10/07/2017

Pobre coração (Conto), de Delminda Silveira


Pobre coração (Fantasia)

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Ele tinha os olhos garços; o olhar desses olhos falava... Ora meigo, de indizível e sedutora ternura, ora lampejante, imperioso, irresistível no seu brilho dominador.

Pálido como poeta, o seu coração seria o de um poeta também?... não possuiria ele uma alma terna e sensível?...

Os cabelos lindos de um acastanhado leve, ondeavam graciosamente; o porte elegante e distinto... era um mancebo encantador!...

Fraca e pálida como a flor abandonada, ele encontrou-a; definhada qual a folha mimosa no arrefecer do Outono.

Ele examinou-a... Seus olhos belos, meigos e compassivos se quedaram fitos nos olhos escuros dela; o que leria ele ali?...

Depois, sua formosa cabeça inclinou-se sobre o brando seio da doente; auscultava-a... escutava-lhe o coração; — o que ouviria ele?...

Um suspiro débil, penso que fugia, — avezinha errante em busca do abrigo onde repousar; — e a formosa cabeça comprimiu terna, suavemente o seio que ficava por sobre o coração.

Ai! pobre coração! o que sentiste?...

Que sensação indefinível! que inexplicável anseio te fez assim tanto palpitar?

Foi bem a terna saudade, a doce recordação, talvez, de um passado desfeito o que sentiste?

Ai! Pobre coração!...

A palma mimosa da sensitiva se retrai ao contato de mão; coração, coração! por que te confrangeste assim? Oh! folha mimosa! por que te retraíste?...

A avezinha livre do deserto, por vezes tem sede; — ai! se avistar a cristalina veia, quem a condenará porque vai sôfrega beber?

Se a gota de orvalho que o Céu mandou, tremulando fica na pétala desprendida da magnólia branca, quem há de criminar a borboleta que pela tarde estiva e vai sorver?

A cândida açucena tem doçura no seio; foi Deus que lha depositou ali; — que mal há pois que o beija-flor sequioso procure o doce mel naquele seio perfumado?

E se da luz criadora do sol benefício, acaso a violeta que na sombra pende, sentir o almo calor e amoroso o acolheu no seio em que ele docemente penetrou, se deve, porventura, censurar a misérrima que, de frio, se finava no isolamento?

E Deus criminaria a inocente imbele para resistir e mui sensível para ser ingrata?!

O orvalho do Céu caía gota a gota, em cada manhã, sobre a planta que desfalecia; o sol aqueceu-a, cuidou-a o floricultor, e cada dia ela sentia o extremo desvelo com que a trataria. Oh! revivessem, abrindo-se em flores bem mimosas!... Que culpa tem as flores que se abrem agradecidas?

A flor encerra o gérmen, o perfume, a doçura; o coração encerra a vida, o amor, a ternura; a flor desabotoa, entornando aroma se o sol a aqueceu; o coração é como a flor: expande-se derramando a ternura se amor feriu...

Que culpa tem a flor? Que culpa tem o coração?...

Ai! pobre flor abandonada!

Ai! pobre coração!

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