O mate de João Cardoso
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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— A la fresca!… que demorou a tal fritada! Vancê reparou?
Quando nos apeamos era a pino do meio-dia... e são três horas, largas!... Cá pra mim esta gente esperou que as franguinhas se pusessem galinhas e depois botassem, para depois apanharem os ovos e só então bater esta fritada encantada, que vai nos atrasar a troteada, obra de duas léguas... de beiço!...
Isto até faz-me lembrar um caso... Vancê nunca ouviu falar do João Cardoso?... Não?... É pena.
O João Cardoso era um sujeito que vivia por aqueles meios do Passo da Maria Gomes; bom velho, muito estimado, mas chalrador como trinta e que dava um dente por dois dedos de prosa, e mui amigo de novidades.
Também... naquele tempo não havia jornais, e o que se ouvia e se contava ia de boca em boca, de ouvido para ouvido. Eu, o primeiro jornal que vi na minha vida foi em Pelotas mesmo, aí por 1851.
Pois, como dizia: não passava andante pela porta ou mais longe ou mais distante, que o velho João Cardoso não chamasse, risonho, e renitente como mosca de ramada; e aí no mais já enxotava a cachorrada, e puxando o pito de detrás da orelha, pigarreava e dizia:
Olá! Amigo! apeie-se; descanse um pouco! Venha tomar um amargo! É um instantinho... crioulo?!…
O andante, agradecido à sorte, aceitava… menos algum ressabiado, já se vê.
— Então que há de novo? (E para dentro de casa, com uma voz de trovão, ordenava:) Oh! crioulo! Traz mate!
E já se botava na conversa, falava, indagava, pedia as novas, dava as que sabia; ria-se, metia opiniões, aprovava umas coisas, ficava buzina com outras...
E o tempo ia passando. O andante olhava para o cavalo, que já tinha refrescado; olhava para o sol que subia ou descambava… e mexia o corpo para levantar-se.
Bueno! são horas, seu João Cardoso; vou marchando!…
— Espere, homem! Só um instantinho! Oh! crioulo, olha esse mate!
E retomava a chalra. Nisto o crioulo já calejado e sabido, chegava-se-lhe manhoso e cochichava-lhe no ouvido:
— Senhor, não tem mais erva!…
— Traz dessa mesma! Não demores, crioulo!...
E o tempo ia correndo, como água de sanga cheia.
Outra vez o andante se aprumava:
— Seu João Cardoso, vou-me tocando… Passe bem!
— Espera, homem de Deus! É enquanto a galinha lambe a orelha!… Oh! crioulo!… olha esse mate, diabo!
E outra vez o negro, no ouvido dele:
— Mas, sr!… não tem mais erva!
— Traz dessa mesma, bandalho!
E o carvão sumia-se largando sobre o paisano uma riscada do branco dos olhos, como encarnicando...
Por fim o andante não aguentava mais e parava patrulha:
— Passe bem, seu João Cardoso! Agora vou mesmo. Até a vista!
— Ora, patrício, espere! Oh crioulo, olha o mate!
— Não! não mande vir, obrigado! Pra volta!
Pois sim…, porém dói-me que você se vá sem querer tomar um amargo neste rancho. É um instantinho... oh! crioulo!
Porém o outro já dava de rédea, resolvido à retirada.
E o velho João Cardoso acompanhava-o até a beira da estrada e ainda teimava:
— Quando passar, apeie-se! O chimarrão, aqui, nunca se corta, está sempre pronto! Boa viagem! Se quer esperar... olhe que é um instantinho... Oh! crioulo!…
Mas o embuçalado já tocava a trote largo.
Os mates do João Cardoso criaram fama… A gente daquele tempo, até, quando queria dizer que uma coisa era tardia, demorada, maçante, embrulhona, dizia — está como o mate do João Cardoso!
A verdade é que em muita casa e por muitos motivos, ainda às vezes parece-me escutar o João Cardoso, velho de guerra, repetir ao seu crioulo:
— Traz dessa mesma, diabo, que aqui o Sr. tem pressa!...
— Vancê já não tem topado disso?…
João Cardoso da Silva era irmão de minha 4 avó foi militar estancieiro, senhor de muitas terras dono de muitos escravos. quando morreu deichou terra para os seus escravos e muitos levaram o seu sobrenome.graças a ele a familia Dias de Castro se espalhou pelo Rs. e pelo Brasil.
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