11/25/2017

Abertura do Congresso (Conto), de Lima Barreto


Abertura do Congresso
 
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Festa nacional. Descoberta do Brasil e abertura do Parlamento. Noite. Salão do restaurante do Club Épatant. Cortinas sovadas nas janelas, quadros de pacotilha pelas paredes. Os garçons vão e vêm. Ouve-se o chiar dos quitutes na cozinha próxima. Das salas de jogo, chega até ali o ruído especial das fichas de madrepérola. Com graves cavalheiros, pelas mesas, há cocottes em grande toilette. Pequenos “toques” na moda. Fala-se um calão de todas as línguas, inclusive o português. O Congresso tem na casa uma porção de representantes. Todas as mesas ocupadas.

(Uma mesa à esquerda)

O DEPUTADO BREDERODES
Fanny , não sabes quanto me custou o reconhecimento.

FANNY
Um conto de réis?

BREDERODES
A unidade de moeda de vocês é um conto...

BREDERODES
Que é que você diz?

BREDERODES
Digo que vocês só começam a contar o dinheiro de um conto de réis para cima. Quer mais vinho?

BREDERODES
Merci. Mas quanto custou o reconhecimento de você?

BREDERODES
Não posso dizer... É segredo de Estado.

(Uma mesa à direita).

O DEPUTADO X
Amo-te muito, minha querida Concha.

CONCHA
Usted bebeu mucho hoy.

O DEPUTADO X
É de alegria; fui reconhecido.

CONCHA
Então usted paga aquela conta da modista. À la vôtre! (Erguem as taças)

(Uma mesa ao fundo).

O DEPUTADO Z.
Se não tivesse sido reconhecido, diria que andava de cábula.

EMMA
Perchè?

O DEPUTADO Z.
Fiz doze paradas no 15 e não acertei nem uma vez.

EMMA
Não faz mal. Voi não está deputado?

O DEPUTADO Z.
Estou.

O DEPUTADO Z.
Então tutto va bene.

(Uma mesa junto à janela).

O CANDIDATO INFELIZ
Logo vi que aqueles idiotas de Minas haviam de hostilizar a minha candidatura... Carneiros de Panúrgio!

O DEPUTADO H.
Você não falou ao Pinheiro?

MME. WALENSKA
Eu disse a Almada que devia ela fala Pinheiro, mas ela não quis fala Pinheiro e foi isso.

O CANDIDATO INFELIZ
Você, Sofia, não entende de política. O Pinheiro não podia me favorecer para hostilizar o Costa... Ambos nós somos seus amigos.

O DEPUTADO H.
Lá isso é verdade.

MME. WALENSKA
Mas que diaba de amiga é essa Pinheira... Não entenda isso.

O CANDIDATO INFELIZ
É assim, minha filha; é assim a política... Precisava bem ser reconhecido... Ando atrapalhado... Queria ir à Europa... Não queres mais vinho, H.?

O DEPUTADO H.
Aceito.

(H. bebe um pouco e continua):

O DEPUTADO H.
Acho que não deves desanimar... O Pinheiro faz-te governador do estado.

MME. WALENSKA
Oh! Não! Eu não quera que Almada sai daqui...

CANDIDATO INFELIZ
Não quero também... Lá não posso viver com ela... Lugar pequeno!...

(A ceia acaba e H. sai com a sua companheira de momento, Mme. Wronsky, que até ali estivera muda. Ao sair, ela observa):

MME. WALENSKA
Popre homem, aquela tua amiga. Não fizeram ela deputada... Tão pom!... Coitada!

(A legislatura continua mais ou menos assim até o dia de são Silvestre).

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