10/28/2017

"Por que não ler os clássicos" ou: "Como alimentar os burros"



Por que não ler os clássicos

Ou: Como alimentar os burros

Em 30 de junho de 2010, um parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) orientou que o livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, fosse banido das escolas públicas brasileiras. A justificativa, baseada numa denúncia da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, afirmava que a dita obra era racista, e, portanto, prejudicial ao bem-estar das nossas crianças, as quais deveriam ser protegidas contra todas as formas de discriminação.

A invasão do "politicamente correto" na Literatura não é, porém, um fenômeno assim tão recente e não se restringe exclusivamente aos nossos doutos tupiniquins. Na década de 1990, por exemplo, publicou-se nos Estados Unidos uma nova versão da Bíblia, em que se extraiu a palavra “escuridão”, substituindo-a por “noite”, pois segundo os seus organizadores, o sentido “pejorativo” da palavra “escuridão” poderia ser associado a pessoas de pele negra. Nesta mesma versão, Deus não é chamado Pai, e sim Pai-Mãe, por causa do suposto sentido autoritário e machista do termo "Pai".

Há quem diga que tais exigências são parte de uma nova era da humanidade, em que o homem, após milênios sob o obscurantismo do preconceito e do estigma, renasce para uma nova consciência quanto aos direitos fundamentais da "pessoa humana".

Pensando assim (e também por querer me introduzir nessa nova geração de seres iluminados), gostaria de oferecer minha pequena contribuição, sugerindo uma pequena lista de autores e livros, os quais, por razões que procurarei justificar, deveriam ser peremptoriamente anatematizados, lacrados em baús ou atirados ao fogo inclemente, a fim de que suas peçonhas sejam para sempre lançadas no mar do esquecimento.

Vamos lá...


POR QUE NÃO LER A BÍBLIA
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, numa sabatina realizada aqui no Brasil em 2008, o escritor português José Saramago havia dito que a Bíblia é inapropriada para adolescentes. De acordo com a mesma reportagem, o referido escritor teria acrescentado que a Escritura Sagrada é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana, cheia de maus conselhos, como incestos e matanças. Ora, o que motivaria um escritor, um homem de mente tão aberta, grande defensor dos elevados ideais marxistas, inclusive ganhador de um prêmio Nobel de Literatura, a desaconselhar a leitura do Livro Santo? A resposta parece simples. A Bíblia é de fato perniciosa em todos os aspectos, sendo sua leitura altamente prejudicial às mentes inteligentíssimas dos novos tempos. Sua leitura não condiz, portanto, com os padrões morais estabelecidos pelas sociedades mais avançadas do nosso esclarecido século, dentre outras razões porque nela a mulher é tratada como um ser inferior ao homem, o homossexual é comparado a um quadrúpede, a escravidão é justificada, a intolerância religiosa é legitimada, sem contar que em suas páginas encontramos exemplos dos mais variados tipos de atrocidades, sendo o Deus do Antigo Testamento um personagem desagradável, ciumento, orgulhoso, controlador, mesquinho, injusto, intransigente, genocida étnico, vingativo, sedento de sangue, perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo etc... A Bíblia fala ainda de um povo eleito, o judeu, algo que faz transparecer um ideal xenofóbico, o que de certo modo pode ser usado para justificar o apartheid da Palestina, onde uma  minoria árabe é oprimida sem nenhuma misericórdia. 


POR QUE NÃO LER DANTE ALIGHIERI
Eis aí outro livro que também deveria passar ao longe das retinas do homem de consciência elevada. Este bruto escritor produziu um livro abominável a que deram o nome de "A Divina Comédia". Uma obra que, sem dúvida, afronta os nobres sentimentos do homem moderno, que já não se compraz  com ficções preconceituosas, as quais destilam em suas páginas o ódio e a apologia à homofobia.  Faço menção, por exemplo,  do canto 26 do "Purgatório",  onde se lê sobre uma tal saraivada de fogo que se derramava sobre os chamados "sodomitas", ou seja, os homossexuais.  No seu "Inferno",  especificamente no círculo sétimo,  estes mesmos "sodomitas" são ali dia e noite atormentados,  vítimas de todo tipo de violência.


POR QUE NÃO LER LEON TOLSTOI
Basicamente porque este escritor, considerado por alguns como um gênio da Literatura, foi na realidade um soberbo machista. Em suas obras a mulher é o tipo de bode expiatório, sobre o qual é lançada toda sorte de culpa e mazela. Em "A Felicidade Conjugal”, por exemplo, o falso moralismo desse autor  transforma a mulher em propriedade exclusiva do homem, a quem ela dever servir como uma espécie de semiescrava. Sim, rejeitemos este escritor... 


POR QUE NÃO LER WILLIAM SHAKESPEARE
Quem já perdeu um pouco do seu tempo lendo este falsário inglês, não terá grande dificuldade em constatar que se tratava de uma pessoa que detestava as mulheres e que odiava os judeus. Portanto, machista e antissemita ao mesmo tempo.  Em suas peças, a mulher é sempre tratada como seres debilitados e traiçoeiros. “Fraqueza, teu nome é mulher”, escreve ele em Hamlet. Quanto aos judeus, o que dizer do pobre Shylock, em "O Mercador de Veneza"? Nesta obra o dramaturgo destila todo o seu ódio aos filhos de Israel, realçando uma característica que marcou negativamente a comunidade judaica ao longo dos tempos, que é sua associação à usura.


POR QUE NÃO LER  SIR CONAN DOYLE
Não se pode negar certa maestria literária no autor de "Sherlock Holmes". Isso, porém, não deve servir de argumento para ignorarmos seu extremo preconceito em relação à mulher, vista em muitas de suas obras como parte de uma classe marginal e cheia de defeitos. A própria personagem Sherlock Holmes, o que é ele senão um excêntrico machista e morfinômano, antifeminista? Sim, não é um dos piores, mas nem por isso deveria ser apreciado. E, se possível, esquecido...

POR QUE NÃO LER  GUSTAVE FLAUBERT
Embora muitas defensoras do feminismo vejam a Madame Bovary como um emblema de luta da emancipação feminina, o fato é que tal personagem ficcional  sintetiza toda sorte de estereótipo contra a mulher.  "A mulher é um animal vulgar do qual o homem formou um ideal belo demais", escreveu ele afirmando sua visão negativa sobre o sexo feminino. Ora, por que perder tempo com esse tipo de literatura? Se possível, aproveitemos o nosso valioso ócio com leituras mais agradáveis, que não agridam as suscetibilidades alheias, nem realçam os estereótipos sociais, tão comuns no que se convenciona chamar de "clássicos".


POR QUE NÃO LER  MARK TWAIN
Trata-se de um autor racista, o que pode ser facilmente comprovado na obra  “As Aventuras de Huckleberry Finn”, em que faz uso do termo depreciativo nigger. Não foi sem razão que em 2016 o dito livro chegou a ser retirado das bibliotecas das escolas do distrito de Accomack, na Virgínia, Estados Unidos, sendo um dos mais boicotados pelas pessoas de elevado senso moral daquele país.   Tal episódio é emblemático,  sendo um sinal de que a nova geração não está mais disposta a tolerar este tipo de literatura, em que classes sociais são rotuladas pejorativamente.


POR QUE NÃO LER CHARLES DARWIN
Considerado como um dos maiores cientistas de todos os tempos, muitos ignoram que este escritor destilou seu veneno racista em praticamente todas as suas obras, com especial destaque para o seu "A Origem do Homem". Aqui ele não deixa margem à dúvida quanto a sua simpatia pela "raça superiora" europeia. Escreveu ele: "Ambos os sexos deveriam abster-se do matrimonio se acentuadamente fracos no corpo e na mente; mas estas esperanças são utópicas e nunca serão concretizadas nem mesmo parcialmente, enquanto as leis da hereditariedade não forem conhecidas amplamente. Todo aquele que prestar alguma ajuda para se colimar este fim estará fazendo obra boa. Quando os princípios da procriação e da hereditariedade forem melhor conhecidos, não ouviremos mais alguns membros ignorantes da nossa legislatura rejeitar com desprezo um plano que tente a verificar se o matrimonio entre consanguíneos é ou não prejudicial ao homem".


POR QUE NÃO LER LEWIS CARROLL
É notório entre os críticos de bom senso que este autor inglês era um pedófilo contumaz. O que é "Alice" senão o resultado de sua atração obstinada por crianças? Sabe-se que tal escritor era fascinado por fotografar menininhas em poucos trajes. O que seria tal atitude se não um soberbo indício de que o autor de "Alice nos País das Maravilhas"  foi de fato um praticante da pedofilia?


POR QUE NÃO LER MACHADO DE ASSIS
Há quem diga Machado de Assis é o mais genial escritor brasileiro de todos os tempos. Que ele era mestre na arte de escrever, disto resta pouca margem para a dúvida. O que tais pessoas talvez ignorem é que este senhor, que teve suas origens na escravidão,  em nenhum momento fez questão de se opor com clareza contra as mazelas desta mesma escravidão. Nos seus primeiros romances ele passa ao largo de qualquer temática relacionada à escravatura, esquivando-se vergonhosamente de sua própria genealogia. Sua ambição por querer parecer ser branco, levou-o assim a ignorar sua origem humilde de filho de escravo. Em outras palavras: renegou sua condição de pobre e negro.  O seu livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” sintetiza sua postura de um típico representante da classe dominante, algo que fica muito bem tipificado na personagem Brás Cubas.  Engana-se, portanto, quem lhe atribui genialidade. Erra-se quem se deixa embalar pelo canto dessa falsa sereia da sobriedade literária.  


POR QUE NÃO LER JORGE AMADO
Muitos elogiam este escritor por sua coragem em atacar certas convenções sociais do seu tempo. E isso é verdade! De fato ele foi alguém que de certa forma soube aproveitar de sua ficção para condenar certos preconceitos, como a homossexualidade. Todavia, em seu famoso livro "Capitães de Areia" há algo que o desabona como um homem de consciência elevada. Algo suficiente para também bani-lo dos nossos bons hábitos de leitura. Ao discorrer sobre a realidade dos garotos de rua da cidade de Salvador, na Bahia,  ele de certa forma tenta justificar os estupros cometidos por esses delinquentes como algo imposto pela própria condição social em que estavam inseridos. Ou seja: eles apenas faziam o que qualquer pessoa na condição deles também faria. O que é isso senão uma clara apologia ao estupro?


POR QUE NÃO LER MONTEIRO LOBATO
Como já foi mencionado inicialmente, Monteiro Lobato foi escancaradamente um escritor racista. Em suas obras o negro é quase sempre  tempo estigmatizado  com conotações de natureza racista e eugenista.  Em "Caçadas de Pedrinho" a personagem Tia Anastácia é chamada, por exemplo, de “macaca de carvão”, entre muitas outras expressões abjetas. No seu livro "O Presidente Negro" o racismo contra o negro é ainda mais explícito.  Ali os seus ideais de purificação racial, fundamentados nos idênticos ideais de Francis Galton, primo de Darwin, que idealizou a Eugenia, uma doutrina segregacionista que buscava o aprimoramento da “raça humana” por meio de cruzamentos indesejáveis e até mesmo por intermédio da esterilização dos “degradados social",  estão claramente elencados.  Eis aí outro autor que merece nosso total repúdio... E, se possível,  o nosso anátema...

POR QUE NÃO LER EUCLIDES DA CUNHA
A ideia de que a sociedade poderia ser "melhorada" evitando-se "cruzamentos indesejáveis" fez parte dos ideais de boa parcela dos acadêmicos tupiniquins, como  o anteriormente citado Monteiro Lobato. Outro que também foi fortemente impactado por esta peçonha, foi o autor de "Os Sertões", o grande Euclides da Cunha, conforme se pode observar nesse trecho do seu referido livro: "A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. De sorte que o mestiço — traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares — é, quase sempre, um desequilibrado..."


POR QUE NÃO LER JOSÉ DE ALENCAR
Eis aí outro típico representante da elite dominante brasileira. Ele não apenas era favorável à escravidão como, também, tentou justificá-la. Escreveu ele numa de suas cartas: "A escravidão caduca, mas ainda não morreu; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. É quanto basta para merecer o respeito." Suas obras estão repletas de referências pejorativas ao negro e ao índio. A própria personagem Iracema, que simboliza o processo de miscigenação, é tratada como um ser primitivo e infantilizado, alguém que, como o índio Peri do "O Guarani", tornou-se cortês após a convivência com o homem branco. 


POR QUE NÃO LER ALUÍSIO AZEVEDO
A resposta pode ser encontrada no seu livro "O Cortiço", o qual está abarrotado de construções tipicamente racistas. O que seria a personagem Bertoleza senão o retrato do próprio pensamento do escritor, que via os negros como seres animalizados? E o que dizer então da hiperssexualizada mulata Rita Baiana, a qual prefere a "superioridade" do branco Jerônimo em detrimento do mulato capoeirista Firmino? O que é isso senão uma clara demonstração de que o autor era parte de uma elite opressora, que via o branco europeu como a "raça superior"? 


POR QUE NÃO LER BERNARDO GUIMARÃES
“Meu Deus! meu Deus!… já que tive a desgraça de nascer cativa, não era melhor que tivesse nascido bruta e disforme, como a mais vil das negras, do que ter recebido do céu estes dotes, que só servem para amargurar-me a existência?” Esse trecho faz parte do famoso livro "A Escrava Isaura", o qual já serviu de inspiração para duas novelas, sendo uma da Rede Globo, que contou com a participação de Lucélia Santos, que fazia o papel da escrava branca.  O livro passa a ideia de que uma escrava tão bela e tão cheia de virtudes, jamais deveria ser castigada. É como se tivesse justificando que há limites para se castigar um escravo, é claro,  desde que este tenha as qualidades de uma "Isaura". 


POR QUE NÃO LER ADOLFO CAMINHA
Simples. Porque este escritor, assim como muitos outros do seu tempo, cultivava uma ideia preconceituosa da sociedade, a qual estava dividida entre "raça superior"  e "raça inferior". A "raça superior" era obviamente a elite branca, que descendia do "civilizado europeu" e da qual ele fazia parte. Em seu livro "O Bom Crioulo", é atribuída ao negro uma espécie de "perversão inata", a qual não podia ser desassociada da própria cor da sua pele. O caráter preconceituoso atribuído ao "Bom Mulato" explicita a visão estereotipada que o autor nutria quanto aos afrodescendentes. 


POR QUE NÃO LER JOSÉ SARAMAGO
O livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" é uma blasfêmia repugnante à fé dos cristãos em geral. O autor tem todo o direito em criticar a religião, haja vista que ele foi um notório ateu e grande defensor do Comunismo. No entanto, é inaceitável a forma como ele deturpa a genuína essência dos santos Evangelhos e igualmente da própria pessoa do Senhor Jesus, atribuindo a este um relacionamento conjugal com a prostituta Maria Madalena, além de macular a virgindade da mãe do nosso Salvador. Isso em nada acrescenta para a harmonia entre o laicismo e as crenças dos povos. O bom senso recomenda cautela quanto a se respeitar à fé alheia. A banalização da crítica destrutiva promove ódio entre as pessoas e, sendo assim, deve ser cabalmente rechaçada. Este escritor não pode e não deve fazer parte de um bom cardápio de leitura. Por isso, é aconselhável  o boicote aos seus torpes livros... E, se possível, igual boicote aos demais publicados pelas complacentes editoras.

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Bom. Eu poderia estender-me infinitivamente, relacionando outras inúmeras obras, as quais, pela fina razão do "politicamente correto" deveriam ser abolidas das escolas públicas, das bibliotecas e da própria Internet. O "novo homem", isto é, o homem que já superou seu primitivo estágio de decadência intelectual, não pode compartilhar com esse tipo de literatura decadente, ainda que pomposamente chamada de "clássica".  O anseio por uma sociedade melhor e mais justa impõe-nos a dura responsabilidade de sermos os arautos de uma nova consciência, a qual esteja plenamente isenta das pechas preconceituosas do passado. O "novo homem" não deve contextualizar o autor com o seu tempo. Em vez disso, deve simplesmente torná-lo esquecido, e, se possível, lançá-lo no ostracismo contundente do tempo. Só assim, construiremos uma sociedade mais digna. Apenas desta maneira formaremos cidadãos verdadeiramente capacitados para tornar o nosso mundo um imenso pasto...


É isso!




São Paulo, outubro de 2017

Um comentário:

  1. Ótimo texto, agora estou refletindo sobre o como o politicamente correto tem nos tornado ignorantes e incapazes de apreciar boas obras sem antes critica-las pelos óculos do que deve ser o "correto".

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