O violinista
Coligidos por: Henrique Marques Júnior. Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Em épocas muito longínquas, o povo de uma grande capital — cujo nome nos não ocorre — erigiu um lindo templo dedicado à padroeira dos músicos — Santa Cecília, segundo a tradição.
Eram das cores mais vivas e vistosas as flores escolhidas para cobrir o altar, a roupagem da santa toda em prata filigranada e os sapatos executados em ouro, pelo mais hábil ourives-cinzelador que vivia nessa cidade. A igreja estava sempre repleta de devotos e peregrinos. Em romagem, entrou lá certo dia um infeliz violinista, macilento, esquálido e franzino. Como a caminhada fora longa, o pobre estava fatigado e no seu alforje já não havia uma migalha de pão nem na sua algibeira um ceitil para o comprar.
Apenas entrou no templo, principiou a dar uns acordes de violino tão suaves, tão expressivos, tão melodiosos, que a santa enterneceu-se tanto com a sua pobreza e com aquela música maviosa, que — ao ele findar — se baixou, descalçou um dos sapatos de ouro e deu-o ao infeliz menestrel, que, doidamente alegre, bailando, cantando e chorando, ao mesmo tempo, se encaminhou para uma ourivesaria com o fim de o trocar por dinheiro.
O joalheiro, porém, conhecendo o sapato como sendo o da santa, prendeu o violinista, levando-o ao juiz. Formaram processo, foi julgado e condenado à pena última.
Aproximara-se o dia da execução; os sinos tocavam plangentemente, e o triste cortejo pôs-se em marcha, acompanhado a cânticos dos frades que, apesar disso, não deixavam de ouvir-se os lindos acordes que o infeliz condenado tirava do seu maravilhoso violino; era uma última concessão que lhe havia sido dada, até soar o derradeiro instante. O cortejo parou mesmo defronte do templo da santa e, assim que ali chegou, o pobre músico suplicou que o conduzissem ao altar da santa, a fim de tocar o seu último acorde melodioso.
Os frades e os chefes dos soldados que o escoltavam, concederam-lhe essa graça, e o violinista entrou, ajoelhou-se aos pés da padroeira dos músicos e, com os olhos marejados de lágrimas, principiou a tirar deliciosos acordes do seu violino.
O povo, então, atônito e admirado, notou que Santa Cecília se baixava, descalçava o outro sapato e o metia nas mãos do pobre músico. A este maravilhoso espetáculo, todos os circunstantes levaram em triunfo o violinista, puseram-lhe na cabeça uma coroa entrecida de flores, e os magistrados dirigiram-lhe as mais solenes e as mais honrosas homenagens.
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