A pérola
(APÓLOGO PERSA)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Em que se demonstra que a
fraqueza humilde é mais proveitosa do que a grandeza arrogante.
Rugiam, lá em cima, os ventos
tempestuosos do inverno, quando a gota d'água, trêmula e pura, se sentiu, de
repente, sozinha no espaço, desgarrada, por um sopro mais forte, da nuvem em
que se formara. Medrosa, humilde, pequenina, voava a mísera arrebatada pelas
doidas ondas aéreas, quando viu, de súbito, precipitando-se na mesma direção,
mugindo, rolando, redemoinhando, uma enorme tromba marinha, que abalava o céu
com a fúria da sua carreira. Ao perceber a límpida gota assustada, a tromba
monstruosa, — equóreo traço de união colocado entre o mar e as nuvens, — parou,
de repente, rodando, sobre si mesma, e indagou, irônica:
— Aonde vais tu, miserável poeira
da chuva? Que fazes por estes caminhos perigosos do espaço, arrastada, como
entidade invisível, pelo mínimo sopro dos ventos?
Trêmula, encolhida, assaltada por
diferentes ondas de ventania, a gota límpida não pôde, sequer, responder, e a
tromba continuou, zombeteira:
— Já pensaste, acaso, no destino
que te espera? O vento que nos conduz a ambas, arrasta-nos, furioso, para o
oceano largo, que reboa, lá embaixo, clamando por nós. Ouves?
A gota d'água prestou atenção, e
percebeu. Para além da neblina que cobria a terra, embaixo, reboavam, apavorantes, os grandes soluços do mar. Como um bando
de tigres enfurecidos, as ondas uivavam, despedaçando-se umas de encontro às
outras, ao mesmo tempo que a água, revolvida pelos braços da tempestade,
chorava, gemia, guaiava, num tumulto de vozes desesperadas.
Percebendo o susto da gota
humilde, a tromba insistiu:
— Lá embaixo, estão o meu túmulo
e o teu. A mim, porém, me espera um destino que é, por si mesmo, a minha
glória. Tombando no oceano, eu constituirei uma parte dele mesmo, tendo, como
ele, as minhas ondas, os meus vagalhões, as minhas espumas. Serão necessários
dias talvez uma semana, para que as minhas águas sejam absorvidas pelo mar. E
tu, que te aguarda? Mal tombes em um cabeço de vaga, em um simples floco de
espuma, desaparecerás, anônima, para sempre, sem que fique, na terra ou no céu,
a sombra do teu vulto ou da tua memória!
— Meu Deus!... gemeu a gota
d'água, apavorada, pálida, trêmula, no horror daquele extermínio próximo.
Nesse instante, um trovão
contínuo, forte, soturno, anunciou a vizinhança do oceano. Rajadas formidáveis
abraçaram a tromba d'água, arrebatando-a, abalando-a, desconjuntando-a. Outras
rajadas, precipitando-se em sentido contrário, tomaram com o seu hálito a gota
humilde, a mísera poeira de chuva, e, horas depois, serenada a tempestade,
aparecia, de novo, ao sol, a face tranquila do mar.
Dias passaram-se, porém. E uma
tarde, quando da tromba marinha já não existia, sequer, na memória do oceano,
um pescador do mar Índico encontrou na praia, dentro de uma concha, uma gota
petrificada e brilhante. Era a gota d'água do céu, que Deus, ouvindo a prece da
humildade, salvara das águas...
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