"Banhou-se, ensaboou-se, deu-se todo aos
cuidados pessoais, gastando o tempo do costume, e mirando-se ao espelho, vinte
e trinta vezes. Também era costume. Gostava de ver-se bem, não só para
retificar uma coisa ou outra, mas para contemplar a própria figura."
Machado de Assis, "O caso Barreto" (Conto)
Reza o mito grego que Narciso, filho de Cefiso e da ninfa Liríope, encantado com sua própria beleza refletida na água, deixou-se consumir ali mesmo, transformando-se numa flor.
Se a ilusão da beleza faz despedaçar a essência
de uma pessoa, o seu oposto não é diferente. Quando a questão é o espelho, beleza
e feiura tornam-se partes intrínsecas de um só processo: a angústia.
A angústia da beleza nasce da sua
incompletude, da consciência de sua transitoriedade e do esforço inútil para
mantê-la. A feiura, por sua vez, faz gerar um inconformismo confuso, a tristeza
de si mesmo e a frustração que se deriva do sentimento de desarmonia com os padrões e as convenções sociais predominantes. E assim diante do espelho, cada um em seu oposto, deixa-se
consumir pelo nada absoluto, pela total ignorância da condição humana real e pela
vontade inconsciente de se atingir o vazio existencial em seu estado pleno. Daí resultam as patológicas exposições nas redes sociais, em que se imploram cliques e comentários, numa ânsia
desesperada de se sentir belo (ou bela), ainda que cosmeticamente, sob o preço da própria dignidade.
Os séculos desfilam
num turbilhão, e o espelho segue-lhe à reboque. Cada época é consumida em seus próprios
padrões, que nascem e renascem conforme as convenções humanas e segundo os ditames da moda. A beleza e a
feiura podem não ser expressão da subjetividade, mas certamente é a condensação
viva da superficialidade. A verdadeira pessoa é sua essência invisível, que não
pode ser refletida em espelhos, estampadas em fotografias ou expostas nas
páginas do Facebook. É o Bom Samaritano caridoso; é o Homer Simpson glutão; é o
vingativo Hamlet; é o acusador Bento Santiago; é o ganancioso Ebenezer Scrooge;
é a controvertida Emma Bovary; é o tresloucado Simão Bacarmarte; é, enfim, o ser
humano despido de máscaras sociais e imperceptível ao espelho, mas cristalino diante do prazer, do
amor, da dor e da morte.
É isso!
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Por: Iba Mendes (Julho de 2016)
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