3/03/2023

Obras Poéticas (Poesia), de Alvarenga Peixoto


OBRAS POÉTICAS


I
Nas asas do valor, em Ácio vinha
Por Antônio a vitória declarada;
Mas a sombra de Túlio, não vingada,
Postos os deuses contra Antônio tinha.

Fez que fugisse a bárbara rainha,
De falsas esperanças enganada;
E o criminoso herói, voltando a espada,
No coração zeloso a embainha.

O fatal estandarte a Guerra enrole,
Cesse entre esposas e entre mães o susto,
Descanse um pouco de Quirino a prole;

Que Jove eterno, piedoso e justo,
Antes que Roma e Roma se desole,
Nomeia vice-deus ao grande Augusto.

II
"Ó pai da pátria, imitador de Augusto,
Liberal Alexandre... " Ia adiante,
Quando uma imagem se me pôs presente,
A cuja vista me gelei de susto.

Mostrava no semblante pio e justo
Raios brilhantes do Empíreo luzente;
Porém os olhos, como descontente,
Em mim cravava com bastante custo.

Nem de Alexandre nem de Augusto quero
Os nomes; sou Dinis — me disse apenas
Com gesto melancólico e severo.

Levou-me às praias do Mondego amenas
E, depondo o semblante grave e austero,
Riu-se e mostrou-me a portuguesa Atenas.

III
Tarde Juno zelosa
Vê Júpiter, o Deus onipotente,
em Almena formosa
Ter Hércules; e tanto esta dor sente,
que, em desafogo à pena,
Trabalhos mil de Jove ao filho ordena.
Manda-lhe, enfurecidas,
Duas serpentes logo ao berço terno,
criadas e nascidas
No infernal furor do Stígio Averno;
mas nada surte efeito,
Se um sangue onipotente anima o peito:
nas mãos o forte infante
Despedaça as serpentes venenosas
e fica triunfante
Das ciladas mortais e furiosas,
que Juno lhe ordenava,
Quando ele a viver mal começava.
Cresce, e a cruel madrasta,
Que, sempre nos seus danos diligente,
a vida lhe contrasta,
Ou que viva em descasos não consente,
faz com que, vagabundo,
Corra, sempre em trabalhos, todo o mundo.
Aqui lhe põe, irada,
De diversas cabeças a serpente,
que em briga porfiada
Trabalha por troncar inutilmente:
divide-as, mas que importa,
Se outras tantas lhe nascem quantas corta?
Enfim, por força e arte,
Este monstro cruel deixa vencido,
que já em outra parte
Trabalhos lhe tem Juno apercebido,
tais que eu não sei dizê-los,
Mas pode o peito de Hércules sofrê-los.
Triunfando e vencendo,
Fazendo-se no mundo mais famoso,
a Terra toda enchendo
De seu heroico nome glorioso,
no templo da Memória
Gravou o Non plus ultra, a sua glória.

IV
Por mais que os alvos cornos curve a Lua,
Furtando as luzes ao autor do dia,
Por mais que Tétis, na morada fria,
Ostente a pompa da beleza sua;

Por mais que a linda Citereia nua
Nos mostre o preço da gentil porfia;
Entra no campo tu, bela Maria,
Entra no campo, que a vitória é tua.

Verás a Cíntia protestar o engano,
Verás Tétis sumir-se, envergonhada,
Nas rumorosas grutas do oceano;

Vênus ceder-te o pomo, namorada;
E, sem Troia sentir o último dano,
Verás de Juno a cólera vingada.

V
Entro pelo Uraguai: vejo a cultura
Das novas terras por engenho claro;
Mas chego ao templo majestoso, e paro,
Embebido nos rasgos da pintura.

Vejo erguer-se a República perjura
Sobre alicerces de um domínio avaro;
Vejo distintamente, se reparo,
De Caco usurpador a cova escura.

Famoso Alcides, ao teu braço forte
Toca vingar os cetros e os altares:
Arranca a espada, descarrega o corte.

E tu, Termindo, leva pelos ares
A grande ação, já que te coube em sorte
A gloriosa parte de a cantares.

VI
Eu vi a linda Jônia e, namorado,
Fiz logo voto eterno de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se, neste estado,
Eu não sei distinguir esta daquela?
Se Nise agora vir, morro por ela,
Se Jônia vir aqui, vivo abrasado.

Mas ah! que esta me despreza, amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E aquela me não quer, por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
Ou faze destes dois um só semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!

VII
Não cedas, coração, pois nesta empresa
O brio só domina; o cego mando
Do ingrato amor seguir não deves, quando
Já não podes amar sem vil baixeza.

Rompa-se o forte laço, que é fraqueza
Ceder a amor, o brio deslustrando;
Vença-te o brio, pelo amor cortando,
Que é honra, que é valor, que é fortaleza.

Foge de ver Altea; mas, se a vires,
Por que não venhas outra vez a amá-la,
Apaga o fogo, assim que o pressentires;

E se inda assim o teu valor se abala,
Não lho mostres no rosto, ah, não suspires!
Calado geme, sofre, morre, estala!

VIII
Nem fizera a Discórdia o desatino
Que urdiu funesta briga à gente humana,
Nem, soberba, a República Romana
Poria ao mundo inteiro um jugo indigno.

O Ásia, ó Grécia, ó Roma, o teu destino
Fora feliz só com viver Joana;
Respeitoso, no peito a ação profana
Sufocaria o bárbaro Tarquino.

Ela das deusas três as graças goza
E os dons sublimes ela só encerra
De rainha, de sábia e de formosa.

Ah! se Joana então honrasse a terra!
Ó esposa romana, ó grega esposa,
Não fora a Formosura a mãe da Guerra!

XIX
De açucenas e rosas misturadas
Não se adornam as vossas faces belas,
Nem as formosas tranças são daquelas
Que dos raios do sol foram forjadas.

As meninas dos olhos delicadas,
Verde, preto ou azul não brilha nelas;
Mas o autor soberano das estrelas
Nenhumas fez a elas comparadas.

Ah, Jônia, as açucenas e as rosas,
A cor dos olhos e as tranças d'ouro
Podem fazer mil Ninfas melindrosas;

Porém quanto é caduco esse tesouro:
Vós, sobre a sorte toda das formosas,
Inda ostentais na sábia frente o louro!

X
Chegai, Ninfas, chegai, chegai, pastores,
Qu'inda que esconde Jônia as graças belas,
Márcia corre a cortina das estrelas,
Quando espalha no monte os resplendores.

Debaixo dos seus pés brotam as flores,
Quais brancas, quais azuis, quais amarelas;
E pelas próprias mãos lhe orna capelas,
Bem que invejosa, a deusa dos amores.

Despe a Serra os horrores da aspereza,
E as aves, que choravam até agora,
Acompanhando a Jônia na tristeza,

Já todas, ao raiar da nova aurora,
Cantam hinos em honra da beleza
De Márcia, gentilíssima pastora.

XI
Passa-se uma hora, e passa-se outra hora
Sem perceber-se, vendo os teus cabelos;
Passam-se os dias, vendo os olhos belos,
Partes do céu, onde amanhece a Aurora.

A boca vendo, aonde a graça mora,
Mimosas faces, centro dos desvelos,
Vendo o colo gentil, de donde os zelos,
Por mais que os mandem, não se vão embora.

Que tempo há de passar! Gasta-se a vida
E a vida é curta, pois ligeira corre,
E passa sem que seja pressentida.

Ah, Marília, Marília, quem discorre
Nas tuas perfeições, gostosa lida,
Que alegre vive que insensível morre!

XII
Depois que dos seus cães e caçadores
Foi Anteão nos bosques perseguido,
E depois que a vingança de Cupido
Provou Cíntia por mão dum dos pastores,

Aqui as tenras aves dentre as flores
Acompanham das fontes o ruído;
E os altares de Pafos e os de Gnido
Trocou por Sintra a deusa dos amores.

Aqui, da pira ardente a chama acesa,
A amante, a ingrata, a tenra, a esquiva, a ufana
Vêm disputar os prêmios da beleza.

Venceu a impiíssima Silvana.
Castiga, fere, amor, quem te despreza:
Tens triunfo maior que o de Diana.

XIII
Ao mundo esconde o Sol seus resplendores,
E a mão da Noite embrulha os horizontes;
Não cantam aves, não murmuram fontes,
Não fala Pã na boca dos pastores.

Atam as Ninfas, em lugar de flores,
Mortais ciprestes sobre as tristes frontes;
Erram chorando nos desertos montes,
Sem arcos, sem aljavas, os amores.

Vênus, Palas e as filhas da Memória,
Deixando os grandes templos esquecidos,
Não se lembram de altares nem de glória.

Andam os elementos confundidos:
Ah, Jônia, Jônia, dia de vitória
Sempre o mais triste foi para os vencidos!

XIV
Não os heróis, que o gume ensanguentado
da cortadora espada,
Em alto pelo mundo levantado,
trazem por estandarte
dos furores de Marte;
Nem os que, sem temor do irado Jove,
arrancam, petulantes,
Da mão robusta, que as esferas
move, os raios crepitantes,
E, passando a insultar os elementos,
fazem cair dos ares
os cedros corpulentos,
Por ir rasgar o frio seio aos mares,
levando a toda a terra,
Tinta de sangue, envolta em fumo, a guerra.

Ensanguentados rios, quantas vezes
vistes os férteis vales
Semeados de lanças e de arneses?
Quantas, ó Ceres loura,
Crescendo uns males sobre os outros males,
Em vez do trigo, que as espigas doura,
viste espigas de ferro,
Frutos plantados pelas mãos do erro,
E, colhidos em montes sobre as eiras,
Rotos pedaços de servis bandeiras!
Inda leio na frente ao velho Egito
o horror, o estrago, o susto,
Por mãos de heróis tiranamente escrito;
César, Pompeu, Antônio, Crasso, Augusto,
Nomes que a Fama pôs dos deuses perto,
reduziram por glória
Cidades e províncias a deserto;
E apenas conhecemos pela História,
que o tem roubado às eras,
Qual fosse a habitação que hoje é das feras.

Bárbara Roma, só por nome augusta,
desata o pranto, vendo
A conquista do mundo o que te custa;
Cortam os fios dos arados tortos
Trezentos Fábios num só dia mortos;
Zelosa negas um honrado asilo
ao ilustre Camilo;
A Mânlio, ingrata, do escarpado cume
arrojas por ciúme,
E vês a sangue frio, ó povo vário,
Subir Marcelo as proscrições de Mário.
Grande Marquês, os Sátiros saltando
por entre verdes parras,
Defendidas por ti de estranhas garras;
os trigos ondeando
nas fecundas searas;
Os incensos fumando sobre as aras,
à nascente cidade
Mostram a verdadeira heroicidade.

Os altos cedros, os copados pinhos
não a conduzir raios,
Vão romper pelo mar novos caminhos;
E em vez de sustos, mortes e desmaios,
danos da natureza,
Vão produzir e transportar riqueza.

O curvo arado rasga os campos nossos
Sem turbar o descanso eterno aos ossos;
Frutos do teu suor, do teu trabalho,
são todas as empresas;
Unicamente à sombra de Carvalho
Descansam hoje as quinas portuguesas.

Que importam os exércitos armados,
No campo com respeito conservados,
Se lá do gabinete a guerra fazes
E a teu arbítrio dás o tom às pazes?
Que, sendo por mão destra manejada,
A política vence mais que a espada.
Que importam tribunais e magistrados,
asilos da inocência,
Se pudessem temer-se declarados
patronos da insolência?
De que servirão tantas
Tão saudáveis leis, sábias e santas,
se, em vez de executadas,
Forem por mãos sacrílegas frustradas?

Mas vives tu, que para o bem do mundo
sobre tudo vigias,
Cansando o teu espírito profundo,
as noites e os dias.
Ah! quantas vezes, sem descanso uma hora,
Vês recostar-se o sol, erguer-se a aurora,
Enquanto volves com cansado estudo
As leis e a guerra, e o negócio, e tudo?

Vale mais do que um reino um tal vassalo:
Graças ao grande rei que soube achá-lo.

XV
América sujeita, Ásia vencida,
África escrava, Europa respeitosa;
Restaurada, mais rica e mais formosa,
A fundação de Ulisses destruída,

São a base em que vemos erigida
A colossal estátua majestosa,
Que del-rei à memória gloriosa
Consagrou Lusitânia agradecida.

Mas como a glória do monarca justo
é bem que àquele herói se comunique,
Que a fama canta, que eterniza o busto,

Pombal junto a José eterno fique,
Qual o famoso Agripa junto a Augusto,
Como Sully ao pé do grande Henrique.

XVI
Se, armada, a Macedônia ao Indo assoma
E Augusto a sorte entrega ao imenso lago;
Se o grande Pedro, errando, incerto e vago,
Bárbaros duros civiliza e doma;

Grécia de Babilônia exemplos toma,
Aprende Augusto no inimigo estrago,
Ensina a Pedro quem fundou Cartago,
E as leis de Atenas traz ao Lácio e Roma.

Tudo mostra o teatro, tudo encerra;
Nele a cega razão aviva os lumes
Nas artes, nas ciências e na guerra;

E a vós, alto senhor, que o rei e os numes
Deram por fundador à nossa terra,
Compete a nova escola dos costumes.

XVII
Do claro Tejo à escura foz do Nilo
E do bárbaro Araxe ao Tibre vago,
A fama, o susto e o marcial estrago,
Rompe a Fama os clarins em repeti-lo.

Mas não podem achar seguro asilo
Fora das margens do estígio lago
Os assombros de Roma e de Cartago:
Aníbal, Cipião, Fábio e Camilo.

Os grandes ossos cobre a terra dura,
E a morte desenrola o negro manto
Sobre o pio José na sepultura.

Injusta morte, sofre o nosso pranto,
Que, ainda que és lei a toda a criatura,
Parece não devias poder tanto.

XVIII
Marília bela,
Vou retratar-te,
Se a tanto a arte
Puder chegar.
Trazei-me, amores,
Quanto vos peço:
Tudo careço
Para a pintar.

Nos longos fios
De seus cabelos
Ternos desvelos
Vão se enredar.
Trazei-me, amores,
Das minas d'ouro
Rico tesouro
Para os pintar.

No rosto, a idade
Da primavera
Na sua esfera
Se vê brilhar.
Trazei-me, amores,
As mais viçosas
Flores vistosas
Para o pintar.

Quem há que a testa
Não ame e tema,
De um diadema
Digno lugar?
Trazei-me, amores,
Da selva Idália
Jasmins de Itália
Para a pintar.

A frente adornam
Arcos perfeitos,
Que de mil peitos
Sabem triunfar.
Trazei-me, amores,
Justos nivéis,
Sutis pincéis
Para a pintar.

A um doce aceno
Dos brandos olhos,
Setas a molhos
Se veem voar.
Trazei-me, amores,
Do sol os raios,
Fiéis ensaios,
Para os pintar.

Nas lisas faces
Se vê a aurora,
Quando colora
A terra e o mar.
Trazei-me, amores,
As mais mimosas
Pudicas rosas
Para as pintar.

Os meigos risos
Com graças novas
Nas lindas covas
Vão-se ajuntar.
Trazei-me, amores,
Aos pincéis leves
As sombras leves,
Para os pintar.

Vagos desejos
Da boca as brasas
As frágeis asas
Deixam queimar.
Trazei-me, amores,
Corais subidos,
Rubins partidos,
Para a pintar.

Entre alvos dentes,
Postos em ala,
Suave fala
Perfuma o ar.
Trazei-me, amores,
Nas conchas claras,
Pérolas raras,
Para os pintar.

O colo, Atlante
De tais assombros,
Airosos ombros
Corre a formar.
Trazei-me, amores,
Jaspe às mãos cheias,
De finas veias,
Para o pintar.

Do peito as ondas
São tempestades,
Onde as vontades
Vão naufragar.
Trazei-me, amores,
Globos gelados,
Limões nevados
Para o pintar.

Mãos cristalinas,
Roliços braços,
Que doces laços
Prometem dar!
Trazei-me, amores,
As açucenas,
Das mais pequenas,
Para as pintar.

A delicada,
Gentil cintura
Toda se apura
Em se estreitar.
Trazei-me, amores,
ânsias que fervem:
Só essas servem
Para a pintar.

Pés delicados
Ferindo a terra,
Às almas guerra
Vêm declarar.
Trazei-me, amores,
As setas prontas
De curtas pontas
Para os pintar.

Porte de deusa,
Espírito nobre,
E o mais, que encobre
Pejo vestal.
Só vós, amores,
Que as Graças nuas
Vedes, as suas
Podeis pintar.

XIX
Honradas sombras dos maiores nossos,
Que estendestes a lusa monarquia
Do torrado Equador à zona fria,
Por incultos sertões, por mares grossos,

Saí a ver os sucessores vossos
Revestidos de gala e de alegria,
E nos prazeres do mais fausto dia
Dai vigor novo aos carcomidos ossos.

Lá vem o grande Afonso, a testa erguendo
A ver Carvalho, em cujos fortes braços
Crescem os netos que lhe vão nascendo;

E o suspirado Almeida rompe os laços
Da fria morte, o neto invicto vendo
Seguir tão perto de Carvalho os passos.

XX
Expõe Teresa acerbas mágoas cruas;
E à briosa nação, de furor tinta
Faz arrancar da generosa cinta
O reflexo de mil espadas nuas.

Arrasta e pisa as otomanas luas
E, por mais que Netuno o não consinta,
A heroína do Norte faz que sinta
O peso o mar Egeu das quilhas suas.

Seus nomes no áureo templo a fama ajunta,
Mas pintar seus estragos não se atreve;
Ao seu Danúbio, ao mar Negro o pergunta.

Lusitânia aos céus muito mais deve:
Que a rege, como aos povos d'Amatunta,
Freio de rosas posto em mãos de neve.

XI
Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente,
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
Isto é castigo
que amor me dá.

Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
Isto é castigo
que amor me dá.

Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa
Desta fortuna
Me quer privar.
Isto é castigo
que amor me dá.

Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar.
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dois modos
De me matar.
Isto é castigo
que amor me dá.

XXII
Peitos que o amor da pátria predomina,
Vede o consórcio que a virtude traça.
Não é de Chipre na festosa praça
Que o nobre Andrada a Isabel se inclina.

Abençoa do alto a mão divina
O nó sagrado, que apertou a Graça;
E a mesma inocência que os enlaça
Feliz posteridade lhes destina.

Risonhos amorinhos de Citera,
Fugi deste lugar, aos céus aceito,
Que aqui nem Vênus nem Cupido impera.

Gênios celestiais, cercai-lhe o leito:
Do puro fogo da sublime esfera
Desçam as chamas a inflamar-lhe o peito.

XXIII
Bárbaros filhos destas brenhas duras,
Nunca mais recordeis os males vossos;
Revolvam-se no horror das sepulturas
Dos primeiros avós os frios ossos:
Que os heróis das mais altas cataduras
Principiam a ser patrícios nossos;
E o vosso sangue, que esta terra ensopa,
Já produz frutos do melhor da Europa.

Bem que venha a semente à terra estranha,
Quando produz, com igual força gera;
Nem do forte leão, fora de Espanha,
A fereza nos filhos degenera;
O que o estio numas terras ganha,
Em outras vence a fresca primavera;
E a raça dos heróis da mesma sorte
Produz no sul o que produz no norte.

Rômulo porventura foi Romano?
E Roma a quem deveu tanta grandeza?
Não era o grande Henrique Lusitano:
Quem deu princípio à glória portuguesa?
Que importa que José Americano
Traga a honra, a virtude e a fortaleza
De altos e antigos troncos portugueses,
Se é patrício este ramo dos Meneses?

Quando algum dia permitir o Fado
Que ele o mando real moderar venha,
E que o bastão do pai, com glória herdado,
Do pulso invicto pendurado tenha,
Qual esperais que seja o seu agrado?
Vós experimentareis como se empenha
Em louvar estas serras e estes ares
E venerar, gostoso, os pátrios lares.

Esses partidos morros e escalvados
Que enchem de horror a vista delicada
Em soberbos palácios levantados
Desde os primeiros anos empregada,
Negros e extensos bosques tão fechados,
Que até ao mesmo Sol negam a entrada,
E de agreste País habitadores
Bárbaros homens de diversas cores.

Isto, que Europa barbaria chama,
Do seio das delícias, tão diverso,
Quão diferente é para quem ama
Os ternos laços de seu pátrio berço!
O pastor louro, que o meu peito inflama,
Dará novos alentos ao meu verso,
Para mostrar do nosso herói na boca
Como em grandezas tanto horror se troca.

Aquelas serras na aparência feias,
— dirá José — oh quanto são formosas!
Elas conservam nas ocultas veias
A força das potências majestosas;
Têm as ricas entranhas todas cheias
De prata, ouro e pedras preciosas;
Aquelas brutas e escalvadas serras
Fazem as pazes, dão calor às guerras.

Aqueles matos negros e fechados,
Que ocupam quase a região dos ares,
São os que, em edifícios respeitados,
Repartem raios pelos crespos mares.
Os coríntios palácios levantados,
Dóricos templos, jônicos altares,
São obras feitas desses lenhos duros,
Filhos desses sertões feios e escuros.

A coroa de ouro, que na testa brilha,
E o cetro, que empunha na mão justa
Do augusto José a heroica filha,
Nossa rainha soberana augusta;
E Lisboa, da Europa maravilha,
Cuja riqueza todo o mundo assusta,
Estas terras a fazem respeitada,
Bárbara terra, mas abençoada.

Estes homens de vários acidentes,
Pardos e pretos, tintos e tostados,
São os escravos duros e valentes,
Aos penosos trabalhos costumados:
Eles mudam aos rios as correntes,
Rasgam as serras, tendo sempre armados
Da pesada alavanca e duro malho
Os fortes braços feitos ao trabalho.

Porventura, senhores, pôde tanto
O grande herói, que a antiguidade aclama,
Porque aterrou a fera de Erimanto,
Venceu a Hidra com o ferro e chama?
Ou esse a quem da tuba grega o canto
Fez digno de imortal e eterna fama?
Ou inda o macedônico guerreiro,
Que soube subjugar o mundo inteiro?

Eu só pondero que essa força armada,
Debaixo de acertados movimentos,
Foi sempre uma com outra disputada
Com fins correspondentes aos intentos.
Isto que tem com a força disparada
Contra todo o poder dos elementos,
Que bate a forma da terrestre esfera,
Apesar duma vida a mais austera?

Se o justo e útil pode tão somente
Ser o acertado fim das ações nossas,
Quais se empregam, dizei, mais dignamente
As forças destes ou as forças vossas?
Mandam a destruir a humana gente
Terríveis legiões, armadas grossas;
Procurar o metal, que acode a tudo,
é destes homens o cansado estudo.

São dignos de atenção... Ia dizendo
A tempo que chegava o velho honrado,
Que o povo reverente vem benzendo
Do grande Pedro com o poder sagrado;
E já o nosso herói nos braços tendo,
O breve instante em que ficou calado,
De amor em ternas lágrimas desfeito,
Estas vozes tirou do amante peito:

Filho, que assim te chamo, filho amado,
Bem que um tronco real teu berço enlaça,
Porque foste por mim regenerado
Nas puras fontes da primeira graça;
Deves o nascimento ao pai honrado,
Mas eu de Cristo te alistei na praça;
E estas mãos, por favor de um Deus eterno,
Te restauraram do poder do Inferno.

Amado filho meu, torna a meus braços,
Permita o céu que a governar prossigas,
Seguindo sempre de teu pai os passos,
Honrando as suas paternais fadigas.
Não receies que encontres embaraços
Aonde quer que o teu destino sigas,
Que ele pisou por todas estas terras
Matos, rios, sertões, morros e serras.

Valoroso, incansável, diligente
No serviço real, promoveu tudo
Já nos países do Puri valente,
Já nos bosques do bruto Botocudo;
Sentiram todos sua mão prudente
Sempre debaixo de acertado estudo;
E quantos viram seu sereno rosto
Lhe obedeceram por amor, por gosto.

Assim confio o teu destino seja,
Servindo a pátria e aumentando o Estado,
Zelando a honra da Romana Igreja,
Exemplo ilustre de teus pais herdado;
Permita o céu que felizmente veja
Quanto espero de ti desempenhado.
Assim, contente, acabarei meus dias;
Tu honrarás as minhas cinzas frias.

Acabou de falar o honrado velho,
Com lágrimas as vozes misturando.
Ouviu o nosso herói o seu conselho,
Novos projetos sobre os seus formando:
Propagar as doutrinas do Evangelho,
Ir os patrícios seus civilizando;
Aumentar os tesouros da Reinante
São seus desvelos desde aquele instante.

Feliz governo, queira o céu sagrado
Que eu chegue a ver esse ditoso dia,
Em que nos torne o século dourado
Dos tempos de Rodrigo e de Maria;
Século que será sempre lembrado
Nos instantes de gosto e de alegria,
Até os tempos, que o Destino encerra,
De governar José a pátria terra.

XXIV
Amada filha, é já chegado o dia,
Em que a luz da razão, qual tocha acesa,
Vem conduzir a simples natureza,
é hoje que o teu mundo principia.

A mão que te gerou teus passos guia,
Despreza ofertas de uma vã beleza,
E sacrifica as honras e a riqueza
às santas leis do filho de Maria.

Estampa na tua alma a caridade,
Que amar a Deus, amar aos semelhantes,
São eternos preceitos da verdade.

Tudo o mais são ideias delirantes;
Procura ser feliz na eternidade,
Que o mundo são brevíssimos instantes.

XXV
De meio corpo, nu, sobre a bigorna,
Os ferros malhe o imortal Vulcano,
Que hão de ir contar ao derradeiro ano
O nome de um herói que a pátria adorna.

Suntuoso passeio em parte a orna;
Vistoso cais enfreia o Oceano;
E na praça um colosso, altivo e ufano,
As frescas águas pelo povo entorna.

Estas, grande senhor, memórias vossas,
Que ficam na cidade eternizadas,
Também o ficam nas memórias nossas;

E as línguas, por Vulcano temperadas,
Hão de entranhar em duras pedras grossas
De vosso nome as letras respeitadas.

XXVI
Segue dos teus maiores,
Ilustre ramo, as sólidas pisadas;
espalha novas flores
Sobre as suas ações, grandes e honradas;
Abre da tua mão da glória o templo,
Mas move o braço pelo seu exemplo.

A herdada nobreza
Aumenta, mas não dá merecimento;
dos heróis a grandeza
Deve-se ao braço, deve-se ao talento;
E assim foi que, acalcando o seu destino,
Deu leis ao mundo o cidadão de Arpino.

Abre-te a nova terra
Para heroicas ações um plano vasto;
Ou na paz ou na guerra
Orna os triunfos teus de um novo fasto;
Faze servir aos Castros e aos Mendonças
Malhados tigres, marchetadas onças.

Não há bárbara fera
Que o valor e a prudência não domine.
Quando a razão impera,
Que leão pode haver que não se ensine?
E o forte jugo, por si mesmo grave,
A doce mão que o põe o faz suave.

Que fez a Natureza
Em pôr neste país o seu tesouro,
das pedras na riqueza,
Nas grossas minas abundantes de ouro,
Se o povo miserável?... Mas que digo:
Povo feliz, pois tem o vosso abrigo!

Já sobre os densos ares
Horrenda tempestade alevantada
abre o seio dos mares
Para tragar a nau despedaçada...
Porém destro piloto arreia o pano,
Salva o perigo e remedeia o dano.

Assim a grande augusta,
Que vê o mal com ânimo paterno,
em mão prudente e justa
Vem colocar as rédeas do governo:
Eu vejo a nau, já do perigo isenta,
Buscar o porto livre da tormenta.

A vós, florente ramo,
Meus versos mal limados dirigia.
.......................................................

XXVII
Que mal se mede dos heróis a vida
Pela série dos anos apressados!
Muito vive o que emprega os seus cuidados
Em ganhar nome e fama esclarecida.

Em vão, dobrando os passos, atrevida,
Chega a morte cruel, e os negros fados:
Quem viveu para a glória tem gravados
Seus dias sobre esfera mais luzida.

Jaz o ilustre Marquês! As tristes dores
Espalham com o respeito mais profundo
Na fria urna estas piedosas flores:

Breve a vida lhe foi; mas, sem segundo,
O seu nome imortal entre os maiores
Será sempre saudoso à pátria e ao mundo.

XXVIII
Oh, que sonho, oh, que sonho eu tive nesta
Feliz, ditosa, sossegada sesta!
Eu vi o Pão de Açúcar levantar-se,
E no meio das ondas transformar-se
Na figura do índio mais gentil,
Representando só todo o Brasil.
Pendente a tiracol de branco arminho,
Côncavo dente de animal marinho
As preciosas armas lhe guardava:
Era tesouro e juntamente aljava.
De pontas de diamante eram as setas,
As hásteas de ouro, mas as penas pretas;
Que o índio valoroso, ativo e forte,
Não manda seta em que não mande a morte.
Zona de penas de vistosas cores,
Guarnecida de bárbaros lavores,
De folhetas e pérolas pendentes,
Finos cristais, topázios transparentes,
Em recamadas peles de saíras,
Rubins, e diamantes e safiras,
Em campo de esmeralda escurecia
A linda estrela que nos traz o dia.
No cocar... oh! que assombro, oh! que riqueza!
Vi tudo quanto pode a natureza:
No peito, em grandes letras de diamante,
O nome da Augustíssima Imperante.
De inteiriço coral novo instrumento
As mãos lhe ocupa, enquanto ao doce acento
Das saudosas palhetas, que afinava,
Píndaro Americano assim cantava:
Sou vassalo, sou leal:
como tal,
fiel, constante,
Sirvo à glória da imperante,
Sirvo à grandeza real.
Aos Elísios descerei,
Fiel sempre a Portugal,
Ao famoso vice-rei,
Ao ilustre general,
às bandeiras que jurei.
Insultando o fado e a sorte
E a fortuna desigual,
A quem morrer sabe, a morte
Nem é morte nem é mal.

XXIX
Invisíveis vapores,
Da baixa terra contra o céu erguidos,
Não ofuscam o sol os resplendores.
Os padrões erigidos
À fé real nos peitos lusitanos
São do primeiro Afonso conhecidos.
A nós, americanos,
Toca levar pela razão mais justa
Do trono a fé aos derradeiros anos.
Fidelíssima Augusta,
Desentranhe um riquíssimo tesouro
Do cofre americano a mão robusta.
Se ao Tejo, ao Minho, ao Douro
Lhe mostra um rei em bronze eternizado,
Mostre-lhe a filha eternizada em ouro.

Do trono os resplendores
Façam a nossa glória, e vestiremos
Bárbaras penas de vistosas cores.
Para nós só queremos
Os pobres dons da simples natureza,
E seja vosso tudo quanto temos.
Sirva à real grandeza
A prata, o ouro, a fina pedraria,
Que esconde destas serras a riqueza.
Ah! chegue o feliz dia,
Em que do Mundo Novo a parte inteira
Aclame o nome augusto de Maria.
Real, Real, Primeira!
Só esta voz na América se escute,
Veja-se tremular tua bandeira!

Rompam instável sulco
Do Pacífico mar na face plana
Os galeões pesados de Acapulco.
Das serras da Araucana
Desçam nações confusas, diferentes,
A vir beijar as mãos da soberana.
Chegai, chegai, contentes,
Não temais dos Pissarros a fereza
Nem dos seus companheiros insolentes.
A Augusta portuguesa
Conquista corações, em todos ama
O soberano autor da natureza.
Por seus filhos vos chama,
Vem pôr termo à nossa desventura
E os seus favores sobre nós derrama.

Se o Rio de Janeiro
Só a glória de ver-vos merecesse,
Já era vosso o Mundo Novo inteiro;
Eu fico que estendesse
Do Cabo ao mar Pacífico as medidas
E por fora da Habana as recolhesse.
Ficavam incluídas
As terras que vos foram consagradas,
Apenas por Vespúcio conhecidas.
As cascas enroladas,
Os aromas e os índicos efeitos
Poderão mais que as serras prateadas;
Mas nós, de amor sujeitos,
Prontos vos ofertamos à conquista
Bárbaros braços e constantes peitos.

Pode a Tartária grega
A luz gozar da russiana aurora,
E a nós esta fortuna não nos chega?
Vinde, real Senhora,
Honrai os vossos mares por dois meses,
Vinde ver o Brasil, que vos adora.
Noronhas e Meneses,
Cunhas, Castros, Almeidas, Silvas, Melos,
Têm prendido o Leão por muitas vezes.
Fiai os reais selos
A mãos seguras, vinde descansada:
De que servem dois grandes Vasconcelos?
Vinde a ser coroada
Sobre a América toda, que protesta
Jurar nas vossas mãos a lei sagrada.

Vai, ardente desejo,
Entra humilhado na real Lisboa,
Sem ser sentido do invejoso Tejo.
Aos pés augustos voa,
Chora e faze que a mãe, compadecida,
Dos saudosos filhos se condoa.
Ficando enternecida,
Mais do Tejo não temas o rigor:
Tens triunfado, tens a ação vencida.
Da América o furor
Perdoai, grande Augusta; é lealdade,
São dignos de perdão crimes de amor.
Perdoe a Majestade,
Enquanto o Mundo Novo sacrifica
À tutelar, propícia Divindade.

O príncipe sagrado,
O Pão da Pedra, que domina a barra,
Em colossal estátua levantado,
Veja a triforme garra
Quebrar-lhe aos pés Netuno furioso,
Que o irritado sudoeste escarra;
E veja, glorioso,
Vastíssima extensão de imensos mares,
Que cercam seu império majestoso;
Honrando nos altares
Uma mão, que o faz ver de tanta altura,
Ambos os mundos seus, ambos os mares
E a fé mais santa e pura
Espalhada nos bárbaros desertos,
Conservada por vós firme e segura.

Sombra ilustre e famosa
Do grande fundador do luso Império,
Eterna paz eternamente goza.
Num e noutro hemisfério
Tu vês os teus augustos descendentes
Dar as leis pela voz do Ministério;
E os povos diferentes,
Que é impossível quase o numerá-los,
Vêm a tributar-lhe honra, obedientes.
A glória de mandá-los
Pedem ao neto glorioso teu,
Que adoram, rei, que servirão, vassalos.
O Índio o pé bateu,
Tremeu a terra, ouvi trovões, vi raios,
E de repente desapareceu.

XXX
A mão que aterra do Nemeu a garra,
Atreu, Aquiles, Sofonisba e Fedra
São assuntos da lira, e nunca medra,
Invejosa dos cisnes, a cigarra.

Tu, onde o vento e o mar a fúria esbarra,
Sem chamas de rubim, facetas de edra,
Imortal ficarás por mim, ó pedra,
Que ao longe mostras de teu rio a barra.

Abrasado entre as chispas na bigorna,
Malha Vulcano e do trifauce perro
Brontes a Estígia caldeando entorna.

O grande Castro em bronze, em ouro, em ferro,
Por mão de um Deus a tua frente adorna:
Mais durarás do que o Cefás do Serro.

XXI
Não me aflige do potro a viva quina;
Da férrea maça o golpe não me ofende;
Sobre as chamas a mão se não estende;
Não sofro do agulhete a ponta fina.

Grilhão pesado os passos não domina;
Cruel arrocho a testa me não fende;
à força perna ou braço se não rende;
Longa cadeia o colo não me inclina.

Água e pomo faminto não procuro;
Grossa pedra não cansa a humanidade;
A pássaro voraz eu não aturo.

Estes males não sinto, é bem verdade;
Porém sinto outro mal inda mais duro:
Da consorte e dos filhos a saudade!

XXXII
Eu não lastimo o próximo perigo,
Uma escura prisão, estreita e forte;
Lastimo os caros filhos, a consorte,
A perda irreparável de um amigo.

A prisão não lastimo, outra vez digo,
Nem o ver iminente o duro corte;
Que é ventura também achar a morte,
Quando a vida só serve de castigo.

Ah, quem já bem depressa acabar vira
Este enredo, este sonho, esta quimera,
Que passa por verdade e é mentira!

Se filhos, se consorte não tivera,
E do amigo as virtudes possuíra,
Um momento de vida eu não quisera.

XXXIII
A paz, a doce mãe das alegrias,
O pranto, o luto, o dissabor desterra;
Faz que se esconda a criminosa guerra,
E traz ao mundo os venturosos dias.

Desce, cumprindo eternas profecias,
A nova geração dos céus à terra;
O claustro virginal se desencerra,
Nasce o filho de Deus, chega o Messias.

Busca um presépio, cai no pobre feno
A mão onipotente, a quem não custa
Criar mil mundos ao primeiro aceno.

Bendita sejas, lusitana augusta
Cobre o mar, cobre a terra um céu sereno,
Graças a ti, ó grande, ó sábia, ó justa!

XXXIV
Chia de dia pela rua o carro,
Tine de noite da corrente o ferro;
Aqui me estruge do soldado o berro,
Aqui ronca do oficial o escarro.

Uns trabalham na cal, outros no barro,
Fugiu a vadiação, pôs-se em desterro;
O soldado ali faz justiça ao erro,
E a cada canto com galés esbarro.

Não há milho, feijão, não há farinha,
O roceiro de medo a tropa arreia,
A nova lotaria se avizinha.

Vê-se a porta de mendigos cheia,
E perguntada a causa desta tinha,
Toda a gente me diz: — Faz-se a cadeia.


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Iba Mendes Editor Digital. São Paulo, 2023.

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