
("Diário" de uma senhora recentemente chegada da Europa)
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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"Domingo, 6. Regresso,
enfim, à pátria querida, e aos braços do meu marido. Após dois anos de
ausência, embarquei, ontem, às 5 horas da tarde, em Lisboa, aonde cheguei
anteontem, de Paris. O navio vai repleto de passageiros, principalmente de
emigrantes, embarcados em Vigo e no Porto. O mar apresenta-se bem, e a viagem
está sendo feita sem novidade.
Segunda-feira, 7. — Tudo continua
bem a bordo. Os passageiros de 1ª classe, na sua maior parte argentinos, bebem
e jogam, no "bar". No tombadilho, alguns ingleses, que se dirigem ao
Rio e a Buenos— Aires, fumando displicentemente. Algumas francesas que conduzem
vestidos feitos para a sociedade carioca; e três ou quatro famílias
brasileiras, que se conservam nos seus camarotes.
Terça-feira, 8. — A viagem
continua excelente. Em palestra com o imediato, este me informou que vão a
bordo, para o Rio, Santos, Montevidéu e Buenos-Aires, 1.275 passageiros. Uma verdadeira
cidade flutuante, em que não há cinco pessoas que reciprocamente se conheçam!
Quarta-feira, 9. — O mar
permanece calmo, e o céu prenuncia bom tempo. À mesa do almoço, notei que o
comandante olhava insistentemente para mim, distinguindo-me entre as outras
senhoras. Achei esquisita a insistência, e fiz-me de desentendida. À noite, não
desci para o jantar.
Quinta-feira, 10. — O comandante
continuou, hoje, à mesa, a olhar-me com desusado atrevimento, a ponto de
esquecer-se do talher e do whisky. É um inglesão alto, robusto, de quarenta e
poucos anos presumíveis, bigode louro, tez corada e fina, olhos azuis como o
oceano. Um verdadeiro tipo de marujo britânico. Entretanto, a sua insistência
irrita-me. Por quem me tomará ele?
Sexta-feira, 11. — Após o jantar,
o comandante Wiliam desceu da casa de comando ao tombadilho, procurando
conversar comigo, em inglês. Fiz todo o possível para impedir uma declaração
indelicada, não o conseguindo. Não é que o homem está mesmo apaixonado?
Sábado, 12. — Esta situação
começa a incomodar-me. O comandante passou o dia quase todo a perseguir-me,
insistindo em declarar-me a sua paixão desordenada. Tenho a impressão de que o
homem enlouqueceu. E eu, sozinha, sem um amigo, sem um conhecido que me
defenda! Como é perigoso para uma senhora viajar só!...
Domingo, 13. — O comandante
enlouqueceu, positivamente. Hoje, à tarde, aproveitando um momento em que
ficamos sós no salão de música, apertou-me os pulsos com violência, dizendo-me
que não lhe é possível resistir mais. Diz ele que, se eu me não entregar à sua
paixão louca, ele meterá o navio a pique em pleno oceano, fazendo perecer todos
que nele viajam. Dai-me forças, meu Deus! Dai-me coragem!
Segunda-feira, 14. — Que dia
horrível, este! Como um louco, o cabelo e o bigode revoltos, os olhos inchados
pela insônia e pelo desejo, o comandante declarou-me, trêmulo sob palavra de
honra, que, se eu não for à meia-noite de hoje, ao seu camarote, meia hora
depois ele fará explodir o navio, em uma catástrofe de que se não salvará
ninguém. Que situação a minha! Tende piedade de mim, minha Nossa Senhora da
Penha! Iluminai-me, minha Virgem Maria!
Terça-feira, 15. — Salvei da
morte 1.275 passageiros! Não haverá outros navios correndo perigo no mar?"
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