e valoroso Almada).
Se eu fiz hoje uma coisa nunca vista,
Se eu precedi o sol nesta cidade,
Causa única foi um grave assunto
Que o sono me tolheu a noite inteira.
Ao cozinheiro vai da minha parte,
Dize-lhe que um jantar de dez talheres,
Sem olhar a despesas me prepare,
Que hoje quero brindar por certa causa
Alguns amigos meus. Do teu antigo
Zelo confio, como sempre, a mesa;
Deita os cristais abaixo; na de Holanda
Toalha que mais fina houver na casa,
Com arte me dispõe, com simetria,
A baixela melhor."

VII
Isto dizendo,
A matutina refeição despacha;
Murmurando de cólera se veste,
E roxo como a renascente aurora,
Chama um lacaio e um bilhetinho manda
Às colunas da igreja fluminense.
Tal o prudente capitão, se as armas,
Que até ali defendeu, vexadas foram,
A conselho convoca os demais cabos,
E do ousado inimigo prontamente
Decretam juntos a vergonha e a morte.

VIII
Quando veio o jantar, sombrio e mudo,
Sentou-se o grande Almada e, mastigando,
Com distraído gesto, alguns bocados,
Nenhuma frase de seus lábios solta.
Debalde o Vilalobos, seu vigário,
Todo se remexia na cadeira;
Debalde o médio Lucas consultava
Os seus colegas, desejosos todos
De irem dormir a costumada sesta;
A misteriosa causa do silêncio
Em que o prelado jaz ninguém descobre.
Enfim, o grande Almada se levanta,
E para a ceia diferindo o caso
(Tanto nele inda a cólera rugia!)
Sem a bênção e as rezas de costume
Tornou da mesa extinta ao fofo leito;
Doce exemplo que os outros imitaram,
E em desconto de algum perdido tempo,
Dormiram muito além de ave-marias.

IX
Mas o Veloso, adulador e astuto,
Não conseguiu dormir. Em vão na cama
As posições mudava; o pensamento
Velava inteiro e afugentava o sono.
Maravilha era essa, e grande, e rara,
Pois entre os dorminhocos desse tempo
Tinha lugar conspícuo; antes das nove,
Sem embargo da sesta, era defunto,
E nunca ouvira o despertar do galo.

X
Quando, ao sinal da ceia, aparelhados
Correram todos à pejada mesa,
Antes de se sentar, silêncio pede
O Veloso e, três vezes a cabeça
Curvando, fala: “Se partis conosco
Magnânimo prelado, as alegrias,
Por que as mágoas furtais aos nossos olhos?
Ah! dizei que importuna, estranha causa
Melancólico véu no amado rosto
Desde o jantar vos pôs! Debalde busco
A razão descobrir de tal mudança.
Dar-se-á que, por descuido da cozinha,
Na sopa entrasse o fumo? Eu, se não erro,
Vestígios dele achei, posto que a pressa
Com que a sopa comi me disfarçasse
De algum modo o sabor. Ou, no trajeto
Daqui à Sé, algum clérigo novo
Vos faltou co’a devida reverência?
Contai, senhor, contai a amigos velhos
Males que deles são!”

XI
A tais palavras,
Com o punho cerrado sobre a mesa,
O prelado despede um grande golpe
Que faz tremer terrinas e garrafas
E apaga a cor nos lábios do Veloso.
Logo mais sossegado, e perpassando
Pela douta assembleia um olhar grave,
Encara o pregador; e dando à fala
Menos rude expressão, assim responde:
“— Não, amigo, a razão da minha cólera
Nenhuma dessas foi. A baixa inveja
Do presumido Mustre, a quem basbaques
Tecem descompassados elogios
E cujo nome nas tabernas brilha,
Isto só me acendeu dentro do peito
Desusado furor. Vós do meu cargo
Companheiros fiéis, que com diurna,
Noturna mão versais minha alma inteira,
Uma parte tomai da funda mágoa
E ajudai-me a punir tamanha afronta!”

XII
Aqui refere o caso da devassa
Que aos figadais, solícitos amigos,
Lhes arrepia as carnes e o cabelo,
E desta sorte acaba o seu discurso:
"Eu merecera arder no eterno fogo
Que o cão tinhoso aos pecadores guarda,
Viver de bacalhau toda a quaresma,
Dormir três horas numa noite inteira,
Se esse infame ouvidor, parto do inferno,
Triunfasse de mim, e ao riso e às chufas
Me expusesse da plebe e dos lacaios.
Que diriam de mim nesses conventos,
Focos de luz, onde o meu nome há muito
De tão ilustre ofusca os outros nomes,
Qual a um raio se vê do sol brilhante
Da noite os claros lumes desmaiarem?
Eia! a afronta comum igual esforço
De todos nós exige. As vossas luzes
Me ajudarão neste difícil caso,
E se inda o mundo não perdeu de todo
O lume da justiça, aquele biltre,
Que tão cheio de si anda na terra,
Tamanho tombo levará do cargo
Que estalará de espanto e de vergonha.”

XIII
Assim falou Almada, e toda a mesa
Lhe aprovou o discurso. O Vilalobos,
Em quem os olhos fita o grão prelado,
Algum tempo medita um bom alvitre,
E ia já começar a sua arenga
Quando o astuto Veloso a vez lhe toma:
“Minha ideia, senhor, é que esse infame
Nem alma, nem vigor, nem bizarria
Houve do céu, e que abater-lhe a proa
O mesmo vale que esmagar brincando
Uma pulga, um mosquito, uma formiga.
Mas porque seja bom tapar a boca
Aos vadios da terra, e porque vale,
Em certos casos, afetar nas formas
Tal ou qual mansidão, que não existe,
Cuido que em lhe mandando uma embaixada
A exigir-lhe a devassa...”

XIV
“Nunca! Nunca!
(Interrompe o vigário). Uma embaixada!
Tratar de igual a igual a um bigorrilhas!
E tal coisa, senhor, nascer-lhe pôde
No claro entendimento? Todo o lustre,
Valor e autoridade a igreja perde
Se não falar de cima ao tal pedante,
Com desprezo, com asco. Em boa regra,
Cortesia demanda cortesia;
Mas um vilão que a processar se atreve
Os criados da casa do prelado,
Em vez de uma embaixada, merecia
Nas costas uma dose de cacete.
Não, senhor; é meu voto que se mande
Uma singela, e seca, e rasa, e nua
Citação para a entrega da devassa
No prazo de três dias. Desta sorte
Não se abate o prelado, nem as nobres
Insígnias enlameia do seu cargo,
Que eles e nós todos conservar devemos
Puras de vil contato”.

XV
— “Mas a pena?
(Triunfante o Veloso lhe pergunta).
Uma pena há de haver com que se obrigue
A cumprir o mandado? Suponhamos
Que entregar a devassa ele recuse,
Que recurso nos dais para sairmos
Deste apertado lance? Há de o prelado
Ver mofar do poder que lhe compete?
A derrota assistir da causa sua?
Humilhar-se? Eu jamais aprovaria
Tão singular ideia. Uma embaixada,
Sem da igreja abater os sacros foros,
Com jeito e mancha alcançaria tudo,
E se nada alcançasse, é tão brilhante
A fama do prelado, que bastava
A causa remeter para Lisboa,
Que em seu favor viria o régio voto.”

XVI
Acabou de falar. Então a Gula,
Que presente ali estava, enquanto a Ira
O belicoso espírito lhes sopra
Aos duros capitães, lhes vai roendo
As famintas entranhas, qual nos contam
Do filho de Climene, que primeiro
Ao céu roubara o lume, antes que o tempo,
Longo volvendo séculos e séculos,
Real tornasse a fábula dos homens
E nos desse o teu gênio, imortal Franklin.

XVII
E depois que a discreta companhia,
Por não perder o precioso tempo,
Foi comendo e falando sobre o caso,
Fazendo a língua dois ofícios juntos,
Esta sentença lavra o grande Almada:
“Acho muito cabida e boa a ideia
Do pregador Veloso; mas não menos
Razoável a ideia me parece
Do profundo vigário. Aceito-as ambas
E praticá-las vou. Desta maneira
Ostento mansidão, e com mais força
O golpe lhe darei se me recusa
A devassa entregar. Ao mesmo tempo
Alterada não vejo a paz gostosa
Em que de outras fadigas descansamos.
Entretanto convém que armado e pronto
Vá logo o embaixador. A vós incumbo
(O forte Almada ao Vilalobos disse)
Da solene feitura de um mandado
Co’o prazo de três dias, e com pena
De... excomunhão!”

XVIII
Aqui um alto grito
De espanto, de terror, de entusiasmo
Rompe do peito aos veneráveis sócios.
Como nas horas da calada noite
Uma pêndula bate solitária,
Depois outra, mais outra, e muitas outras
Monótonas o mesmo som repetem,
Assim de boca em boca os reverendos
“Excomunhão! excomunhão!” murmuram,
Porventura algum deles duvidoso
Se aquela vencedora espada antiga
Que as heresias combateu da Igreja
Empregar-se num caso deveria
De tão pequena monta; mas, guardando
Essa ideia consigo, que não rende
Os risos do prelado nem os fartos
Jantares que amiúde lhe oferece,
Com todo o gosto a excomunhão aplaude
Do insolente juiz.

XIX
Então o Lucas
Que, desde que estreara a lauta mesa,
Come com quantos dentes tem na boca,
Que uma assada cutia despachara,
Quatro pombos, e de uma grande torta
Ia já caminhando em mais de meio,
A boca levantou do eterno pasto
E falou desta sorte: “Bem humilde
É meu braço, senhor; mas se a defesa
Dos sacros foros meu esforço pede,
Contar podeis comigo neste lance,
E certo estou que em decisão e zelo
Ninguém me há de exceder. Proponho agora
Que nesta ocasião grave e solene
Juramento façamos de puni-lo
Ao ouvidor, e não deixar o campo
Sem a honra lavar do nobre Almada”.
Isto dizendo, da cadeira a custo
A barriga levanta o reverendo;
Todos o imitam logo, e sobre a mesa
Alçam as mãos e juram de vingar-se
Do presumido Mustre; e porque a empresa
Novos brios pedia, em pouco tempo,
Com raro esforço, toda a mesa varrem.

XX
Entretanto, afiando à porta o ouvido,
Longo tempo escutara o moço Vasco
As deliberações do grão conselho,
E receoso da tremenda guerra
Que dali certamente nasceria,
Pondo em risco talvez sua pessoa,
Entra pálido e trêmulo na sala.

XXI
Ao vê-lo demudado, os circunstantes
Estremecem de susto. Qual receia
Que o Mustre, sabedor do que se passa,
A suas Reverências um processo
Instaurara de pronto. Qual cogita
Que cem homens de tropa os têm cercados
E ouve já, na escaldada fantasia
Ranger nos gonzos a medonha porta
Do cárcere perpétuo. Tu somente,
Vilalobos, e tu, Cardoso forte,
O coração pacífico tivestes,
E a frieza imitastes do prelado.

XXII
“Ruins novas trazeis, ao que parece,
Vasco!" (o tio lhe diz); e suspirando
O moço lhe responde: “Novas trago
E penosas, senhor. Sabei que o monstro,
A causa principal do triste opróbrio,
O autor de tantos e tamanhos males,
Único eu sou. Meu atrevido braço
Armou os vossos servos; é seu crime
Verdadeiro, e fui eu...” Calara o resto,
Algum tanto vexado, mas o tio,
Contraindo as grisalhas sobrancelhas
Com que faz abalar toda a família,
Nestas ásperas vozes logo rompe:
“— Que! um crime! Houve um crime! E qual? e quando?
E por que causa?” “— A causa era a mais pura:
Amor...”

XXIII
A tais palavras o auditório
De boca aberta fica, mal ousando
Acreditar em tanto atrevimento
E curioso de saber o resto.
Mais que todos os outros, o Veloso
Interrogar quisera o moço Vasco;
Contudo nada diz, que é regra sua
Sondar primeiro ao ânimo ao prelado,
De quem copia sempre a catadura
E é turvo se ele é turvo; alegre, alegre.

XXIV
“Ora pois! fosse a causa amor ou ódio
(O tio diz) importa nada ao caso.
Nem por isso uma linha só recuo
Do meu procedimento. Desejara,
No entanto, a história ouvir do teu delito.
Esta grave assembleia certamente
Preferira entreter-se de outras coisas
Mais chegadas à nossa dignidade
E santa condição; mas não importa;
Um dia não são dias, e é de jeito
Que instruamos de todo este processo”.
Isto dizendo, a uma cadeira vaga
Que defronte lhe fica, estende o dedo.
Vasco obedece. A douta companhia,
Que ansiosa esperava aquele instante,
As cadeiras arrasta procurando
Idônea posição para escutá-lo.
Enche os copos Anselmo e se retira.

XXV
Prontos à escuta, emudeceram todos
E o moço começou: "Mandais-me, ó tio,
Que a lembrança renove do namoro
Infeliz, e a ridícula aventura
Em que fui grande parte. Ora vos conto
O misterioso caso da assuada.
Que essas estrelas curiosas viram,
Certa noite de amores encobertos
Em que um rival do amargo seu triunfo
A pena teve, e causa foi da afronta
Que hoje padece vossa senhoria.
........................................
........................................”

Neste ponto o prelado, desejoso
De disfarçar o natural vexame
Que a narração mundana lhe fazia,
Da profunda algibeira a caixa arranca
Do tabaco, abre-a, tosse, esfrega os dedos,
E uma grossa pitada apanha e funga.
O perspicaz conselho o imita logo;
Aventam-se as bocetas; os obséquios
Trocam-se mutuamente os convidados;
Qual de uma vez na larga venta insere
O precioso pó; qual o divide
Benévolo entre as duas; e co’os lenços
Os reverendos... sacudidas,
Deste modo prossegue o moço Vasco:
........................................
........................................
........................................


CANTO QUINTO

I
Já nas macias, preguiçosas camas
Santamente roncava o grão conclave,
Quando, em frente da mesa, carregada
De volumes, papel, e tinta e penas,
O douto Vilalobos se assentava.
Isto vendo, a Preguiça, que o mais dócil
Dos seus alunos no vigário tinha,
As formas adelgaça, o colo estica,
Afila os dedos, o nariz alonga,
E as feições copiando do escrevente,
Busca o vigário, e do âmago do peito
Molemente esta fala arranca e solta:
“Senhor, que grande novidade é esta?
Pela primeira vez, depois das nove,
Esquece-vos colchão e travesseiro,
Que essas valentes e cevadas formas
Com tanto amor criaram? Que motivo
Apartado vos traz da vossa cama?
Porventura esse cargo precioso
Que tão alto vos pôs nesta cidade
Não vos dá jus a regalar o corpo
Co’as delícias do sono? Que seria
Dos empregos mais altos deste mundo
Se não fossem razão de boa vida?
E que lucrais, senhor, com essa guerra?
A vaidade abater de um insensato,
Todo cheio de ventos e fanfúrrias?
Mais do que ele valia Mitridates
Que Lúculo bateu; mas quem se lembra
Do forte vencedor do rei do Ponto,
Quando nele contempla o mais conspícuo
Dos grandes mandriões da antiguidade,
Que mais soube comer que Roma inteira?
Deixai lá que se esbofe a inculta plebe
No vil trabalho com que compra a ceia;
Um homem como vós não se afadiga,
Come e ronca, senhor, que o mais é nada.”

II
“Não, amigo (responde-lhe o vigário
Com benévolo gesto, e todo cheio
Dos elogios); não, esta campanha
Tão mesquinha não é, nem tão mofino
O insolente rival. Tolo é, decerto,
E presunçoso; acresce-lhe mordê-lo
Uma inveja cruel do nosso Almada.
Débil não é quem vícios tais reúne.
Derrubá-lo é preciso. O grande nome,
O poder que me dá este meu cargo,
E do prelado a nobre confiança,
Exigem que ao trabalho hoje me entregue
Algum tempo sequer. Nem tu receies
Que eu desperdice as minhas bentas horas
De descanso. Uma só que nisto empenhe,
Tão fecunda há de ser, tão esticada,
Que dará quatro ou cinco em muitas noites,
E tudo se repõe no estado antigo.”

III
Insta a Preguiça; afrouxa, afrouxa quase
O vigário; na mente se lhe pinta
O alto, fofo colchão de fina pluma,
Em que as noites repousa, em que na sesta
A sua reverenda inércia espraia.
Os olhos com fastio aos livros lança;
A descair os membros lhe começam
De languidez; mas a cruel ideia
De ver perdida a posição brilhante
Que na igreja lhe cabe, o brio esperta
Ao grão doutor e lhe dissipa o sono.
Em vão tenta a Preguiça convidá-lo
Com palavras de mel; sacode o corpo,
Encolhe os ombros, os ouvidos cerra,
E ríspido a despede o reverendo.

IV
Apenas se achou só na grande sala,
Com o lenço o papel sacode e a mesa,
E num velho tinteiro mergulhando
A branca pena de um comido pato,
Lança as primeiras regras. Dez autores
Largamente consulta; um trecho saca
Dez tomos diversos e massudos
Com que as velas enfune ao seco estilo.
A cada rasgo da tardia pena,
Que a suada expressão goteja a custo,
A cabeça levanta o reverendo,
Todo o escrito relê com grande pausa,
As paredes consulta, e novamente
Ao trabalho com ânimo arremete.
Enfim, ao cabo de uma hora longa.
A tarefa acabou. Contente salta
Da cadeira, repete a torva prosa,
E vaidoso de si, como dos versos
Que primeiro compôs infantil vate,
As mãos esfrega, os olhos arregala,
Pela sala passeia, e de memória
Algum trecho repete, alguma frase
Que mais arrebicada lhe saíra.
O espanto do ouvidor, o entusiasmo
Do prelado, os pomposos elogios
Da cidade, na mente lhe descreve
Com destra mão e delicadas tintas
A fantasia... Mas aqui começam
De lhe pesar as pálpebras; a custo,
Trôpego e bocejando, deixa a sala,
Entra na alcova, a trancos se despede
Das roupas, e na cama continua
O delicioso sonho interrompido.

V
Lepidamente abrindo o alvo regaço,
E o chão juncando de purpúreas flores,
Do pastor fluminense à casa torna
A travessa alegria, e ao seu aspecto,
Pálida mágoa, lutuosa foges.
Sobre os moles colchões inda estendido,
O lôbrego papel ouve o prelado,
Que o douto Vilalobos lhe recita,
E com exclamações e com palmadas,
Lhe aplaude a erudição e o duro estilo,
E a infalível vitória lhe agradece.

VI
Um a um, vêm chegando os reverendos,
E a todos, um por um, de cabo a cabo,
A intimação lhes lê, que eles escutam,
Com muitos e rasgados elogios,
Maiormente os da boca do Veloso,
Que mal sofre ao rival este triunfo.
Mas como o fruto que seduz no rosto
E o verme esconde no corrupto seio,
Assim o pregador das grandes festas
Alegrar-se parece, enquanto a inveja
O punge, e mil ideias lhe insinua
De adular o prelado, e ao Vilalobos
Arrebatar os louros, que lhe impedem,
— O sono não, — mas o sossego d’alma.

VII
Ao ver-se tão cercado de zumbaias,
Em si mesmo não cabe de contente
O profundo doutor, em cujos lábios
A vaidade sorri, velada a meio
Dessas vãs cortesias de aparato,
E desse “Não, senhor! Oh! não! Oh! nunca!
Nunca esta prosa minha ambicionara
A tão alto subir como pretende
A bondade de vossa senhoria.
É um trabalhozinho feito à pressa
Só por obedecer às ordens suas”.
E outras tais mogigangas de modéstia,
De humildade, que são naqueles transes
Usual expressão.

VIII
Mas tu, Cardoso,
Êmulo foste do feliz vigário,
Quando para intimar o austero Mustre
Te ofereceste ousado. Havia fama,
Temerário escrivão, que a natureza
Para servo do altar te não fizera,
Que nasceras com balda de meirinho
Ou capitão-do-mato. —“Eu mesmo quero
(Diz o forte escrivão) dar-lhe este golpe,
E certo estou de que a fatal devassa
Das mãos virá do arrependido Mustre
A vossos pés cair”. Cheio de gosto,
Almada esta façanha lhe elogia,
E copiada a intimação famosa,
Rubricada e selada, prontamente
A recebe o Cardoso. Dois abraços
O prelado lhe dá, e mais a bênção
Que o livrará das tentações do diabo.
Dá-lhe inda mais. De uma gaveta saca
Um tremendo chapéu pomposo e feio,
Que lhe mandara um monge italiano,
E que ele a sete chaves escondia.
“Tomai (lhe diz) este chapéu, que há anos
De alheias vistas guardo; ele só vale
Mais que vinte orações; tomai-o, é vosso".

IX
Era um chapéu de três enormes bicos.
Respeitoso o escrivão lhe imprime um beijo
E na cabeça o põe, e assim de casa
Para intimar o Mustre se encaminha.
Vaidoso e cheio da missão que leva,
As ruas atravessa da cidade,
O pavor antevendo e os calafrios
Do mesquinho ouvidor, quando o mandado
De seus lábios ouvir, e na cabeça
Sentir descarregar o grande golpe.
A notícia entretanto ia correndo
Pela cidade toda, e a cada passo
Nas esquinas, nas lojas se detinha
A gente curiosa e os olhos punha
No famoso escrivão; mas, sobranceiro,
Impávido calcando a dura terra,
Sem fazer caso do miúdo povo,
No caminho prossegue. Já chegava
Aos edifícios últimos, e a planta
O despovoado chão pisava afoito,
Quando em frente lhe surge, lacrimosa,
Brígida, mocetona de mão cheia,
Caseira sem rival, mescla robusta
De áfrico sangue e sangue d’alva Europa.

X
Nos braços dela uma gentil criança
Dorme placidamente. Então sorrindo,
Ao ver o belo infante, e o brando sono
Que essa alma em flor, não machucada ainda
De ásperas mãos humanas, sobre as asas
À doce região dos anjos leva,
Para o Cardoso. Brígida chegando
Da mão lhe trava, os olhos ergue a medo,
E estas palavras trêmula suspira:
“Revendo senhor, coragem tanta,
Cega destimidez, prendas tão raras
(Perdoai da caseira o atrevimento)
Fatais vos hão de ser. De boca em boca,
Corre que ides citar a toda a pressa
O bárbaro ouvidor. Ai, mais que nunca
A ideia de perder-vos me acobarda.
Que será desta mísera criança,
Se o padrinho lhe falta, e sem conforto,
Nem amparo, nem mão experiente
Houver de caminhar do berço à campa?
Convosco irão, senhor, os dias dela,
E os meus dias também, tão bafejados
Daquelas auras que a fortuna sopra
Por que seja maior nossa desdita.
Quem mais irei servir? Que mesa estranha
Me verá preparar toalha e copos,
Se esse monstro infernal, que a liberdade
E a vida guarda em suas mãos de ferro,
Ousar tirar-vos ambas? Não me resta
Pai nem mãe; tive irmãos; soldados foram,
Morreram todos na holandesa guerra.
Todos acho eu em vós; vós, meu amparo
‘Té hoje heis sido. Oh! por quem sois, vos peço,
Não me deixeis, senhor, sozinha e triste
Semear de amargas lágrimas a terra,
A dura terra em que pousar meu corpo,
Deslembrada, talvez escarnecida.
É tempo ainda; arremessai ao longe
O mandado fatal; à casa vinde,
Escondei-vos dos olhos do prelado,
Que em paz ficando vos comete o risco,
E duas vidas salvareis de um lance”.

XI
“Ó Brígida (o Cardoso lhe responde)
Justos receios são do teu afeto.
Mas se eu agora depusesse as armas,
Que seria da honra desta igreja?
Onde iria parar o nosso Almada?
Eu conheço o rancor do feroz Mustre,
Eu sei que o braço da justiça pode
Mil afrontas fazer aos nossos cargos,
E a cada passo encher-nos de vergonha.
Mas quão pior seria a raiva sua
Se levasse a melhor neste conflito,
Se castigando esta mortal injúria,
Não lográssemos nós ao mesmo tempo
Aterrá-lo, humilhá-lo, escangalhá-lo.
Vê que terríveis males, que desastres
Sobre nós cairão, se inda a vitória
Couber ao ímpio. O temerário braço
Quem poderá deter-lho? Quem, se um dia
Ousar da minha casa arrebatar-te,
O golpe desviará do seu capricho?
Servi-lo irás então, mísera escrava!
Ao sol ardente cavarás a terra,
Sem gozar um minuto de descanso;
E se acaso na estrada, junto à cerca,
Um clérigo passar dos que me mordem,
Ao ver-te exclamará: “Lá serve ao Mustre
A famosa caseira do Cardoso!”
Triste suspiro de saudade e pena
Me mandarás em vão... Oh! antes, antes
(Se tal desgraça me prepara a sorte)
Num cárcere fechado à luz do dia
Viver perpetuamente, condenado
A perpétuo jejum de pão e água!”

XII
Disse, e do tenro infante os lindos braços
Docemente puxou. Logo desperta
Do sono a criancinha, os olhos volve
Ao heroico escrivão; porém, ao ver-lhe
O gigante chapéu de três pancadas,
Grita, recua e no roliço colo
Da mãe esconde o apavorado rosto.
Leve sorriso então assoma aos lábios
Da tenra mãe, do intrépido padrinho.
Descobre-se o Cardoso, e pondo em terra
O tremendo chapéu, toma nos braços
A criancinha, um ósculo lhe imprime,
E aos céus envia estas ardentes vozes:
“Céus que me ouvis, fazei que ilustre e grande
Este menino seja; igual audácia,
Igual força lhe dai, com que ele assombre
A raça toda de ouvidores novos.
Que diga o mundo ao vê-lo: "Ali renasce
Do valente padrinho o brio e o sangue!
E à doce mãe console esta homenagem”.

XIII
Cala, e nos nédios braços da caseira
A criança depôs; do chão levanta
O chapéu; na cabeça o põe de chofre.
“Vai da casa cuidar (lhe diz), eu parto;
Corro a citar o bárbaro inimigo.
Vencê-lo cumpre ou perecer com honra”.
Brígida comovida se despede
Do impávido Cardoso, e lentamente
Para casa dirige os passos trêmulos,
Não sem voltar de quando em quando o rosto,
Que o medo enfia e que umedecem lágrimas.


CANTO SEXTO

I
Naquele tempo, a mão da arte engenhosa
Os elegantes bairros não abrira,
Refúgio da abastança deste século,
E passeio obrigado dos peraltas.
Por essas praias ermas e saudosas
Inda guardava o eco o som terrível
Do falcão, do arcabuz que a vez primeira
Despertou Guanabara, e o silvo agudo
Da frecha do Tamoio. Ainda o eco
As rudes cantilenas repetia
Do trovador selvagem de outro tempo,
Que viu perdida a pátria, e viu com ela
Perdida a longa história de seus feitos
E os ritos de Tupã, perdida a raça
Que as férteis margens... Musa, onde me levas?
Filosofias vãs, quimeras, sonhos,
Flores, — apenas flores, — que não valem
Tantos gozos reais dos nossos dias,
Em paz os deixa, e do ouvidor famoso
À rústica morada me encaminha.

II
Não longe do tumulto da cidade,
Entre a verdura de copado bosque,
Tinha o Mustre uma casa de recreio.
Ali nos dias da estação calmosa,
Depois que à porta sacudia o tédio,
Tranquilo descansava algumas horas
Da inércia do regaço. Ali gozando
Por olhos, boca, ouvidos e narizes,
Da fértil natureza os dons mais belos,
Correr deixava o mundo, sem que a fronte
O mínimo receio lha ensombrasse.
........................................
........................................
........................................
........................................

III
........................................
........................................
........................................
........................................
........................................
........................................
........................................
O terrível Cardoso. Traz fechado
Na esquerda mão o singular decreto;
Com um gesto solene o desenrola,
Tosse, escarra, compõe a voz e o rosto,
E o venerando anátema lhe lança.

IV
Do longo espanto o fulminado Mustre
Enfim voltou; os olhos pela estrada
Desvairados estende; à casa torna
Apressado; braceja, grita, ordena
Que o padre chamem; quatro escravos correm
E voltam sem mais novas do Cardoso
Que veloz se tornara ao grande Almada
Da triunfante missão a dar-lhe conta.

V
Já trêmulo de raiva, já de susto,
O magistrado fica; ora, calado
Algum tempo rumina; ora, soltando
Descompassadas vozes e suspiros,
Atônito percorre a casa inteira.
Vagamente cogita uma vingança
Contra o duro rival; mas logo a triste
Realidade o coração lhe afrouxa.
A fantasia pinta-lhe o desprezo
Dos devotos sinceros, a medonha,
A dura solidão da vida sua,
O fugir dos amigos, os estranhos
Que por trás uma cruz fazendo nele,
Mais sozinho na terra vão deixá-lo
Do que em praia deserta ingrato dono
Deixa um triste cavalo moribundo.
Ora pensa em fugir; ora em prostrar-se
Do sagrado pastor aos pés, rendido...
Enleia-se, vacila, nada escolhe,
E nesta triste, miserável vida,
Entre sonhos, visões, medos e angústias,
Passa o duro ouvidor três horas longas.

VI
Enfim ceder a Almada determina,
A devassa entregar-lhe, assentar pazes,
Comprar com pouco a salvação eterna,
Uma esperança ao menos. Manda logo
À casa do escrivão que ali lhe traga
A famosa devassa, que enviada
De véspera lhe fora, e todo aflito
De sala em sala passeando espera.

VII
Mas a terrível Ira que perdia
Deste modo a campanha começada,
Pois no seio da paz de novo entrando,
Todo seria da Preguiça e Gula
O grão pastor da igreja fluminense,
Entra na pele do escrivão Ramalho
E à casa vai do esmorecido Mustre.
Este, apenas lobriga da janela
O fiel serventuário, e nenhum rolo
Lhe descobre nas mãos, trêmulo fica
E outra vez assustado ao portão desce;
A tempo que o Ramalho, mais risonho
Que um céu azul, que um dia de noivado,
Apressado chegava e lhe dizia:
— “Senhor, matai-me embora! Não vos trago
A devassa pedida, que acho injúria
Ao finíssimo sangue que vos corre
Nessas honradas veias, ao respeito
Em que há muito vos tem el-rei e a corte,
Abaixar-vos aos pés de um vão prelado,
E rojar-vos no pó da sacristia”.

VIII
Disse, e nas amplas ventas inserindo
Do recente rapé duas pitadas,
Foi por este teor desenrolando
Mil razões, mil inchados argumentos,
Com que em todas as eras deste mundo
Um naire ilustre convencer se deixa.

IX
“Eu bem sei (convencido lhe responde
O ouvidor), eu bem sei que fora triste
Que um preclaro varão da minha estofa,
Cujo nome não ouve o delinquente
Sem desmaiar de susto, e que este povo
Respeitoso contempla, na baixeza
Caísse de ir ao pés de um vão prelado
E rojar-se no pó da sacristia.
Mas, meu caro Ramalho, que recurso
Nesta vida me resta? Tu não sabes
Que de mim vai fugir a gente toda?
Que eu vou ser o leproso da cidade?
Que meirinhos, beatas, algibebes,
E quem sabe se até os cães vadios,
Que à sumida barriga andam de noite
Pelas ruas catando algum sustento,
Tudo vai desprezar-me? Bom aviso
Quando falha a vitória na batalha,
É ceder às falanges do inimigo,
E preparar uma futura guerra”.

X
O mofino ouvidor assim falando,
Com apuro a vestir-se principia,
Uma arenga compondo de cabeça
Em que do seu pecado arrependido
Claramente se mostre, quando a Ira
Ao Ramalho sugere este conselho:
“Salvo, salvo senhor! é salvo tudo!
Conhecido vos é como o Senado,
Em luta com o pastor da nossa igreja,
Dele tem recebido tanta injúria,
E em risco está de semelhante pena.
Procurai-o, senhor, e com protesto,
Em nome da coroa e da justiça,
O negócio deponde. Deste modo
A muitos caberá toda essa afronta
E mais certa será nossa vitória”.

XI
Aceita foi a salvadora ideia.
Saem ambos os dois no mesmo instante,
Voam, chegam à casa do Senado,
E na sala penetram. Conversavam
Justamente do caso os camaristas.
E, na pele mordendo do prelado,
Receavam talvez igual destino
Ao do fero ouvidor, se no conflito,
Que há muito trazem com o grande Almada,
O jus do povo defender quiserem;
Quando na sala entrando furioso
A sua excomunhão refere o Mustre,
E lhes pede em defesa da coroa
O braço popular. Todo o congresso
Gelado fica. Súbito as cadeiras
Pela terra deitando, às portas correm
Os graves camaristas, e fugindo
Ao mísero ouvidor excomungado,
Para casa se lançam. Da pedreira,
Lançado o fogo à mina, a toda a pressa
Da mesma sorte os cavouqueiros fogem
Receosos de avulsos estilhaços.

XII
Em vão a Ira, com diversas formas,
A todos busca, e amaciando a fala,
A lembrança do afeto lhes desperta,
Os jantares comidos noutro tempo,
Os festivos saraus, cartas de empenho,
Mil finezas, em suma, sepultadas
No vasto cemitério da memória...
A filha do diabo então sacode
Irritada a cabeça, e do mais fundo
Das entranhas um grito de ameaça
E frio escárnio solta: “Homens! (exclama)
Lacaios da fortuna! Eu terei armas
Com que de ingratos corações triunfe!”

XIII
Isto dizendo, mais ligeira voa
Que o soberbo condor, quando do cimo
Dos Andes rompe o assustado espaço,
E vai surgir além das altas nuvens.
Voa, e chega aos domínios da Lisonja.
Os flóridos umbrais transpõe de um salto.
Logo em frente lhe surge extensa e bela
Uma alameda de árvores copadas,
Que, para a terra os galhos recurvando,
Com singular donaire e afável gesto
Cortejá-la parecem respeitosas.
Caminha, e fina relva os pés lhe afaga;
Respira, e um doce aroma o peito lhe enche.
A tão brando contato, a tais delícias,
Ó milagre! um sorriso prazenteiro
Logo vem desbrochar-lhe à flor dos lábios
Que eterna raiva aperta. Segue avante,
A branca e longa escadaria sobe,
A varanda atravessa alcatifada
De brancas flores e cheirosa murta.
Já rendida de gosto, entra na sala,
Dá dois passos, e a recebê-la chegam
Vinte ou trinta Zumbaias, que vergando
Pela cintura o corpo delicado,
Beijar o chão parecem; após delas,
Com dourados turíbulos acesos,
Vêm quatro Rapapés; fechando tudo
Extensa procissão de Cortesias.

XIV
De tais recebimentos namorada,
O primeiro salão transpõe a culpa,
Entra no camarim, forrado todo
De flores, de arabescos, laçarias,
Que enche contínuo, tépido perfume
De seis grandes caçoulas de alabastro.
Entra, e defronte de um pomposo espelho
A Lisonja descobre, que risonha
Mil cumprimentos novos ensaiava
E mil versos rasteiros repetia.
Ao ver a feroz culpa a dona amável
Uma grande mesura em quatro tempos
Graciosa faz, e diz: “A que milagre
Devo eu esta visita? Acaso o orbe,
Que ao peso treme de tuas nobres armas,
Estreito campo é já para teus feitos?
Vens o peito acender da serva tua?
Bem cruel me há de ser esse desastre,
Mas se é teu gosto, sofrerei contente,
A terra beijarei que tu pisares
E acharei na desgraça a glória minha”.
A ardilosa Lisonja assim falando
Toda se curva, e a orla do vestido
Da culpa chega aos lábios; mas a Ira
Prontamente a levanta, e nos seus braços,
Com meneios benévolos, a aperta,
E logo fala: “A tua paz respeito:
Turvar não venho a deliciosa corte
Donde o mundo governas; mas auxílio
Do teu engenho quero”. Aqui lhe conta
A famosa aventura do prelado,
A angústia do ouvidor, e a covardia
Dos ingratos amigos de outro tempo,
E pede que a Lisonja as armas suas
Contra estes empregue. “Que mesquinho
Serviço exiges! (a Lisonja exclama);
Eu podia mandar quatro Zumbaias;
Tanto bastava por vencer o ânimo
Dos rebeldes; mas sendo a vez primeira
Que vens honrar estes quietos paços,
Abater-lhes o colo irei eu mesma
E levá-los de rojo aos pés do Mustre”.

XV
Com diligente mão os filtros busca,
E seguida da hóspede no espaço
Voa ligeira à plaga fluminense.
À casa dos rebeldes se encaminha,
E a todos, um por um, pela alma dentro,
O seu doce veneno lhes entorna.
De baixa adulação logo tomados,
Vestem-se a toda a pressa, e não podendo
Conter o intenso fogo que os devora,
Aos criados de casa e às quitandeiras
Vão fazendo profundas barretadas.
Tanto a Lisonja vã governa os homens!

XVI
Abre a sessão de novo o presidente,
E deste modo fala: “Grave caso
Este é, senhores; mas as vossas luzes
Tudo podem vencer. Em meu conceito
Recusar não podemos o protesto,
E muito embora formidável seja
O prelado, não creio que devamos
Sem amparo deixar as leis do Estado.
Nem poupar desta vez um grande golpe
No atrevido pastor”. Com todo o zelo
Examinado o singular assunto,
O Senado resolve em pouco tempo
Que ao regedor supremo da cidade
Os papéis se remetam com protesto
Do povo, e petição em nome dele
Por que anulada seja sem demora
A excomunhão, e feito este decreto
Voam dali aos paços do Alvarenga.

XVII
O alcaide-mor, que os meios estudava
De praticar no esmorecido povo,
Com a aguda lanceta do Senado,
Uma sangria nova, cortesmente
Os faz sentar e prazenteiro os ouve,
E depois de os ouvir com grande pausa,
A petição da Câmara recebe
Sem muita hesitação; mas porque seja
O caso novo, e caminhar convenha
Sem da igreja ferir os santos foros,
Manda o governador que se convidem
Os diversos teólogos da terra,
O reitor do Colégio, o Dom Abade,
O guardião dos filhos de Francisco,
Frei Basílio, prior dos Carmelitas,
E alguns licenciados de mão cheia,
Que o nó desfaçam deste ponto escuro.


CANTO SÉTIMO

I
A Preguiça, no entanto, conduzira
Aos macios colchões o grande Almada,
E um sono amigo lhe fechara os olhos,
Enquanto os ilustríssimos amigos,
Todos em volta do escrivão Cardoso,
Pela décima vez, na sala próxima,
Da excomunhão a narrativa escutam,
E com ditos de mofa, e com risadas,
A vitória celebram, na esperança
De que o prelado os ouça e lhes aceite
Agradecido esta homenagem nova.

II
Eis que um sonho, agitando as asas brancas
Leve espalha no cérebro do Almada
Como gotas de chuva rara e fina,
Um só sutil de mágicas patranhas.
Sonha... Em que há de sonhar o grão prelado?
Vê no espaço um ginete alto e possante
À solta galopando, e logo nele,
Elmo de ouro, armadura de aço fino,
A briosa figura de um guerreiro.
Tenta irritado o indômito cavalo
O cavaleiro sacudir na terra,
Mastiga o freio, empina-se, escoiceia,
Voa de norte a sul, de leste a oeste,
Ora, a pata veloz roça nos mares,
Ora, igual ao tufão, descose as nuvens,
Mas o galhardo cavaleiro as rédeas
Co’as fortes mãos encurta, e pouco a pouco
O ríspido quadrúpede sossega
E para no ar. No rosto do guerreiro
Vê as próprias feições o grande Almada,
Olhos, cabelos, boca, faces, tudo,
Tudo é dele. Ó prodígio! Voz solene
Do ponto mais recôndito do espaço,
Onde estrela não há, não há planeta,
Estas palavras singulares solta:
“O bravo cavaleiro és tu, prelado,
E o domado corcel é o teu rebanho,
Que embalde morde o freio e se rebela
Contra ti que hás vencido el-rei e o povo,
Tornando em cinzas o atrevido Mustre.”

III
Deste agradável sonho consolado,
Abre o pastor os olhos, vira o corpo,
E outra vez adormece. Novo quadro
E diverso lhe pinta a fantasia.
Vê-se diante de provida mesa,
À direita do papa, e come e bebe
De cem bispos servido. Entusiasmado
Com as finezas de Alexandre Sétimo,
O prelado um discurso principia
Depois de haver tossido quatro vezes.
Os olhos fita num painel que estava
Na fronteira parede; a mão do artista
O belo e forte arcanjo debuxara
Que a Satanás venceu; às plantas suas
Jaz o eterno rebelde. Entrava apenas
No magnífico exórdio do discurso
O valoroso Almada, quando a tela
A tremer começou; subitamente
O brilhante Miguel desaparece,
E o diabo que ali prostrado fora
Toma a figura do execrando Mustre,
Levanta-se do chão; e com desprezo,
E com gesto de escárnio e de ameaça,
Os turvos olhos no prelado fita
E a devassa fatal nas mãos sustenta.
Pasmam do caso os circunstantes todos,
Enquanto o forte Almada tropeçando
Nas cadeiras, nos vasos, nas cortinas,
Foge aterrado, uma janela busca,
Dela, sem ver a altura, se despenha,
E de abismo em abismo vai rolando
Até cair da própria cama abaixo.

IV
Ao som da triste queda acorrem todos.
O mísero pastor, aos pés do leito,
Vagos olhos estende aos seus amigos,
Como se inda na mente abraseada
As asas agitara o negro sonho.
A erguê-lo corre o pregador Veloso;
Traz-lhe o douto vigário um copo d'água;
Um as janelas abre, outro da cama
Os lençóis revolvidos lhe concerta,
Até que Almada, a fala recobrando,
Do sonho as peripécias e o desfecho,
Entre assustado e galhofeiro conta.

V
Ai, prelado infeliz! Verdade amarga,
Verdade, que não sonho passageiro,
Esbaforido o Lucas te anuncia.
Terrível golpe foi! Largos minutos
Atônito e caído sobre o leito
O prelado ficou, como se vira,
Por efeito de imenso terremoto,
A seus olhos cair toda a cidade.
Não era sonho então! Vencia a causa
O pérfido inimigo! Vai com ele
O imprudente Senado, e sem vergonha
Nem receio o governo ambos protege!
Tais ideias no cérebro do Almada
Confusamente rolam. Vinte vezes
Quer falar, vinte vezes abre a boca
Donde não saem mais que vãos suspiros

VI
Porém a Ira, a quem blasfêmias prazem,
A tempo chega e lhe desata a língua.
Qual da feia carranca de um céu negro,
De águas, coriscos, furacões pejado,
Se vê subitamente sobre a terra
Grossa chuva cair, e em pouco tempo
Encher amplas campinas, praças, ruas,
Tal da boca com ímpetos lhe saem
Injúrias, gritos, ameaças, mortes,
Em borbotões de coração subindo;
E as atentas orelhas alagando:
“Guerra declaro à gente do Senado!
Guerra ao governador! a todos guerra!
E se o céu não tem raios que os fulminem,
Nem abismos a terra que os engulam,
Eu cavo abismos, eu tempero raios,
E essa baixa ralé da espécie humana
Verá que, inda vencido, eu sou Almada!”

VII
Disse, e enfiando as mangas da batina
Que o cortesão Veloso lhe entregava,
Precipitadamente deixa a alcova,
E durante uma hora ou pouco menos
Meditou na desforra. Onça bravia
Numa jaula fechada não se move,
Não fareja com mais impaciência,
Mais aflita não busca uma saída,
Do que o grande prelado pela sala
Cogitando vagava. “Certamente
(Desta sorte o pastor consigo pensa)
O Senado, o Governo e o tolo Mustre
De mãos dadas estão; talvez o caso
Maquinado já fosse há muitos dias
Para me derrubar? Mas que outro golpe
Devo agora empregar naqueles biltres
A não ser enforcá-los? Que remédio,
Se a triunfar de mim eles alcançam,
A grande posição e o grande nome
Desta triste miséria hão de salvar-me?”

VIII
Nisto, o mísero Lucas, que não teve
Jamais o gosto de uma ideia sua,
Pela primeira vez sente brotar-lhe
Na solidão do cérebro vazio
Um alvitre. Ansioso corre a Almada,
Que ao ter notícia deste caso novo,
Com sincera alegria o cinge ao peito
E dos lábios lhe pende inquieto e sôfrego.
Assim no meio das revoltas águas
Do oceano que o vento sacudira,
Já sem forças um miserando náufrago
Olhos e mãos estende à derradeira
Tábua que lhe ficou. “Muito vos deve
(Diz o Lucas) a egrégia companhia
Dos padres de Jesus, e esse colégio
Que ali daquele outeiro vos contempla.
Uma mão lava outra, com finezas
As finezas se pagam. Se do voto
Depender do reitor a vossa causa
(Que é certamente voto de mão cheia
E trunfo superior aos demais trunfos)
Vá sem demora vossa senhoria
Dos favores cobrar-lhe o pagamento,
Que a vitória final é toda nossa.”

IX
A tais palavras o prelado sente
Pelas veias coar-lhe um sangue novo,
E toda reviver-lhe a derradeira
Quase extinta esperança. Então nos braços
O salvador amigo recolhendo,
Com lágrimas de gosto assim lhe fala:
“Oh! três e quatro vezes mais ditoso
Que o destemido Aquiles, que da boca
Do divino cavalo ouvia apenas
Anunciar-lhe a sua morte próxima,
Ouço da tua o próximo triunfo!”

X
Disse, e à pressa engolindo alguns bocados
Do já frio jantar que há muito o espera,
Das insígnias do cargo se reveste,
Entra na cadeirinha e aos pajens manda
Que ao colégio o conduzam sem demora.
Velozes partem, e suando em bica,
Vão trepando a ladeira, e à casa chegam
Que ali, no viso da colina, encerra
Em seu discreto seio um garfo ilustre
Da vasta, onipotente companhia.
Desce a certa distância o grande Almada,
Encara a porta, e trêmulo de susto
Alguns minutos fica; mas vencendo
O natural terror que lhe infundiam
A casa e seus famosos moradores,
Com ânimo atravessa o curto espaço
E vai bater à porta do convento.
Não de outra sorte o resoluto César,
Chegando à margem do vedado rio,
Algum tempo hesitou se contra a pátria,
Se contra si lançar devera a sorte;
Mas logo, ao gênio seu abrindo as asas,
O Rubicon transpõe, e afoitamente
Tudo fiando da propícia estrela,
Contra a pátria marchou e a liberdade.

XI
Vinham do refeitório, que era farto
E próprio de tão nobre companhia,
Os veneráveis padres, quando a nova
Correu de que chegara o grão prelado.
Com alvoroço desce logo a vê-lo
Toda a comunidade; as cortesias
Respeitosas lhe faz, os cumprimentos,
Os elogios vãos com que lhe enfuna
De túmidas vaidades a cabeça.
Dali à livraria o levam logo
Com grandes cerimônias, e ao pedido
De falar co’o reitor secretamente,
Todos os padres dão aos calcanhares.

XII
Fechada a porta e junto da janela
Ambos os dois sentados gravemente,
Estende os olhos o prelado e abrange
Todo esse plaino de águas, não pejado
De tantíssimas velas, e bandeiras
Que hoje às brisas do mar de Guanabara
Molemente flutuam. Longa serra
Vê cortar o horizonte, e além galgando
Com os voos da leve fantasia,
Campos descobre, caudalosos rios,
Matas que humano pé não profanara,
E cheio de um sincero entusiasmo
Faz um breve discurso, cujo tema
A bela terra foi e o seu futuro;
Discurso em que (por que melhor atasse
O seu entusiasmo à causa sua)
De alto louvar encheu a companhia,
“Em cujas reverendas mãos se acolhe
(Diz ele ao concluir) o miserando
Prelado contra quem governo e povo
Implacáveis as armas do ódio assestam”.

XIII
Com lastimosa voz logo refere
Miudamente o caso da devassa,
O perigo da igreja, a eterna mancha,
E ao reitor pede, cara a cara, o voto.
Sua Paternidade alguns minutos
Calado esteve, e o trêmulo prelado,
Sem os olhos tirar de cima dele,
Último e frouxo lume de esperança,
As unhas vai roendo impaciente
E vinte vezes na cadeira muda
A posição do corpo. Enfim, o grave
Regedor do colégio aos ares solta
Um profundo suspiro, e levantando
Os olhos para o teto, assim lhe fala:
“Vítima sois, não única, do torpe,
Estólido Senado; este colégio
Alvo há sido também das frechas suas
No conflito dos mangues, a que o povo
Quer ter antigo jus, e que há muito
Pertencem claramente à companhia.
Se eu vos narrasse esta comprida guerra,
As ciladas do pérfido inimigo,
Os golpes encobertos, toda a raiva
Com que ele afronta a paciência nossa,
Inteira gastaria uma semana.
Esperança não temos do triunfo.
Quem nos defenderá? Que braço forte
Às fúrias se oporá do vão Senado?
Quem as mãos cortará do inculto povo?”

XIV
Aqui o grande Almada da cadeira
Zeloso se levanta: “Não conhece
Vossa paternidade um braço forte?
Vale pouco, senhor, este prelado,
Mas longe está de apodrecer na terra,
E enquanto um sopro lhe restar de vida,
Todo às ordens será da grande casa
De que é vossa pessoa ornato e lustre.
Descansai, descansai; eu tenho um meio
De os chamar à razão. Contra o Senado,
Se teimar em falar no jus do povo,
E contra o povo, se gritar com ele,
Excomunhão darei, se for preciso”.

XV
Tais palavras ouvindo, sobre o peito
Cruza as mãos o reitor e lhe agradece
Ao prelado este rasgo de pujança
E grandeza sem-par: “Eu não ousava
Tanto esperar de vossa senhoria,
A quem muito já deve a casa nossa,
E que tão espontâneo hoje me estende
A generosa mão. Na vossa causa
Sabeis que eu nunca deitaria um voto
Que contrário vos fosse. Ide tranquilo,
Que a defender-vos sairei armado
Com as melhores peças. O conselho
Há de a voz escutar deste colégio,
E confirmar a excomunhão do Mustre,
E compeli-lo à entrega da devassa”.

XVI
Um doce abraço estas palavras fecha;
E mais alegre o ínclito prelado
Que o mancebo amoroso, se dos lábios
Colheu da amante o suspirado beijo,
Do reitor se despede, e velozmente
Na cadeira se encaixa em que viera
E alegrar vai os ânimos aflitos
Das colunas da igreja fluminense.

XVII
As roliças colunas, entretanto,
Sobre o caso fatal deliberavam,
Quando Almada chegou. Em volta dele
Ansiosos todos a conversa escutam
E as promessas do astuto jesuíta,
Em cuja honra o adulador Veloso
Um acróstico lembra, e lembraria
Igualmente um jantar, se o néscio Lucas,
Que outra coisa não tem nos ermos cascos,
Primeiro não lançasse a grande ideia.


CANTO OITAVO

I
Era alto dia, e todo alvoroçado
Corria o povo de uma banda a outra,
A sentença aguardando do conselho
Que ia da excomunhão julgar o caso.
A tranquila cidade que inda há pouco
No regaço da paz adormecia,
Em dois opostos campos se divide,
Como os que a bela terra, em cuja fala
A musa antiga suspirar parece,
Um tempo viu terçar sangrentas armas
Em favor da tiara e da coroa.

II — III — IV — V
........................................
........................................

VI
........................................
........................................
Das doutas expressões com que alindara
O libelo da Câmara, nos olhos
Dos conselheiros curioso busca
O gosto interpretar que lhes deixara,
O pasmo, a admiração; e tantas vezes
No ânimo revolve o seu discurso,
Que o debate não ouve do Congresso,
E ali com gente solidário fica.

VII
Na sua sala, entanto, passeando
O prelado aguardava a boa nova,
E certo do triunfo, já na mente,
Em obséquio ao reitor, delineava
Um pomposo jantar. De quando em quando
À janela chegava; mas não vendo
O mensageiro seu, de impaciente
Mordia o lábio e a causa da demora
Entre si perguntava e respondia.
Conjeturava então que o Dom Abade,
Por afeição do Mustre, e desejoso
De dar no seu poder um grande golpe,
Um discurso fazia entremeado
De longas citações e perdigotos.
Mas o agudo reitor, que pelejava
Ao lado da justiça, e traz consigo
Autores que estudara a noite inteira,
Trovejando vermelho se levanta,
E com amplas razões, iradas vozes,
Entre o férvido aplauso do conselho,
Ponto por ponto lhe desfaz na cara
Toda a argumentação beneditina.

VIII
A tais coisas alheio, o sol brilhante,
Esse eterno filósofo que os raios
Com desdenhosa placidez desfere
Iguais sobre ouvidores e prelados,
Já do zênite ao rúbido ocidente
Inclinava a carreira. Examinados
A causa do conflito e os seus efeitos,
Pesadas as razões de parte a parte,
Unânime o conselho determina
A excomunhão sustar do austero Mustre
E a causa sujeitar ao régio voto.
Em vão na mente decorado tinha
O reitor um discurso em que provava
A justiça do Almada; mas a Ira,
Que tomando a figura de um porteiro,
Assiste à discussão, que o triunfo
Busca evitar do intrépido prelado,
De tais artes se serve, de tais manhas,
Que o cérebro transtorna ao jesuíta,
A opinião lhe muda, e o nome dele
Entre os nomes reluz do torvo acórdão.

IX
Copiada a sentença, ali se escolhe
Para a Almada levá-la prontamente
O escrivão do Senado; mas o triste,
Que do prelado conhecia a fama,
Umas dores alega na cabeça,
E, por que seja acreditado o caso,
A meter-se na cama logo corre.
Então, o alcaide-mor, que presidia
O governo da terra e o grão conselho,
Um franciscano elege e um carmelita,
E desta expedição confia o mando
Ao reitor do colégio. Bem quiseram
Aqueles atrevidos comissários
Antes do golpe manducar um pouco,
Mas o fino Alvarenga, que previa
Um estrago fatal à sua copa,
Que era de urgência o caso lhes declara,
E delicadamente os põe na rua.

X
Estavas, grande Almada, repousando
De um ligeiro jantar, comido à pressa,
E rodeado dos fiéis amigos,
Antegostavas o terror do Mustre
E a triste humilhação com que viria
De rojo às tuas veneráveis plantas
A remissão pedir dos seus pecados,
Quando à porta assomou da vasta sala
A grande comissão. Correram todos
A receber com muitas cortesias
Os não previstos hóspedes. Alegre,
Nas suas mãos aperta as mãos do Almada
O pérfido reitor, e olhando em roda
Levemente aos demais a fronte inclina.
Depois, fitando no prelado os olhos,
Concertada a garganta, assim começa:
“Se entre os louros, senhor, com que a fortuna,
Não menos que o saber e que a piedade,
A tua fronte majestosa adorna,
Inveja e desespero de almas baixas,
Que em vão se esforçam por lutar contigo,
Inda um louvor faltava, ensejo é este
De o colher vicejante, e de um só golpe
A turba confundir dos teus contrários.
Em que lhe pese ao venenoso dente
Que te morde na sombra, a história tua
Em lâminas escreve de ouro fino,
Com refulgentes letras de diamante,
A justiça do tempo. Eu vejo, eu vejo
Os séculos passando respeitosos
Ante o nome do herói, que resoluto
Os raios empenhou do seu ofício
Para o orgulho abater, a audácia, a inveja,
E entre as bênçãos de um povo amado e amante
Ir no seio pousar da eternidade”.

XI
Aqui chegando, o orador estaca;
E o vão prelado, que escutara alegre
Tão pomposas e amáveis esperanças,
Os braços, que já tinha levantados,
Ao orador estende; este os recebe,
E apertados os peitos contra os peitos,
Alguns minutos ficam; mas, cessando
Esta doce efusão de ambos os cabos,
O reitor do discurso o fio toma:
“Depois de um sério, dilatado exame
Do intrincado conflito, em que empenhaste
Contra um duro rival todas as forças
Que a natureza, que o saber te deram,
O congresso teológico resolve,
Para servir-te, uma sentença justa.
E por que tenhas o propício ensejo
De exercer a vitória mais brilhante
Que a um guerreiro cristão jamais foi dada,
Por que venças melhor o teu contrário
Lançando-lhe o perdão da culpa sua,
Suspender manda a excomunhão lançada
E a causa sujeitar ao régio voto”.

XII
A tal nova, o prelado empalidece,
A vista perde, as pernas lhe bambeiam,
No regelado lábio a voz lhe expira,
“E caiu como cai um corpo morto”.
Desenlace fatal! Ao vê-lo, um grito
Magoado foge dos amigos peitos;
E enquanto a comissão, entre o sussurro,
Sorrateira vai dando aos calcanhares,
A desforrar-se do perdido tempo
No tardio jantar, os reverendos
O prelado conduzem para a cama
E um físico chamar mandam à pressa.

XIII
Vê a Gula a vitória da inimiga,
E, a figura do físico tomando,
À casa voa do abatido Almada,
E depois de operar um breve exame,
Aos aflitos amigos afiança
A vida do prelado; e sem deter-se
Com escrever fantásticas receitas,
Nem pedir chochas drogas de botica,
Manda que o cozinheiro sem demora
Uma gorda galinha ponha ao fogo,
E a tempere, segundo as regras d’arte.
Prontamente obedece o fiel servo,
E pouco tarda que um guloso aroma
A casa toda invada, e sutilmente
Na atmosfera da alcova se derrame.
Prodígio foi! Nos lábios do doente,
Como alvejar costuma no horizonte
Dentre as sombras noturnas a alvorada,
Um sorriso desponta; e pouco a pouco
As pálpebras se vão arregaçando,
Quais as cortinas de nublado inverno
Que, à criadora luz do sol nascente,
A verdura da serra e da campanha,
E enfim o rosto da azulada esfera,
Lentamente esvaindo-se descobrem.

XIV
Neste ponto na alcova entra o copeiro
A galinha trazendo e o grosso caldo;
E o prelado sentando-se na cama,
A convite de todos logo bebe
O caldo em quatro goles, e trincava
O tenro peito da ave, quando a ideia
Do congresso fatal lhe sobe à mente;
Do peito arranca um lânguido suspiro,
E, reprimindo as lágrimas exclama:
“Ah! se eu de todos esperar devia
Tão cruel decisão, reitor ingrato,
Tu só me espantas, único me feres,
Que eu tinha o voto teu e o teu abraço,
E nisso confiado me entretinha
Em saborear a próxima vingança.
Agora, que mortal salvar-me pode
De tão grande vergonha? Oh! quem dissera
Que o destemido Almada, cujo nome
Nas asas voa da ligeira fama,
Os mares assustados atravessa,
Lisboa assombra e desnorteia o mundo,
A tamanha baixeza chegaria
Que os alheios esforços mendigasse?”

XV
Um profundo suspiro a voz lhe embarga;
E enfim rompendo dos fulmíneos olhos
Precipitadas lágrimas lhe banham,
Pela primeira vez, as faces pálidas,
Que inda nessa manhã vermelhas eram.
Correm todos ao leito a consolá-lo,
E ali lhe juram que afinal vitória,
Ou eles morrerão naquela empresa,
Ou ela há de caber ao grande Almada.
Estavam neste ponto, quando a Ira
Invisível entrando, e vendo a Gula,
Tenta roubar-lhe o infeliz prelado,
Em cujo peito uma faísca lança.
Já vermelho, já trêmulo, no leito
Ele a agitar-se todo principia.
Mas a astuta rival da feroz culpa,
Para o golpe atalhar, subitamente
Do mísero prelado se aproxima
E toda a raiva lhe converte em fome.

XVI
As recatadas sombras, entretanto,
O espaço tomam, que o brilhante globo
De vida e luz encheu. Raros luziam
No firmamento os pregos de diamante
Com que a mão criadora do universo
Fixou a tela azul da larga tenda
Em que apenas um dia nos sentamos,
Os que viemos do nada, os que apressados
Vamos em busca da encoberta terra
Da eternidade. Nem acesa fora
A saudosa lâmpada da noite,
Tão buscada das musas que suspiram
Suas quimeras, seus afetos castos,
E amam dizer aos solitários ecos
De que mágoas teceu ímpia fortuna
O viver que os afronta. Rijo vento
Empuxava de longe opacas nuvens
Que a tempestade próxima traziam,
Como se nessa tenebrosa noite
Em perturbar a doce paz da vida,
Co’os homens apostasse a natureza.

XVII
Livre do abalo grande que o prostrara,
O prelado cogita uma vingança.
Os amigos convoca, e todos juntos,
Com aquela energia e vivo empenho
Que aos seus alunos a Lisonja inspira,
Um meio buscam de vingar o Almada.
Com gênio de água, o douto Vilalobos
Os olhos deita a Roma, e quer que ao papa
Se faça apelação; mas o Cardoso,
De cuja intrepidez e sangue frio
Nem o próprio diabo se livrara,
A excomunhão propõe dos santos frades,
Governador, Senado e povo inteiro.
Timidamente o abelhudo Nunes
Insinua o perdão; assaz punido
Lhe parece o ouvidor; toda a cidade
A força do prelado conhecera
Indomável, terrível; era tempo
De regressar à santa paz antiga.
Tais ideias o adulador Veloso
Com escárnio refuta; d'almas fracas
Foi sempre a mole paz recosto amigo
Não das que o fogo endureceu na guerra,
Como a dele, que as iras arrostara
De todos os senados do universo
A exigir-lho o prelado. Convencido,
Estes conceitos tais escuta Almada
E tendo meditado longo tempo,
Um recurso lhe lembra decisivo,
A garganta concerta, e desta sorte
A falar principia: “Companheiros...”

XVIII
Neste ponto um trovão estala e troa;
E do conselho aos olhos aparece,
Sem do teto cair nem vir do solo,
Uma torva e magníssima figura
De longas barbas e encovados olhos,
Que a rigidez marmórea traz na face,
E o trêmulo Congresso encara e exclama:
“Basta já de lutar! Se tu, prelado,
E vós, teimosos servidores dele,
Na guerra prosseguirdes que ameaça
A doce paz quebrar deste bom povo,
Sabei que a mão severa do destino
Nos volumes de bronze uma sentença
Contra vós escreveu. Dos vossos cargos
Perdereis o exercício, e sem demora
Ireis pregar a fé entre os gentios,
As tribos afrontar e as frechas suas,
Fomes, sedes curtir, vigílias longas,
Que o castigo serão da vossa teima”.

XIX
Isto dizendo, desaparece o vulto
(Que era nem mais nem menos a Preguiça).
Então os reverendos assustados
Pela terra se lançam, e batendo
Nove vezes nos peitos, nove vezes
O duro chão, em lágrimas, beijando,
Pedem ao céu que dos eternos livros
Riscado seja o bárbaro decreto.


---
Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sugestão, críticas e outras coisas...