O Corvo, de Edgar Allan Poe
Tradução Anônima: "Otis" (1916)
Tradução Anônima: "Otis" (1916)
Um dia, à meia noite
exatamente,
Prostrado de fadiga e muito
sono,
Tendo lido doutrina muito
antiga,
Cismava no que lera em
abandono:
Ouço bater à porta de
mansinho
E, com pavor nascido de horas
tais,
Disse comigo mesmo: quem será
Mas há de ser alguém, o nada
mais !
Ah! eu me lembro bem! Era em
dezembro;
Fazia um frio atroz;
agonizava
A derradeira brasa que inda
ardia,
E eu, sem ter repouso, inda estudava;
Que aflito pelo dia, nos meus
livros
Repouso em vão buscava a
dores tais
De saudade por quem nos céus
se chama
Leonor, e na terra: nada mais!
E o rumor das cortinas;
brando e vago,
Lentamente em meu peito
despertava
Terror desconhecido, e que
jamais
Senti no coração que me
apertava.
Por fim, para acalmá-lo,
levantei-me
Com esta reflexão: A horas
tais!...
É visita, sem dúvida, que
bate;
Retardou-se, é verdade; nada
mais!
Então senti mais forças em
minh'alma,
E não vacilei mais; corri à
porta:
“Desculpai a demora; bateis
manso
E eu não estava alerta... é
hora morta,
Precisava descanso e
dormitava,
Quando... Entrai, ó vós, quem
quer que estais!”
Com a porta escancarada, eu
vejo a noite;
E tão somente a noite, e nada
mais!
O olhar mergulho ao longe,
escruto a sombra.
E a sombra me amedronta! e,
assombrado,
Eu sonho o que jamais alguém
sonhou!
E o silêncio ali jaz como o
passado.
Em tão profunda paz, oh! doce
nome!
De minha boca, qual suspiro,
sais,
Leonor! Teu nome, só, ouviu-me
o eco,
E o repetiu no espaço nada
mais!
Incendida minh'alma, eu entro
e logo
Bater mais forte soa; então,
voltando:
Por força, digo, alguma coisa
é
Que está batendo assim, me
atormentando.
Abramos, vamos ver, fora o temor.
Que mistérios terão batidos
tais?
Fora o medo; sossega,
coração;
Isso há de ser o vento, e
nada mais!
Abro
o postigo e súbito entra, negro,
Altivo
urubu-rei, tumultuoso,
Que
sem mais cortesia vai voando,
Sem
partir um instante, descuidoso,
Mas,
circunspeto sempre como um lord,
Adejando
inda acima dos portais,
Vê
um busto de Palas sobre a porta
E
nele pousa, e fica: e nada mais!
Diante
de tão feio e negro vulto,
De
atitude severa e ar correto,
O
triste pensamento me sorri:
Oh!
corvo, disse eu, corvo abjeto!
Tu,
que sem medo vens das plagas negras,
Posto
disfarces dons senhoriais,
Responde:
"Qual teu nome? onde nasceste?"
E o
corvo respondeu-me: nunca mais!
Aterrado
fiquei; pois na verdade,
Embora
tão confuso respondesse,
Entendera
mui bem minha pergunta.
Coisa
igual jamais sei que acontecesse!
Um
pássaro, tão negro, altivo, posto
No
busto que lá está num dos portais,
Ouvir
minha pergunta e responder
Que
se chama somente: nunca mais!
Assim,
aquele corvo, que não sabe
Dizer
outra palavra que as que disse,
Quedo,
lá, sem mexer nenhuma pena,
Disse
tudo que sua alma resumisse.
Por
fim, considerei: "Tenho perdido
Tantos
antigos bons e tão leais!
Perderei
tombem este, em vindo o dia?"
E o
corvo respondeu-me: nunca mais!
Estremeci.
"Resposta tão cabida,
Tão
exata!" pensei: "isso é ciência
Única
que aprendeu com algum mestre
De implacável
desdita, em convivência;
Que
tão tenaz castigo dó destino!
Guardar
dos cantos dantes usuais
Somente
o que ficou do derradeiro!
Somente
este estribilho: nunca mais!"
De
novo me sorri o pensamento;
Me
sento na poltrona, em frente ao corvo;
Concentro
o pensamento no mistério
Que
só em desvendar eu me absorvo.
Que
lúgubre, sentido? Que alma tem
Segredo
dos termos sepulcrais?
Agouro
é o sentido dessa frase
Que
o corvo grasna tanto: nunca mais?!
Estava
meditando, em devaneio,
Calado,
em conjecturas; mas sentia
Seu
olhar abrasar-me, e recostado
Na
poltrona, tranquilo refletia:
Neste
encosto macio já outrora
Cabeça
de anjo; tranças divinais
Muita
vez esparziu aqui; depois...
Depois!
não esparziu mais... nunca mais!
Parecendo-me
então o ar encher-se
De
incenso de turíbulo qual no espaço
Serafins
invisíveis se agitassem,
Logo
esta exclamação me ocorre e faço:
"Deus
sensível! que dás consolo à dor,
Pungida
de saudades imortais!
De
Leonor ide esquecer assim tu fazes?"
Do
alto disse o corvo: nunca mais!
"Profeta,
ave, demônio, ou quer que sejas,
Profeta
que tu és, dize, responde,
Ou
venhas tu do Averno ou, naufragado,
Acaso
o temporal aqui te esconde,
Nesta
casa onde só, e tão somente,
O
horror tem seus passos triunfais.
Dize:
quando haverá conforto à dor?"
E
respondeu-me o corvo: nunca mais!
"Profeta,
ave, demônio, ou quer que sejas,
Profeta
que tu és, responde, fala.
Pelo
céu que se estende ao infinito,
Por
Deus que é nosso Deus, há de abraçá-la,
Dize
só: poderá minh'alma triste
Unir-se,
além dos lares sepulcrais,
À
virgem que entre os anjos é Leonor?"
E o
corvo respondeu-me: nunca mais!
"Profeta,
ave, demônio, ou quer que sejas,
Cala-te!
e volta, já, pra tua noite!
Regressa
ao temporal donde fugiste;
Que
eu fique só aqui, mas não te acoite!
Vai-te!
leva contigo essa mentira!
Carrega-te
com as garras tão fatais
que
rasgam-me no peito a minha dor!
E o
corvo respondeu-me: nunca mais!
E
fica ali pousado e quedo o corvo
Sobre
o busto de Palas, tão bisonho;
Que,
ao ver-lhe o duro senho carregado,
Julga-se
ver um demo em pleno sonho.
No
chão a sombra dele reproduz-se
Perfeitamente
em linhas funerais,
E
minh'alma que geme, presa e triste
Fora
dela não sai! Oh! nunca, mais!
Adaptação ortográfica: Iba Mendes (2016)
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