Das
terras abexins passou o cafeeiro à Arábia. Quando? É o que até agora não se
conseguiu apurar nem provavelmente jamais se apurará. O velho manuscrito de
Schahab-eddin fala das vizinhanças da era de 1500, mas é muito provável que tal data não corresponda
à verdade dos fatos. Admite-se, geralmente, porém, que os árabes hajam começado
a tomar café já no século XV.
Sobre
a origem do aproveitamento da infusão dos grãos e folhas do cafeeiro há assaz
farto lendário, divulgado desde o século XVII por Fausto Naironi, ao relatar o
bem conhecido caso do pastor etíope a quem impressionou a excitação provocada
nas cabras de seu rebanho pela ingestão das folhas de cafeeiro. Comunicara tal
impressão a uns monges seus vizinhos e, dentro em breve, bebiam estes um
decocto das cerejas do café, que os mantinha sobremodo vigilantes à hora do
coro noturno conventual.
A
disseminação do uso do café não se fez facilmente. Encontrou, desde os
primeiros dias, muitos tropeços e até, por vezes, feroz resistência. Assim, se
deu em Meca, onde, em 1511,
principiou uma perseguição de certos elementos fanáticos, terminada por violências
e proibição expressa da ingestão de café, por contrariar ao Alcorão. Pouco
durou, porém, o triunfo dos cafeífobos. Já em 1526, eram livres o plantio e o comércio cafeeiro na
península arábica, onde tomaram grande desenvolvimento.
Propagou-se,
rapidamente, o uso do café pelo Oriente Próximo, Egito, Síria e Turquia. Na
primeira destas regiões encontrou viva oposição, como em 1534 e 1539,
dando isto lugar a motins e violências muito sérias contra os tomadores de
café, como em 1542.
Na Síria espalhou-se, rápida e triunfalmente, de 1530 em diante. No Império Otomano houve, apenas,
pequeno óbice a vencer-se, com um firman de Solimão, o Magnífico, dentro
em breve derrogado. Propagou-se, pois, nos domínios dos Osmanlis o uso do café
e, do modo mais avantajado, na primeira metade do século XVI. Em 1570, renovou-se o
movimento anticafezista, desta vez encabeçado pelo Grão-Mufti e outros
energúmenos, mas sem conseguir grandes resultados.
Continuaram
os turcos a beber café e do modo mais intenso.
No
século XVII, cabia aos árabes a exclusividade da lavoura cafeeira, e
acreditava-se, aliás, então, que estes ismaelitas ferviam as sementes a fim de
lhes destruir o poder germinativo.
Parece
fora de dúvida que o revelador do café à Europa, por meio da imprensa, veio a
ser Leonardo Rauwolf, viajante alemão do Oriente, que, em 1592 e no seu relato de viagens, referiu a existência
do grão da rubiácea e do seu decocto. O segundo veio a ser o ilustre botânico
italiano Prospero Alpini, que, em sua De medicina AEgyptiorum, se
referiu ao chaova e à sua infusão. Contudo, parece incontestável que já
antes de ambos estes precursores os venezianos (e isto é tudo quanto há de mais
plausível) conheciam de sobra o café, por frequentarem os portos levantinos de
Alexandria e Constantinopla, onde tanto se bebia café. Foi Alpini, aliás, quem
primeiro desenhou um ramo de cafeeiro.
Pretende
Ukers, a citar um Dr. Cougnet, que as primeiras xícaras de café bebidas na
Europa ocidental o foram em Veneza, já em fins do século XVI. Entre os
propagandistas do café na Itália, citam-se Pietro della Valle e Honorio Belli,
correspondente de Clusius, que passava por ser o maior botânico de seu tempo.
Segundo Macpherson, apareceram os primeiros grãos de café na Holanda, em 1616, levados por
certo Pieter van der Broek. Desde o princípio do século XVII faziam, aliás, os
navios da Companhia das Índias Orientais grandes transportes de café entre os
países muçulmanos do Levante.
As
primeiras referências inglesas ao café parecem ser as da tradução da obra
latina do médico holandês Bernardo ten Brocke (Paludanus), em 1598, dos viajantes William Parry (1601) e John Smith (1603). Já em 1623,
tratava do café o imortal Francisco Bacon.
Na
Holanda, o famoso botânico Bontius, em 1631,
descreveu o caveah dos árabes. Em 1637,
bebia-se café, correntemente, em Amsterdã e exportava-se o grão para a
Alemanha. Coube aos holandeses um grande papel na obra de propagação da bebida
pela Europa setentrional e central. Seus navios, em 1642, segundo Wurfbain, transportavam grandes
partidas da Arábia para as Índias.
Na
França, a primeira referência impressa é a de de L’Écluse (Cusius) e a segunda,
de Duloir (1654).
Viajantes franceses, dois dos quais
célebres, Tavernier e Thévenot, e um terceiro muito menos conhecido, Bernier,
contribuíram imenso para a divulgação do café.
Parece
que a Thévenot se deve a introdução do café em Paris, em 1657. De 1600
em diante, passou-se a beber muito café em Marselha.
Formidável
impulsionador, em França, foi o embaixador de Maomé IV junto a Luís XIV, o
faustoso Soliman Agá.
Tornou-se
verdadeira mania na corte do Rei Sol tomar-se café, e a marquesa de Sevigné
escreveu a tal propósito uns reparos, que citadores pouco respeitosos dos
textos – segundo uns, Voltaire, segundo outros, La Harpe, comentaram num
aforismo repetidíssimo, jamais pronunciado pela célebre epistológrafa: Racine
passera comme le café.
Parece
que, na Inglaterra, foi Sir Harry Blount quem ensinou a preparar café, coisa
que aprendera entre os turcos. Consta que o primeiro propagandista do café, em
Londres, foi um tal Conopios, refugiado grego natural de Creta. Mas, parece que
o primeiro café público deveu-se à iniciativa de um grego ou armênio, chamado
Pasqua Rosée. Houve, na Inglaterra dos últimos Stuarts, vivos debates sobre a
benemerência e a nocividade do café. Pontuaram- -nos pitorescos incidentes,
como, por exemplo, o da representação das mulheres de Londres a Carlos II,
pedindo a proibição da bebida que, no seu dizer, esterilizava a espécie humana.
Em
1670, verificava-se
em Londres enorme multiplicação de cafés públicos, centro de falatórios dos
oposicionistas contra o mau governo de Carlos II, que acabou por mandá-los
fechar em 1675,
mas não ousou tornar efetiva tal medida. Nos cafés londrinos muito se operou a
efervescência dos espíritos que deu em terra com os Stuarts, em 1689.
Foi
a Inglaterra setecentista notável bebedora do café, e entre os principais
adeptos da infusão arábica citam-se alguns grandes nomes, como os de Swift,
Pope, Addison e Samuel Johnson.
Atribuem
as autoridades a preferência ulterior dos ingleses para o chá à propaganda da
Companhia Britânica das Índias Orientais, a British East India Company, que
movia tremenda guerra à sua congênere holandesa, propagandista do café.
Nas
terras do Império Germânico, o café se infiltrou pela via de Hamburgo e as
influências holandesa e britânica. Na grande cidade hanseática, o primeiro café
público data, segundo parece, de 1679.
Berlim teve o seu em 1721.
Na Alemanha meridional, a penetração se operou por via italiana. Frederico, o
Grande, aliás grande bebedor de café, mostrou-se-lhe adverso, defendendo a bebida
tradicional dos teutos: a cerveja. Taxou-o fortemente. Já em toda a Alemanha se
consumia imenso o café com leite, mistura que passa por invenção germânica.
Na
Alemanha setecentista, existiu um adepto fanático do café, portador de um dos
maiores nomes da Humanidade: Emmanuel Kant. E não menos fervente, outra
celebridade à qual já nos referimos – Frederico, o Grande. Para alguns
autores, passa Viena por ter sido a primeira cidade teutônica que conheceu o café.
E esta circunstância se prende à história do famoso cerco de 1683, quando o grande exército otomano de Kara
Mustafá foi, sob os muros da então capital do Santo Império, desbaratado pelas
tropas do heroico Sobieski. Fugindo, deixaram os turcos em sua impedimenta numerosas
sacas de café. A este caso prende-se o romântico episódio do polaco
Kolschitsky, decantado em prosa e verso. Ao herói do cerco de Viena deveu-se a
abertura do primeiro café público da grande cidade.
Na
Suécia, começou o café a ser ingerido depois de 1721. Na Holanda, acredita-se que os primeiros cafés
públicos datam de 1665,
em Haia, e de 1666,
em Amsterdã. A república batava jamais opôs o menor óbice à propagação do licor
arábico. E a mais velha peça iconográfica europeia que se conhece sobre café é
certo quadro de um dos maiores pintores neerlandeses: Adriano van Ostade.
Desde
1690, pensaram os
batavos em plantar a rubiácea na Malásia, sob instigação do famoso Nicolau
Witsen, burgomestre de Amsterdã e diretor da Companhia das Índias Orientais.
Parece que o primeiro cafezal de Java data de 1696 e foi plantado por ordem do Governador-Geral
van Ondshoorn, perto de Batávia. De Java, propagou-se o cafeeiro a diversas
outras ilhas, como Sumatra, Celebes, Timor etc. Há dúvidas acerca da data da
remessa do primeiro carregamento de café da Malásia a Amsterdã. Parece que, em
1706, ocorreu um
primeiro ensaio, remetendo-se, ao mesmo tempo, mudas de cafeeiro ao jardim
botânico de Amsterdã.
Destas
mudas se originou o imenso cafezal americano.
Diz
Ukers que a primeira partida comercial, cerca de 500 quilos, vendeu-se na Holanda, em 1711.
Consta
que o primeiro café público italiano se abriu em 1645. Proliferaram os cafés, largamente, pela
península itálica. Tornaram-se célebres, em toda a Europa, os cafés venezianos,
genoveses e romanos.
Surgiu
na Itália a primeira publicação ocidental sobre o café, De saluberrima
potione cahue seu café nuncupata discursus, da autoria de Fausto Naironi,
erudito maronita, residente em Roma.
A
bibliografia cafeeira abrem os árabes, como era de esperar, com O Triunfo do
Café, de Fakre Eddin, e as poesias do vate xeque Therif-Eddin, obras do
século XVI. Já no século XVII, surgem os europeus celebradores das virtudes do
café. Parece que o primeiro foi o poeta italiano Belighi. Citam-se, entre os
grandes nomes literários e científicos, como defensores do café: Milton,
Voltaire, d’Alembert, Diderot, Pope, J. B. Rousseau, Benjamin Franklin,
Goldoni, Delille, talvez o mais citado de todos, graças aos seus famosos versos
mil vezes repetidos: Il est une liqueur etc. c’est toi divin café! etc.
Grande quantidade de poetae minores celebraram a infusão arábica,
através dos arroubos do seu estro mais e menos inspirado. Entre outros grandes
vultos e notabilidades do século, citam-se J. J. Rousseau, B. de Saint-Pierre,
Luís XV, José II, Napoleão e Talleyrand.
Entre
os artistas, arrolam-se nomes insignes como os de João Sebastião Bach, com a
sua deliciosa Cantata do Café, van Ostade, W. Hoggarth, Boucher e van
Loo, glórias das mais puras em suas diversas escolas.
Em
França, os cafés públicos multiplicaram-se, notavelmente, no século XVIII,
representando o mais elevado papel como local de debates políticos. Já, aliás,
os havia no século anterior, como o Café Procopio, aberto por um
siciliano, Procopio Cotelli ou Cetelli, e o ainda mais conhecido Café de la
Régence, datado de 1689
e, assim, crismado em 1718,
notável como centro enxadrístico mundialmente reputado.
Cresceu
tanto o comércio cafeeiro na monarquia do Rei Cristianíssimo que, já em 1708, negociantes de
Saint Malô organizaram uma companhia para importar o gênero diretamente da
Arábia, daí se originando a célebre viagem de J. de la Rocque.
Nos
tempos da Grande Revolução, tiveram excepcional importância vários cafés, como
de la Régence, Lemblin, de Foy etc., assiduamente frequentados por
vultos da maior celebridade como Robespierre, Camille Desmoulins, Napoleão e
muitos mais.
A
bibliografia cafeeira dos séculos XVII e XVIII, francesa, inglesa, alemã e
italiana, avultou cada vez mais. A francesa é encabeçada pela obra de Philippe
Dufour: As admiráveis virtudes da amora chamada café (1671). Veio muito depois das páginas do botânico
inglês John Perkinson, cujo Theatrum Botanicum é de 1640, e posterior, de pouco aliás, à Quality and
Most Excellent Virtues of Coffee, obra de Morton (1670). A mais antiga contribuição germânica é devida
a Petersen: De Potu Coffi (1676).
Parece que o mais velho periódico de propaganda cafeeira vem a ser “A Nova
e Curiosa Casa de Café, Outrora na Itália, e Agora na Alemanha”, jornaleco
editado em Leipzig, em 1707,
e propriedade de um italiano chamado Felipo Giorgi.
Sobre
o vocábulo café, largamente discutiram os etimologistas de várias
nacionalidades. Aventa Sir James Murray que a palavra se filia ao topônimo
abexim Kaffa, a cidade do Choa no sudoeste da Etiópia, região de onde
parece proceder o café. A seu ver, Kaffe passou a ser para os árabes qahwah,
termo que os turcos pronunciam Koveh. A Murray contestaram James Platt,
o filósofo indiano V. Chattopadhyaya e o erudito linguista W. Prideaux, que
repelem a influência turca. Para Ukers, que analisou estes pareceres, não pode
haver dúvida possível, provêm do árabe, através do turco, a palavra café e suas
modalidades idiomáticas europeias.
Em
sua erudita monografia sobre os primórdios do café, entende o Dr. Jorge Padberg
Drenkpol, apoiado em muitas autoridades de primeira ordem, que café não vem do
etíope caffa ou kaffa, de acordo com o primeiro aventador de tal
etimologia – Bruce, célebre viajante africano. Deriva de qahwa, vinho em
árabe. Ao cafeeiro chamavam os abexins bunn. Vinho de bum, qahwa de
bunn, como descobriram ilustres orientalistas, Sylvestre de Sacy e
Bartolomeu d’Herbelot.
Mera
circunstância fortuita aproxima o topônimo abexim Kaffa e o substantivo
árabe qahwa que, ao ver de muitos dos mais abalizados orientalistas, é o
incontestável avoengo do café. Exaustivamente estudou P. Drenkpol este assunto,
consultando avultada bibliografia de primeira ordem.
As
primeiras referências do café, em língua portuguesa, parecem até hoje provir
de alguém que descendia da gente ribeirinha de Jordão, o judeu Pedro Teixeira,
que grafou o substantivo em 1610.
Nem
João de Barros e Diego do Couto, nem Fernão Mendes Pinto e Garcia da Orta
jamais se referiram ao café. Nem tampouco os embaixadores de Portugal às terras
de Prestes João, os missionários portugueses enviados à Abissínia. É sobremodo
estranho que aos lusos o café haja por completo desinteressado, quando os seus
rivais e competidores no Oriente, os holandeses, tanto fizeram pela propagação
do gênero na Ásia e na Europa.
Fala-se
que no relato de viagem do Padre Manuel Godinho, jesuíta, às terras persas e
indianas, ocorrem referências ao café. Isto data de milésimo posterior a 1623.
Raríssimas
referências ao café se encontram nos autores portugueses seiscentistas. Um
apenas, Duarte Ribeiro de Macedo, como veremos, entreviu o grande futuro do
café para as colônias portuguesas, sobretudo para o Brasil.
Bluteau,
o nosso célebre protodicionarista, consagrou, em 1711, extenso verbete de seu monumental léxico ao
café, “derivado do arábico cahveh e droga que já começava a se
introduzir em Portugal”.
Depois
de Bluteau, vemos o café mencionado no léxico do insigne arabista Frei João de
Souza, em 1789.
Quem
teria sido o primeiro autor brasileiro que fez imprimir a palavra? Pensamos que
o nosso dicionarista fluminense Antonio de Morais e Silva. Em seu Dicionário,
na edição princeps de 1789,
aparecem café e cafeteira.
Os
derivados do café aumentaram com o correr do tempo. Em 1881, Aulete apenas consignou sete; Maximiano de
Lemos, em 1898,
elevou este número a dezenove. Figueiredo consignou uns vinte e cinco, em 1922. Pode-se
afirmar que há, certamente, uns trinta vocábulos brasileiros e portugueses
derivados de café, vulgares como cafezista, cafelama etc., além dos científicos
como cafeína, cafeona etc.
Referimo-nos
a Duarte Ribeiro de Macedo, o notável diplomata português seiscentista,
escritor de mérito, purista de tão alto relevo, que figura entre os possíveis
autores da Arte de furtar. Amigo de Vieira e de Bluteau, foi Ministro de
Portugal em Paris e Madri.
Muito
aconselhou aos reis, seus amos, que plantassem no Brasil a árvore da
especiaria. Se a grande colônia americana fornecesse estes gêneros exóticos,
arruinado ficaria o comércio holandês do Extremo Oriente.
Em
1673, endereçou ao
Príncipe Regente, futuro D. Pedro II, um Discurso sobre os Gêneros para o
Comércio que Há no Maranhão e Pará, em que enumerou as trinta e sete
produções próprias daquela repartição, lista a que encabeça o café.
Verdade
é que o diplomata encareceu muito mais calorosamente a produção do algodão, da
cana, do cacau, do arroz e do caroá (sic!) do que a do café.
Acerca
do cultivo de rubiácea, escreveu assaz nebuloso trecho, dando a entender,
segundo alguns, que na data em que redigiu já era ela plantada no Pará, o que
não é de todo admissível em face da larga documentação hoje conhecida.
Seja
como for, a Duarte Ribeiro de Macedo cabe, sem dúvida alguma, o patriarcado do
interesse pela implantação da cultura cafeeira no Brasil, mais de meio século
antes da entrada das primeiras mudas de cafeeiro em Belém do Pará.
Na
Itália, as mais velhas referências bibliográficas cafeeiras, além do que já
alegamos a propósito do maronita Fausto Naironi, são, segundo B. Belli, a Virtù
del Caffé, de Magri (1671),
Il Caffé con Più Diligenza Esaminato, de Solcano (1674), o Dell Uso e Abuso del caffé (1691). Na Alemanha,
cita-se como o número um da bibliografia cafeeira o Usum et Abusum Potum
Thee et Coffe, de um dos Camerarius, Rodolfo Kamer-Meister (1694), obra precursora de enorme série.
Na
tão vivaz e atraente A Vida Maravilhosa e Burlesca do Café, da autoria
recente de Teixeira de Oliveira, há curiosa referência.
Temos
um estalão para avaliar o prestígio imenso do café no mundo intelectual da
Itália. Referimo-nos à revista Il Caffé, editada em Milão, com a
colaboração do Marquês de Beccaria, o santo do Direito Penal.
Consta
que o primeiro cafeeiro transportado à Europa foi o que os holandeses levaram
de Moka a Amsterdã, em 1616.
Em 1670,
houve quem pensasse em aclimar a rubiácea em França, em Dijon, mas o êxito da
operação resultou nulo.
Segundo
o famoso Boerhaave, o sábio da cabeça fresca, pés quentes, ventre livre e mofa
dos médicos, data de 1690
o primeiro ensaio de transplantação de mudas de Arábia para Java.
Diz-se
que os plenipotenciários franceses à conferência de 1713, de onde resultou a paz de Utrecht,
solicitaram, por ordem de Luís XIV, mudas de café do Jardim Botânico de
Amsterdã. Havendo o burgomestre desta cidade satisfeito tal pedido, enviou-se
um cafeeiro novo e vigoroso ao Rei Sol. Transplantado em Marly, passou depois
a viver numa estufa do Jardim das Plantas de Paris, sob as vistas carinhosas do
ilustre Antônio de Jussieu.
Pensaram
os franceses, logo, em criar lavouras de café nas Antilhas, escolhendo Jussieu
a Martinica para campo das primeiras plantações.
As
duas primeiras tentativas resultaram falhas. Afinal, a mais uma coroou o êxito.
A que o Sr. de Chirac, diretor do Jardim das Plantas, em 1723, confiou a Gabriel Mateus de Clieu, oficial da
marinha de guerra francesa, personagem em cuja biografia ocorrem muitas
obscuridades, em torno das quais lendas se criaram. Não se sabe, ao certo, qual
haja sido o milésimo da famosa transplantação do cafeeiro, patriarca de
bilhões de árvores americanas. O próprio De Clieu nada escreveu a tal respeito.
Sabe-se, porém, que teve atribulada travessia atlântica, receoso de ser
capturado por corsários barbarescos, o que por um triz se realizaria, quase
vitimado por tremenda tempestade e por último flagelado por interminável calmaria,
em que quase todos os tripulantes da sua nau pereceram por falta de água doce a
bordo. Foi aí que, para salvar a preciosa plantinha, com ela repartiu a
minguadíssima ração do líquido. Pôde salvá-la. Foi este cafeeiro o patriarca do
cafezal martiniquense, que, em 1726,
já contava umas duas mil árvores.
Afirma
Ukers, apoiado em Rossignon, autor da América Central, que antes da viagem de
De Clieu havia cafezais no Haiti e São Domingos. Mas Padberg pensa que esta
asserção veio de um erro tipográfico de 15
em lugar de 25,
alegando razões, aliás, as mais ponderosas. Consta que os primeiros cafeeiros
da Guatemala foram plantados entre 1750
e 1760.
Sobre a efeméride congênere em Cuba, há dúvidas: 1750 ou 1769.
Parece que 1755 é
o ano idêntico para Porto Rico, 1790
para o México, 1779
para Costa Rica, 1730
para a Jamaica. Consta que o Salvador só começou a cultivar café
quando o século XIX ia avançado.
Na
América do Sul, a primeira região invadida pelo cafeeiro foi o Suriname, para
onde os holandeses, senhores desta colônia, mandaram mudas, talvez por volta de
1715. Diz Aublet na
sua conhecida Histoire des Plantes de la Guyane Française (1775), que um
prófugo de Caiena, refugiado no Suriname, pediu ao governador da Guiana que o
perdoasse. Em troca, lhe levaria sementes de café. Este indivíduo chamava-se
Mourgues, ao que parece. O Sr. d’Albon, o governador, lhe concedeu o perdão.
Assim, presume-se que os primeiros cafeeiros plantados perto de Caiena são de 1721 ou dos dois
anos imediatos.
Mas,
sobre o caso há muita obscuridade e correm versões diversas. De qualquer
maneira, é positivo que, já em 1726,
havia na ilha de Caiena numerosas lavouras. No século XVIII, ao passo que na Inglaterra
declinava muito o consumo do café, o inverso se dava na sua grande colônia
norte-americana. Já na última metade do século XVII, era grande o gasto do grão
arábico, na Nova Inglaterra.
Aumentou
imenso no século XVIII, sobretudo depois da independência dos Estados Unidos. O
famoso “motim do chá”, em Boston em 1773,
precursor da guerra libertadora, como que acirrou os americanos na preferência
pelo café. A intolerância do governo inglês, instigado pela ganância da British East India Company, ia tornar os
Estados Unidos uma nação de bebedores de café. Já em 1732, havia em Nova York uma bolsa de café. No
decorrer do século XVIII, avolumou-se muito o número dos cafés públicos.
Sobre
a entrada do cafeeiro no Brasil e seu introdutor, muito se tem escrito.
Sobretudo de 1927 em
diante. Para o desvendamento da figura do portador das primeiras sementes da
rubiácea confiadas ao solo brasileiro, muito contribuíram Joaquim Caetano da
Silva, Capistrano de Abreu, Barão do Rio Branco, Manuel Barata, Rodolfo Garcia,
Basílio de Magalhães, Teodoro Braga e Artur César Ferreira Reis. Foi Francisco
de Melo Palheta personagem tão obscuro até os últimos anos que historiadores
relativamente modernos do café ignoraram, por completo, o papel capital que ele
representa nos fastos cafeeiros!
Até
agora, não se esclareceu, satisfatoriamente, se Palheta era brasileiro ou
português. Fora de dúvidas vem a ser, porém, que era oficial de linha no
exército português, sargento-mor no ano em que trouxe, de Caiena para Belém, os
primeiros grãos de café plantados no Brasil. Presume-se que haja nascido nas
vizinhanças de 1670.
Em 1691,
figura como comparte de uma expedição encarregada de escoltar as missões
espanholas, de onde, abusivamente, saíra para os domínios de Portugal o jesuíta
Padre Samuel Fritz, o famoso cartógrafo da Amazônia, desterrado de Belém por
ordem régia.
Em
1709, obtinha
Palheta uma sesmaria no Rio Ubatuba. Em 1722,
já sargento-mor, chefiou uma grande jornada de exploração fluvial, de que há
extenso relato publicado, em 1884,
por Capistrano de Abreu.
Saiu
de Belém a 11 de
novembro de 1722,
subiu o rio mar até a foz do Madeira, e este enorme afluente até as terras hoje
bolivianas. Visitou as missões jesuíticas ribeirinhas de Mamoré e, a 12 de setembro de 1723, aportou,
novamente, a Belém.
Mas
a grande, a verdadeira celebridade de Palheta proviria de nova jornada, a de 1727. Começaram a
surgir os primeiros episódios da contestação franco-portuguesa acerca das
fronteiras das duas Coroas em terras amazônicas, o litígio que passou a ser
franco-brasileiro depois de 1822,
a questão do Amapá, e só se liquidou em 1900
com o laudo arbitral de Berna.
A
João da Maia da Gama, Governador-Geral do Estado do Maranhão, queixou-se
acerbamente, em 1727,
o governador francês da Guiana, Claudio d’Orvilliers, que portugueses haviam
arrancado a baliza assinaladora da fronteira das duas Coroas da Montanha de
Prata, evidentemente situada em território francês. E, a tal propósito, ameaçou
o seu correspondente de uma ação militar para repor as coisas em seu estado
legítimo. Retrucou-lhe Maia da Gama, afirmando-lhe que pelas armas repeliria
qualquer entrada francesa ao sul do Oiapoque.
Assim,
mandou que Palheta, à testa de uma expedição, seguisse para a zona litigiosa
do Amapá. Transcreveu o Barão do Rio Branco grande parte do regimento passado a
Palheta por Maia da Gama. Devia o oficial ir a Caiena entender-se com
d’Orvilliers, pessoalmente.
A
13 de maio de 1727, visitou
Palheta o local onde, desde 1639,
existira um marco português que os franceses haviam arrancado, em 1726, e atirado ao
mar. De tal vistoria se lavrou solene auto, em presença, aliás, de um oficial
francês do forte do Oiapoque.
Com
a maior lisura procedeu Palheta, tão corretamente – escreve Joaquim Caetano da
Silva em sua obra famosa – L’Oyapok et l’Amazone – que valeu ao Brasil,
da mão da Senhora Governadora de Caiena, da mulher de C. d’Orvilliers, a preciosa
introdução do cafeeiro.
A
propósito deste episódio, hoje conhecidíssimo, a mais antiga referência é a do
bispo do Pará, D. Frei João de São José Queirós.
As
primeiras árvores de café vieram de Caiena em tempo do governador João de Maia,
o que se deveu à generosidade de uma francesa, mulher do governador da praça
que, sabendo a proibição e estado com que andavam os seus nacionais para que
se não comunicasse a um português – de quem ignoramos o nome, e só sabemos ser
M. Palheta que ali se achava – indo
visitar seu marido, e saindo todos a passeio, ela generosamente lhe ofereceu em
presença do esposo (que se sorriu) uma mão cheia de pevides de café, praticando
a galanteria de ser a mesma que lhes introduziu no bolso da casaca, obrigando-a
a tal sorte, que não lhe sobejaram as expressões com que mostrou agradecer
muito a madame esta franqueza e bizarria.
Assim,
à primeira vista, parece que a uma iniciativa exclusiva de Palheta se deveu o
transporte de grãos de café de Caiena ao Pará, iniciativa vingada por uma
circunstância fortuita, o encontro da boa vontade e cordialidade da Sra.
d’Orvilliers.
Mas
tal não se deu. Levava o oficial formais instruções de João da Maia da Gama
para que se esforçasse, de todos os modos, por angariar grãos de café e os
trazer a Belém.
Coube
a Teodoro Braga o desvendamento desta revelação capital na história do café no
Brasil, mercê da descoberta de um documento de que Basílio de Magalhães só
conheceu os fragmentos, publicados pelo Barão do Rio Branco.
Reza
o capítulo décimo das instruções dadas por Maia da Gama a seu comissionado: “e
se acaso entrar em quintal ou jardim ou roça onde houver café, com pretexto de
provar alguma fruta, verá se pode esconder algum par de grãos com todo disfarce
e com toda a cautela”.
Chega
Teodoro Braga a admitir, até, a hipótese de que o principal móvel da viagem de
Palheta haja sido a obtenção das sementes de café.
Assim,
a ideia da introdução do cafeeiro no Brasil se deve a João da Maia da Gama,
inspirador de Palheta. Deve este compartilhar, com o capitão-general, das
glórias de tão benemérito feito. Trouxe ele, segundo se refere, cinco mudas
vivas e mil e tantas sementes. Os últimos anos de Palheta são obscuros.
Recebeu, em 1727,
o posto de capitão-tenente de guarda-costa, diversas sesmarias, onde plantou
café e cacau, como alegou em 1733.
Documento ultimamente descoberto por Artur César Ferreira Reis demonstra que,
em 1734,
deve ter ocorrido o seu falecimento.
Já
em 1731,
segundo Teodoro Braga, chegavam a Lisboa peque-nas partidas de café do Pará e do
Maranhão. Uma resolução de D. João V e de 1731 isentou o café de direitos durante doze anos.
Muito recomendou o primeiro Rei Fidelíssimo aos seus delegados na Amazônia que
incentivassem o plantio do cafeeiro. Já em 1734, entravam no Porto de Lisboa três mil arrobas
de café da Companhia Geral do Maranhão e Grão-Pará.
Era
o consumo português, então, insignificante. Pediu a Câmara de Belém, em 1739, a D. João V o
lançamento de direitos proibitivos sobre o café estrangeiro, e, em 1741, prometeu o rei
deferir-lhe o requerimento. Nesta ocasião, produzia o Pará umas quinhentas
arrobas anualmente, mais do que o consumo anual do Reino. A este, o Ministro
Diogo de Mendonça Corte Real avaliava, então, em 420 arrobas apenas, vendidas entre 2$800 e 3000
réis, preço, aliás, enorme para a época.
Afinal,
D. João V deferiu o pedido da Câmara belenense, que lhe acenara com a próxima
extinção da indústria cafeeira local se o comércio cafeeiro não fosse protegido
aduaneiramente.
Nunca
foi considerável o volume da produção cafeeira paraense, a mais velha das do
Brasil. Das principais exportações de sua terra, fez o douto Barata um quadro
correspondente ao período de 1773
a 1818,
ano por ano, onde ocorrem, aliás, vinte lacunas. A média dos vinte e seis
totais do quadro de Barata correspondentes a outros tantos milésimos não atinge
a quatro mil arrobas.
Parece
absolutamente incontestável que o cafeeiro penetrou no Brasil pelo Pará.
Entretanto, dois autores de antanho, um brasileiro, Monsenhor Pizarro, e outro
estrangeiro, Roberto Southey, lançaram a absurda versão de que Dom Manuel, o
Venturoso, falecido em 1521,
convém lembrá-lo, cogitara de mandar plantar café no Brasil!
A
esta estapafúrdia atoarda cabalmente rebateu Freire Alemão, em 1856, corroborando-lhe palavras e conceitos da
autoridade dos de Moura Brasil, Vieira Fazenda etc. Drenkpol, em 1927, atribuiu o
erro de Southey a alguma adulteração de qualquer apógrafo da obra de Gabriel
Soares, que o poeta e historiador inglês haja consultado, apógrafo que,
entretanto, não se sabe hoje qual seja.
Assim,
não pode haver dúvida possível: penetrou o cafeeiro no Brasil pela via
amazônica, vicejando as primeiras lavouras do futuro Brasiliae fulcrum nas
vizinhanças da cidade de Santa Maria de Belém.
A
mais antiga referência até agora divulgada e relativa ao consumo do café no
Brasil é o que ocorre no Peregrino da América, a conhecida obra de Nuno
Marques Pereira, cuja composição terminou em 1733. Refere o piedoso autor que, nessa época, havia
na cidade d’O Salvador “casas de pasto onde se serviam sorvetes, chocolates,
chás, cafés e outras muitas potages de gosto ao paladar”.
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