9/07/2025

A origem e história do café no Brasil (História), por Visconde de Taunay

 


Parece absolutamente fora de dúvida que o café tem origem etiópica. Os mais velhos relatos de viajantes consignam esta opi­nião. E o exame das fontes não autoriza a versão de que a Arábia haja sido o berço da rubiácea esteio do Brasil, por Lineu mal de­nominada – Cofea arabica. Deve-se, contudo, observar que talvez haja o grande sueco sido sugestionado por um erro anterior de Jussieu, com o seu Jasminum arabicum.

Das terras abexins passou o cafeeiro à Arábia. Quando? É o que até agora não se conseguiu apurar nem provavelmente jamais se apurará. O velho manuscrito de Schahab-eddin fala das vizinhan­ças da era de 1500, mas é muito provável que tal data não corres­ponda à verdade dos fatos. Admite-se, geralmente, porém, que os árabes hajam começado a tomar café já no século XV.

Sobre a origem do aproveitamento da infusão dos grãos e folhas do cafeeiro há assaz farto lendário, divulgado desde o século XVII por Fausto Naironi, ao relatar o bem conhecido caso do pastor etíope a quem impressionou a excitação provocada nas cabras de seu rebanho pela ingestão das folhas de cafeeiro. Comunicara tal impressão a uns monges seus vizinhos e, dentro em breve, bebiam estes um decocto das cerejas do café, que os mantinha sobremodo vigilantes à hora do coro noturno conventual.

A disseminação do uso do café não se fez facilmente. Encontrou, desde os primeiros dias, muitos tropeços e até, por vezes, feroz re­sistência. Assim, se deu em Meca, onde, em 1511, principiou uma perseguição de certos elementos fanáticos, terminada por violên­cias e proibição expressa da ingestão de café, por contrariar ao Alcorão. Pouco durou, porém, o triunfo dos cafeífobos. Já em 1526, eram livres o plantio e o comércio cafeeiro na península arábica, onde tomaram grande desenvolvimento.

Propagou-se, rapidamente, o uso do café pelo Oriente Próximo, Egito, Síria e Turquia. Na primeira destas regiões encontrou viva oposição, como em 1534 e 1539, dando isto lugar a motins e vio­lências muito sérias contra os tomadores de café, como em 1542. Na Síria espalhou-se, rápida e triunfalmente, de 1530 em diante. No Império Otomano houve, apenas, pequeno óbice a vencer-se, com um firman de Solimão, o Magnífico, dentro em breve derro­gado. Propagou-se, pois, nos domínios dos Osmanlis o uso do café e, do modo mais avantajado, na primeira metade do século XVI. Em 1570, renovou-se o movimento anticafezista, desta vez enca­beçado pelo Grão-Mufti e outros energúmenos, mas sem conse­guir grandes resultados.

Continuaram os turcos a beber café e do modo mais intenso.

No século XVII, cabia aos árabes a exclusividade da lavoura cafeeira, e acreditava-se, aliás, então, que estes ismaelitas ferviam as sementes a fim de lhes destruir o poder germinativo.

Parece fora de dúvida que o revelador do café à Europa, por meio da imprensa, veio a ser Leonardo Rauwolf, viajante alemão do Oriente, que, em 1592 e no seu relato de viagens, referiu a existência do grão da rubiácea e do seu decocto. O segundo veio a ser o ilustre botânico italiano Prospero Alpini, que, em sua De me­dicina AEgyptiorum, se referiu ao chaova e à sua infusão. Contudo, parece incontestável que já antes de ambos estes precursores os venezianos (e isto é tudo quanto há de mais plausível) conhe­ciam de sobra o café, por frequentarem os portos levantinos de Alexandria e Constantinopla, onde tanto se bebia café. Foi Alpini, aliás, quem primeiro desenhou um ramo de cafeeiro.

Pretende Ukers, a citar um Dr. Cougnet, que as primeiras xí­caras de café bebidas na Europa ocidental o foram em Veneza, já em fins do século XVI. Entre os propagandistas do café na Itália, citam-se Pietro della Valle e Honorio Belli, correspondente de Clusius, que passava por ser o maior botânico de seu tempo. Segundo Macpherson, apareceram os primeiros grãos de café na Holanda, em 1616, levados por certo Pieter van der Broek. Desde o princípio do século XVII faziam, aliás, os navios da Companhia das Índias Orientais grandes transportes de café entre os países muçulmanos do Levante.

As primeiras referências inglesas ao café parecem ser as da tradução da obra latina do médico holandês Bernardo ten Brocke (Paludanus), em 1598, dos viajantes William Parry (1601) e John Smith (1603). Já em 1623, tratava do café o imortal Francisco Bacon.

Na Holanda, o famoso botânico Bontius, em 1631, descreveu o caveah dos árabes. Em 1637, bebia-se café, correntemente, em Amsterdã e exportava-se o grão para a Alemanha. Coube aos holandeses um grande papel na obra de propagação da bebida pela Europa setentrional e central. Seus navios, em 1642, segun­do Wurfbain, transportavam grandes partidas da Arábia para as Índias.

Na França, a primeira referência impressa é a de de L’Écluse (Cusius) e a segunda, de Duloir (1654). Viajantes franceses, dois  dos quais célebres, Tavernier e Thévenot, e um terceiro muito me­nos conhecido, Bernier, contribuíram imenso para a divulgação do café.

Parece que a Thévenot se deve a introdução do café em Paris, em 1657. De 1600 em diante, passou-se a beber muito café em Marselha.

Formidável impulsionador, em França, foi o embaixador de Maomé IV junto a Luís XIV, o faustoso Soliman Agá.

Tornou-se verdadeira mania na corte do Rei Sol tomar-se café, e a marquesa de Sevigné escreveu a tal propósito uns reparos, que citadores pouco respeitosos dos textos – segundo uns, Voltaire, segundo outros, La Harpe, comentaram num aforismo repetidís­simo, jamais pronunciado pela célebre epistológrafa: Racine passera comme le café.

Parece que, na Inglaterra, foi Sir Harry Blount quem ensinou a preparar café, coisa que aprendera entre os turcos. Consta que o primeiro propagandista do café, em Londres, foi um tal Conopios, refugiado grego natural de Creta. Mas, parece que o primeiro café público deveu-se à iniciativa de um grego ou armênio, chamado Pasqua Rosée. Houve, na Inglaterra dos últimos Stuarts, vivos debates sobre a benemerência e a nocividade do café. Pontuaram- -nos pitorescos incidentes, como, por exemplo, o da representa­ção das mulheres de Londres a Carlos II, pedindo a proibição da bebida que, no seu dizer, esterilizava a espécie humana.

Em 1670, verificava-se em Londres enorme multiplicação de cafés públicos, centro de falatórios dos oposicionistas contra o mau governo de Carlos II, que acabou por mandá-los fechar em 1675, mas não ousou tornar efetiva tal medida. Nos cafés londri­nos muito se operou a efervescência dos espíritos que deu em terra com os Stuarts, em 1689.

Foi a Inglaterra setecentista notável bebedora do café, e entre os principais adeptos da infusão arábica citam-se alguns grandes nomes, como os de Swift, Pope, Addison e Samuel Johnson.

Atribuem as autoridades a preferência ulterior dos ingleses para o chá à propaganda da Companhia Britânica das Índias Orientais, a British East India Company, que movia tremenda guerra à sua congênere holandesa, propagandista do café.

Nas terras do Império Germânico, o café se infiltrou pela via de Hamburgo e as influências holandesa e britânica. Na grande cidade hanseática, o primeiro café público data, segundo parece, de 1679. Berlim teve o seu em 1721. Na Alemanha meridional, a penetração se operou por via italiana. Frederico, o Grande, aliás grande bebedor de café, mostrou-se-lhe adverso, defendendo a be­bida tradicional dos teutos: a cerveja. Taxou-o fortemente. Já em toda a Alemanha se consumia imenso o café com leite, mistura que passa por invenção germânica.

Na Alemanha setecentista, existiu um adepto fanático do café, portador de um dos maiores nomes da Humanidade: Emmanuel Kant. E não menos fervente, outra celebridade à qual já nos refe­rimos – Frederico, o Grande. Para alguns autores, passa Viena por ter sido a primeira cidade teutônica que conheceu o café. E esta circunstância se prende à história do famoso cerco de 1683, quan­do o grande exército otomano de Kara Mustafá foi, sob os muros da então capital do Santo Império, desbaratado pelas tropas do heroico Sobieski. Fugindo, deixaram os turcos em sua impedimen­ta numerosas sacas de café. A este caso prende-se o romântico episódio do polaco Kolschitsky, decantado em prosa e verso. Ao herói do cerco de Viena deveu-se a abertura do primeiro café pú­blico da grande cidade.

Na Suécia, começou o café a ser ingerido depois de 1721. Na Holanda, acredita-se que os primeiros cafés públicos datam de 1665, em Haia, e de 1666, em Amsterdã. A república batava jamais opôs o menor óbice à propagação do licor arábico. E a mais ve­lha peça iconográfica europeia que se conhece sobre café é certo quadro de um dos maiores pintores neerlandeses: Adriano van Ostade.

Desde 1690, pensaram os batavos em plantar a rubiácea na Malásia, sob instigação do famoso Nicolau Witsen, burgomestre de Amsterdã e diretor da Companhia das Índias Orientais. Parece que o primeiro cafezal de Java data de 1696 e foi plantado por or­dem do Governador-Geral van Ondshoorn, perto de Batávia. De Java, propagou-se o cafeeiro a diversas outras ilhas, como Sumatra, Celebes, Timor etc. Há dúvidas acerca da data da remessa do pri­meiro carregamento de café da Malásia a Amsterdã. Parece que, em 1706, ocorreu um primeiro ensaio, remetendo-se, ao mesmo tempo, mudas de cafeeiro ao jardim botânico de Amsterdã.

Destas mudas se originou o imenso cafezal americano.

Diz Ukers que a primeira partida comercial, cerca de 500 qui­los, vendeu-se na Holanda, em 1711.

Consta que o primeiro café público italiano se abriu em 1645. Proliferaram os cafés, largamente, pela península itálica. Tornaram-se célebres, em toda a Europa, os cafés venezianos, ge­noveses e romanos.

Surgiu na Itália a primeira publicação ocidental sobre o café, De saluberrima potione cahue seu café nuncupata discursus, da autoria de Fausto Naironi, erudito maronita, residente em Roma.

A bibliografia cafeeira abrem os árabes, como era de esperar, com O Triunfo do Café, de Fakre Eddin, e as poesias do vate xeque Therif-Eddin, obras do século XVI. Já no século XVII, surgem os europeus celebradores das virtudes do café. Parece que o primei­ro foi o poeta italiano Belighi. Citam-se, entre os grandes nomes literários e científicos, como defensores do café: Milton, Voltaire, d’Alembert, Diderot, Pope, J. B. Rousseau, Benjamin Franklin, Goldoni, Delille, talvez o mais citado de todos, graças aos seus famosos versos mil vezes repetidos: Il est une liqueur etc. c’est toi divin café! etc. Grande quantidade de poetae minores celebraram a infusão arábica, através dos arroubos do seu estro mais e menos inspirado. Entre outros grandes vultos e notabilidades do século, citam-se J. J. Rousseau, B. de Saint-Pierre, Luís XV, José II, Napoleão e Talleyrand.

Entre os artistas, arrolam-se nomes insignes como os de João Sebastião Bach, com a sua deliciosa Cantata do Café, van Ostade, W. Hoggarth, Boucher e van Loo, glórias das mais puras em suas diversas escolas.

Em França, os cafés públicos multiplicaram-se, notavelmente, no século XVIII, representando o mais elevado papel como local de debates políticos. Já, aliás, os havia no século anterior, como o Café Procopio, aberto por um siciliano, Procopio Cotelli ou Cetelli, e o ainda mais conhecido Café de la Régence, datado de 1689 e, as­sim, crismado em 1718, notável como centro enxadrístico mun­dialmente reputado.

Cresceu tanto o comércio cafeeiro na monarquia do Rei Cristianíssimo que, já em 1708, negociantes de Saint Malô orga­nizaram uma companhia para importar o gênero diretamente da Arábia, daí se originando a célebre viagem de J. de la Rocque.

Nos tempos da Grande Revolução, tiveram excepcional impor­tância vários cafés, como de la Régence, Lemblin, de Foy etc., assi­duamente frequentados por vultos da maior celebridade como Robespierre, Camille Desmoulins, Napoleão e muitos mais.

A bibliografia cafeeira dos séculos XVII e XVIII, francesa, ingle­sa, alemã e italiana, avultou cada vez mais. A francesa é encabeça­da pela obra de Philippe Dufour: As admiráveis virtudes da amora chamada café (1671). Veio muito depois das páginas do botânico inglês John Perkinson, cujo Theatrum Botanicum é de 1640, e pos­terior, de pouco aliás, à Quality and Most Excellent Virtues of Coffee, obra de Morton (1670). A mais antiga contribuição germânica é devida a Petersen: De Potu Coffi (1676). Parece que o mais velho pe­riódico de propaganda cafeeira vem a ser “A Nova e Curiosa Casa de Café, Outrora na Itália, e Agora na Alemanha”, jornaleco edita­do em Leipzig, em 1707, e propriedade de um italiano chamado Felipo Giorgi.

Sobre o vocábulo café, largamente discutiram os etimologistas de várias nacionalidades. Aventa Sir James Murray que a palavra se filia ao topônimo abexim Kaffa, a cidade do Choa no sudoeste da Etiópia, região de onde parece proceder o café. A seu ver, Kaffe passou a ser para os árabes qahwah, termo que os turcos pronun­ciam Koveh. A Murray contestaram James Platt, o filósofo indiano V. Chattopadhyaya e o erudito linguista W. Prideaux, que repelem a influência turca. Para Ukers, que analisou estes pareceres, não pode haver dúvida possível, provêm do árabe, através do turco, a palavra café e suas modalidades idiomáticas europeias.

Em sua erudita monografia sobre os primórdios do café, entende o Dr. Jorge Padberg Drenkpol, apoiado em muitas autoridades de primeira ordem, que café não vem do etíope caffa ou kaffa, de acor­do com o primeiro aventador de tal etimologia – Bruce, célebre viajante africano. Deriva de qahwa, vinho em árabe. Ao cafeeiro chamavam os abexins bunn. Vinho de bum, qahwa de bunn, como descobriram ilustres orientalistas, Sylvestre de Sacy e Bartolomeu d’Herbelot.

Mera circunstância fortuita aproxima o topônimo abexim Kaffa e o substantivo árabe qahwa que, ao ver de muitos dos mais abalizados orientalistas, é o incontestável avoengo do café. Exaustivamente estudou P. Drenkpol este assunto, consultando avultada bibliografia de primeira ordem.

As primeiras referências do café, em língua portuguesa, pare­cem até hoje provir de alguém que descendia da gente ribeirinha de Jordão, o judeu Pedro Teixeira, que grafou o substantivo em 1610.

Nem João de Barros e Diego do Couto, nem Fernão Mendes Pinto e Garcia da Orta jamais se referiram ao café. Nem tampouco os embaixadores de Portugal às terras de Prestes João, os missioná­rios portugueses enviados à Abissínia. É sobremodo estranho que aos lusos o café haja por completo desinteressado, quando os seus rivais e competidores no Oriente, os holandeses, tanto fizeram pela propagação do gênero na Ásia e na Europa.

Fala-se que no relato de viagem do Padre Manuel Godinho, je­suíta, às terras persas e indianas, ocorrem referências ao café. Isto data de milésimo posterior a 1623.

Raríssimas referências ao café se encontram nos autores por­tugueses seiscentistas. Um apenas, Duarte Ribeiro de Macedo, como veremos, entreviu o grande futuro do café para as colônias portuguesas, sobretudo para o Brasil.

Bluteau, o nosso célebre protodicionarista, consagrou, em 1711, extenso verbete de seu monumental léxico ao café, “deriva­do do arábico cahveh e droga que já começava a se introduzir em Portugal”.

Depois de Bluteau, vemos o café mencionado no léxico do in­signe arabista Frei João de Souza, em 1789.

Quem teria sido o primeiro autor brasileiro que fez imprimir a palavra? Pensamos que o nosso dicionarista fluminense Antonio de Morais e Silva. Em seu Dicionário, na edição princeps de 1789, aparecem café e cafeteira.

Os derivados do café aumentaram com o correr do tempo. Em 1881, Aulete apenas consignou sete; Maximiano de Lemos, em 1898, elevou este número a dezenove. Figueiredo consignou uns vinte e cinco, em 1922. Pode-se afirmar que há, certamente, uns trinta vocábulos brasileiros e portugueses derivados de café, vulgares como cafezista, cafelama etc., além dos científicos como cafeína, cafeona etc.

Referimo-nos a Duarte Ribeiro de Macedo, o notável diploma­ta português seiscentista, escritor de mérito, purista de tão alto re­levo, que figura entre os possíveis autores da Arte de furtar. Amigo de Vieira e de Bluteau, foi Ministro de Portugal em Paris e Madri.

Muito aconselhou aos reis, seus amos, que plantassem no Brasil a árvore da especiaria. Se a grande colônia americana fornecesse estes gêneros exóticos, arruinado ficaria o comércio holandês do Extremo Oriente.

Em 1673, endereçou ao Príncipe Regente, futuro D. Pedro II, um Discurso sobre os Gêneros para o Comércio que Há no Maranhão e Pará, em que enumerou as trinta e sete produções próprias daquela re­partição, lista a que encabeça o café.

Verdade é que o diplomata encareceu muito mais calorosa­mente a produção do algodão, da cana, do cacau, do arroz e do caroá (sic!) do que a do café.

Acerca do cultivo de rubiácea, escreveu assaz nebuloso trecho, dando a entender, segundo alguns, que na data em que redigiu já era ela plantada no Pará, o que não é de todo admissível em face da larga documentação hoje conhecida.

Seja como for, a Duarte Ribeiro de Macedo cabe, sem dúvida alguma, o patriarcado do interesse pela implantação da cultura cafeeira no Brasil, mais de meio século antes da entrada das pri­meiras mudas de cafeeiro em Belém do Pará.

Na Itália, as mais velhas referências bibliográficas cafeeiras, além do que já alegamos a propósito do maronita Fausto Naironi, são, segundo B. Belli, a Virtù del Caffé, de Magri (1671), Il Caffé con Più Diligenza Esaminato, de Solcano (1674), o Dell Uso e Abuso del caffé (1691). Na Alemanha, cita-se como o número um da biblio­grafia cafeeira o Usum et Abusum Potum Thee et Coffe, de um dos Camerarius, Rodolfo Kamer-Meister (1694), obra precursora de enorme série.

Na tão vivaz e atraente A Vida Maravilhosa e Burlesca do Café, da autoria recente de Teixeira de Oliveira, há curiosa referência.

Temos um estalão para avaliar o prestígio imenso do café no mundo intelectual da Itália. Referimo-nos à revista Il Caffé, editada em Milão, com a colaboração do Marquês de Beccaria, o santo do Direito Penal.

Consta que o primeiro cafeeiro transportado à Europa foi o que os holandeses levaram de Moka a Amsterdã, em 1616. Em 1670, houve quem pensasse em aclimar a rubiácea em França, em Dijon, mas o êxito da operação resultou nulo.

Segundo o famoso Boerhaave, o sábio da cabeça fresca, pés quentes, ventre livre e mofa dos médicos, data de 1690 o primeiro ensaio de transplantação de mudas de Arábia para Java.

Diz-se que os plenipotenciários franceses à conferência de 1713, de onde resultou a paz de Utrecht, solicitaram, por ordem de Luís XIV, mudas de café do Jardim Botânico de Amsterdã. Havendo o burgomestre desta cidade satisfeito tal pedido, enviou-se um ca­feeiro novo e vigoroso ao Rei Sol. Transplantado em Marly, passou depois a viver numa estufa do Jardim das Plantas de Paris, sob as vistas carinhosas do ilustre Antônio de Jussieu.

Pensaram os franceses, logo, em criar lavouras de café nas Antilhas, escolhendo Jussieu a Martinica para campo das primei­ras plantações.

As duas primeiras tentativas resultaram falhas. Afinal, a mais uma coroou o êxito. A que o Sr. de Chirac, diretor do Jardim das Plantas, em 1723, confiou a Gabriel Mateus de Clieu, oficial da ma­rinha de guerra francesa, personagem em cuja biografia ocorrem muitas obscuridades, em torno das quais lendas se criaram. Não se sabe, ao certo, qual haja sido o milésimo da famosa transplan­tação do cafeeiro, patriarca de bilhões de árvores americanas. O próprio De Clieu nada escreveu a tal respeito. Sabe-se, porém, que teve atribulada travessia atlântica, receoso de ser capturado por corsários barbarescos, o que por um triz se realizaria, quase vitimado por tremenda tempestade e por último flagelado por interminável calmaria, em que quase todos os tripulantes da sua nau pereceram por falta de água doce a bordo. Foi aí que, para sal­var a preciosa plantinha, com ela repartiu a minguadíssima ração do líquido. Pôde salvá-la. Foi este cafeeiro o patriarca do cafezal martiniquense, que, em 1726, já contava umas duas mil árvores.

Afirma Ukers, apoiado em Rossignon, autor da América Central, que antes da viagem de De Clieu havia cafezais no Haiti e São Domingos. Mas Padberg pensa que esta asserção veio de um erro tipográfico de 15 em lugar de 25, alegando razões, aliás, as mais ponderosas. Consta que os primeiros cafeeiros da Guatemala foram plantados entre 1750 e 1760. Sobre a efeméride congênere em Cuba, há dúvidas: 1750 ou 1769. Parece que 1755 é o ano idênti­co para Porto Rico, 1790 para o México, 1779 para Costa Rica, 1730 para a Jamaica. Consta que o Salvador só começou a cultivar café quando o século XIX ia avançado.

Na América do Sul, a primeira região invadida pelo cafeeiro foi o Suriname, para onde os holandeses, senhores desta colônia, mandaram mudas, talvez por volta de 1715. Diz Aublet na sua co­nhecida Histoire des Plantes de la Guyane Française (1775), que um prófugo de Caiena, refugiado no Suriname, pediu ao governador da Guiana que o perdoasse. Em troca, lhe levaria sementes de café. Este indivíduo chamava-se Mourgues, ao que parece. O Sr. d’Albon, o governador, lhe concedeu o perdão. Assim, presume-se que os primeiros cafeeiros plantados perto de Caiena são de 1721 ou dos dois anos imediatos.

Mas, sobre o caso há muita obscuridade e correm versões diver­sas. De qualquer maneira, é positivo que, já em 1726, havia na ilha de Caiena numerosas lavouras. No século XVIII, ao passo que na Inglaterra declinava muito o consumo do café, o inverso se dava na sua grande colônia norte-americana. Já na última metade do século XVII, era grande o gasto do grão arábico, na Nova Inglaterra.

Aumentou imenso no século XVIII, sobretudo depois da independência dos Estados Unidos. O famoso “motim do chá”, em Boston em 1773, precursor da guerra libertadora, como que acirrou os americanos na preferência pelo café. A intolerância do governo inglês, instigado pela ganância da British East India Company, ia tornar os Estados Unidos uma nação de bebedores de café. Já em 1732, havia em Nova York uma bolsa de café. No decorrer do século XVIII, avolumou-se muito o número dos cafés públicos.

Sobre a entrada do cafeeiro no Brasil e seu introdutor, muito se tem escrito. Sobretudo de 1927 em diante. Para o desvendamento da figura do portador das primeiras sementes da rubiácea confia­das ao solo brasileiro, muito contribuíram Joaquim Caetano da Silva, Capistrano de Abreu, Barão do Rio Branco, Manuel Barata, Rodolfo Garcia, Basílio de Magalhães, Teodoro Braga e Artur César Ferreira Reis. Foi Francisco de Melo Palheta personagem tão obscuro até os últimos anos que historiadores relativamente modernos do café ignoraram, por completo, o papel capital que ele representa nos fastos cafeeiros!

Até agora, não se esclareceu, satisfatoriamente, se Palheta era brasileiro ou português. Fora de dúvidas vem a ser, porém, que era oficial de linha no exército português, sargento-mor no ano em que trouxe, de Caiena para Belém, os primeiros grãos de café plantados no Brasil. Presume-se que haja nascido nas vizinhanças de 1670. Em 1691, figura como comparte de uma expedição encar­regada de escoltar as missões espanholas, de onde, abusivamente, saíra para os domínios de Portugal o jesuíta Padre Samuel Fritz, o famoso cartógrafo da Amazônia, desterrado de Belém por ordem régia.

Em 1709, obtinha Palheta uma sesmaria no Rio Ubatuba. Em 1722, já sargento-mor, chefiou uma grande jornada de explo­ração fluvial, de que há extenso relato publicado, em 1884, por Capistrano de Abreu.

Saiu de Belém a 11 de novembro de 1722, subiu o rio mar até a foz do Madeira, e este enorme afluente até as terras hoje bolivia­nas. Visitou as missões jesuíticas ribeirinhas de Mamoré e, a 12 de setembro de 1723, aportou, novamente, a Belém.

Mas a grande, a verdadeira celebridade de Palheta proviria de nova jornada, a de 1727. Começaram a surgir os primeiros epi­sódios da contestação franco-portuguesa acerca das fronteiras das duas Coroas em terras amazônicas, o litígio que passou a ser franco-brasileiro depois de 1822, a questão do Amapá, e só se liqui­dou em 1900 com o laudo arbitral de Berna.

A João da Maia da Gama, Governador-Geral do Estado do Maranhão, queixou-se acerbamente, em 1727, o governador francês da Guiana, Claudio d’Orvilliers, que portugueses haviam arrancado a baliza assinaladora da fronteira das duas Coroas da Montanha de Prata, evidentemente situada em território francês. E, a tal propósito, ameaçou o seu correspondente de uma ação militar para repor as coisas em seu estado legítimo. Retrucou-lhe Maia da Gama, afirmando-lhe que pelas armas repeliria qualquer entrada francesa ao sul do Oiapoque.

Assim, mandou que Palheta, à testa de uma expedição, seguis­se para a zona litigiosa do Amapá. Transcreveu o Barão do Rio Branco grande parte do regimento passado a Palheta por Maia da Gama. Devia o oficial ir a Caiena entender-se com d’Orvilliers, pessoalmente.

A 13 de maio de 1727, visitou Palheta o local onde, desde 1639, existira um marco português que os franceses haviam arrancado, em 1726, e atirado ao mar. De tal vistoria se lavrou solene auto, em presença, aliás, de um oficial francês do forte do Oiapoque.

Com a maior lisura procedeu Palheta, tão corretamente – escreve Joaquim Caetano da Silva em sua obra famosa – L’Oyapok et l’Amazone – que valeu ao Brasil, da mão da Senhora Governadora de Caiena, da mulher de C. d’Orvilliers, a pre­ciosa introdução do cafeeiro.

A propósito deste episódio, hoje conhecidíssimo, a mais antiga referência é a do bispo do Pará, D. Frei João de São José Queirós.

As primeiras árvores de café vieram de Caiena em tempo do governador João de Maia, o que se deveu à generosidade de uma francesa, mulher do governador da praça que, sa­bendo a proibição e estado com que andavam os seus na­cionais para que se não comunicasse a um português – de quem ignoramos o nome, e só sabemos ser M. Palheta  que ali se achava – indo visitar seu marido, e saindo todos a passeio, ela generosamente lhe ofereceu em presença do esposo (que se sorriu) uma mão cheia de pevides de café, praticando a galanteria de ser a mesma que lhes introduziu no bolso da casaca, obrigando-a a tal sorte, que não lhe so­bejaram as expressões com que mostrou agradecer muito a madame esta franqueza e bizarria.

Assim, à primeira vista, parece que a uma iniciativa exclusiva de Palheta se deveu o transporte de grãos de café de Caiena ao Pará, iniciativa vingada por uma circunstância fortuita, o encon­tro da boa vontade e cordialidade da Sra. d’Orvilliers.

Mas tal não se deu. Levava o oficial formais instruções de João da Maia da Gama para que se esforçasse, de todos os modos, por angariar grãos de café e os trazer a Belém.

Coube a Teodoro Braga o desvendamento desta revelação capital na história do café no Brasil, mercê da descoberta de um documento de que Basílio de Magalhães só conheceu os fragmen­tos, publicados pelo Barão do Rio Branco.

Reza o capítulo décimo das instruções dadas por Maia da Gama a seu comissionado: “e se acaso entrar em quintal ou jardim ou roça onde houver café, com pretexto de provar alguma fruta, verá se pode esconder algum par de grãos com todo disfarce e com toda a cautela”.

Chega Teodoro Braga a admitir, até, a hipótese de que o princi­pal móvel da viagem de Palheta haja sido a obtenção das semen­tes de café.

Assim, a ideia da introdução do cafeeiro no Brasil se deve a João da Maia da Gama, inspirador de Palheta. Deve este compartilhar, com o capitão-general, das glórias de tão benemérito feito. Trouxe ele, segundo se refere, cinco mudas vivas e mil e tantas semen­tes. Os últimos anos de Palheta são obscuros. Recebeu, em 1727, o posto de capitão-tenente de guarda-costa, diversas sesmarias, onde plantou café e cacau, como alegou em 1733. Documento ultimamente descoberto por Artur César Ferreira Reis demonstra que, em 1734, deve ter ocorrido o seu falecimento.

Já em 1731, segundo Teodoro Braga, chegavam a Lisboa peque-nas partidas de café do Pará e do Maranhão. Uma resolução de D. João V e de 1731 isentou o café de direitos durante doze anos. Muito recomendou o primeiro Rei Fidelíssimo aos seus delega­dos na Amazônia que incentivassem o plantio do cafeeiro. Já em 1734, entravam no Porto de Lisboa três mil arrobas de café da Companhia Geral do Maranhão e Grão-Pará.

Era o consumo português, então, insignificante. Pediu a Câmara de Belém, em 1739, a D. João V o lançamento de direitos proibitivos sobre o café estrangeiro, e, em 1741, prometeu o rei deferir-lhe o requerimento. Nesta ocasião, produzia o Pará umas quinhentas arrobas anualmente, mais do que o consumo anual do Reino. A este, o Ministro Diogo de Mendonça Corte Real ava­liava, então, em 420 arrobas apenas, vendidas entre 2$800 e 3000 réis, preço, aliás, enorme para a época.

Afinal, D. João V deferiu o pedido da Câmara belenense, que lhe acenara com a próxima extinção da indústria cafeeira local se o comércio cafeeiro não fosse protegido aduaneiramente.

Nunca foi considerável o volume da produção cafeeira paraen­se, a mais velha das do Brasil. Das principais exportações de sua terra, fez o douto Barata um quadro correspondente ao período de 1773 a 1818, ano por ano, onde ocorrem, aliás, vinte lacunas. A média dos vinte e seis totais do quadro de Barata correspondentes a outros tantos milésimos não atinge a quatro mil arrobas.

Parece absolutamente incontestável que o cafeeiro penetrou no Brasil pelo Pará. Entretanto, dois autores de antanho, um bra­sileiro, Monsenhor Pizarro, e outro estrangeiro, Roberto Southey, lançaram a absurda versão de que Dom Manuel, o Venturoso, falecido em 1521, convém lembrá-lo, cogitara de mandar plantar café no Brasil!

A esta estapafúrdia atoarda cabalmente rebateu Freire Alemão, em 1856, corroborando-lhe palavras e conceitos da autoridade dos de Moura Brasil, Vieira Fazenda etc. Drenkpol, em 1927, atribuiu o erro de Southey a alguma adulteração de qualquer apógrafo da obra de Gabriel Soares, que o poeta e historiador inglês haja con­sultado, apógrafo que, entretanto, não se sabe hoje qual seja.

Assim, não pode haver dúvida possível: penetrou o cafeeiro no Brasil pela via amazônica, vicejando as primeiras lavouras do futuro Brasiliae fulcrum nas vizinhanças da cidade de Santa Maria de Belém.

A mais antiga referência até agora divulgada e relativa ao con­sumo do café no Brasil é o que ocorre no Peregrino da América, a conhecida obra de Nuno Marques Pereira, cuja composição ter­minou em 1733. Refere o piedoso autor que, nessa época, havia na cidade d’O Salvador “casas de pasto onde se serviam sorvetes, cho­colates, chás, cafés e outras muitas potages de gosto ao paladar”. 


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Fonte:
In: Pequena história do café no Brasil (Capítulo I).

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