Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O Gabrielzinho havia regressado
da rua intrigadíssimo com aquela novidade. Por que motivo, realmente, a
prosperidade havia de ser simbolizada sempre por um chifre repleto de moedas,
que uma mulher despejava de cima, com o sorriso nos lábios? Que significaria
aquele anúncio berrante da casa de loterias, no qual se via a Fortuna a
derramar o ouro da sua cornucópia sobre a cabeça irrequieta dos homens?
Ingênuo, puro, infantil, o seu primeiro cuidado, ao chegar em casa, foi
perguntar ao velho Gabriel:
— Papai, por que é que a Fortuna
é representada, sempre, com um chifre na mão?
O honrado comerciante coçou a
calva, atrapalhado, mas D. Lavínia o tirou da dificuldade, insistindo:
— Responde, Gabriel! Você não tem
lá dentro um livrinho que trata dessas coisas? Essa figura, como ele diz,
representa, mesmo, a Fortuna. Se você duvida, veja o livro.
— É verdade! — exclamou o velho.
— Aquele livro deve dar.
E, indo buscar um volume,
pequeno, miúdo, edição popular, do "Dicionário da Fábula", de
Chompré, tradução portuguesa, leu, alto, à pag. 165:
— "FORTUNA —, deusa que
preside ao bem e ao mal."
— Não é aqui, — acrescentou.
Folheou para trás, e tornou a
ler, à pag. 4:
— "ABUNDÂNCIA — divindade
alegórica que se representa na figura de uma donzela no meio de todo o gênero
de bens, grossa de carnes, com vivas cores, e tendo na mão um corno cheio de
flores e frutos. Dizem ser filha de Acheres ou da cabra Amaltea."
Folheou para a frente, e
continuou, à página 31:
— "AMALTEA — É o nome da
cabra que deu leite a Júpiter. Em reconhecimento deste bom serviço, ele a
colocou, com dois cabritos, seus filhos, no céu, e deu um dos seus cornos às
ninfas que cuidaram dele desde a sua infância, com a virtude de produzir quanto
elas apetecessem. Chamava-se-lhe o "Corno da Abundância".
Terminada a leitura, D. Lavínia
observou, teimosa:
— Então, é ou não é?
— O quê? — indagaram, ao mesmo
tempo, o pai e o filho.
— O chifre, nas mãos de uma
mulher, é, ou não é, o símbolo da Fartura?
Os dois calaram-se, e D. Lavínia
continuou, ingênua, na sua honestidade:
— Eu, que digo, é porque sei.
E, simples, boa, cândida na sua
virtude, recomeçando o seu "crochet":
— Eu estou cansada de dizer a teu
pai...
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