11/03/2017

Ano-Bom (Conto), de Virgílio Várzea


Ano-Bom
 

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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O rude coração do amargo Oceano
Tem virtudes enérgicas, austeras:
Dá um heroico lampejo ao corpo humano,
Um sadio florir de primaveras.
Essas almas dolentes, fatigadas,
Tristes como o cantar de um rouxinol,
Fá-las fortes, viris, iluminadas
Brilhantes como o sol,
E rijas como espadas.
Depois..................
A borrascosa voz dos marinheiros
E a vastidão da esplêndida paisagem,
Tudo faz rebentar em nossos peitos
O bronze inabalável da coragem.

Guerra Junqueiro

Deliciosas, estas primeiras horas de janeiro. Esperanças e sonhos fulgem e cantam em todos os corações. Promissor de felicidades e graças, surge este ano risonho. Para trás, para o olvido e para o nada o seu terrível antecessor, que nos fartou de amarguras, decepções, desenganos

Hoje, não há quase mágoas em ninguém, a não ser nos que a Fatalidade haja ferido com o seu gládio impiedoso e estejam, porventura, a lamentar perdas irreparáveis — Pai, Mãe, Filho, Irmão...

A manhã rompeu alegre e radiante. O sol galga altivo os ares, envolvendo o Azul e a Terra no esplendor da sua luz ardente e de ouro. Em frente à minha casa, a baía de Guanabara fulgura, dormente e azul, nas suas águas majestosas, talhada em imenso anfiteatro, entre floridas serras e montes.

O verde outeiro em cujo cimo artisticamente se ergue a igrejinha da Glória, coberto de casaria branca, parece um presepe festivo.

A fortaleza de Villegagnon, com as suas possantes baterias voltadas para leste e para a barra, a silhueta artística da sua ponte de embarque, os rendilhados das suas canhoneiras e redutos, as suas praiazinhas areentas ou penhascosas, o seu mastro esguio e alto embandeirado em gala, parece uma ilha ideal, de barcarola ou de lenda...

Navios entram e saem, em busca dos ninhos dos portos ou da amplidão do Mar livre. E a marinhagem cosmopolita e boêmia, sempre apaixonada e nostálgica das Mulheres e dos Lares no seu isolamento contínuo, saúda, em cânticos de júbilo, o Ano Novo bem-vindo.

Pequeninas velas brancas correm e vogam, alvoroçadas, sobre o espelho da baía. Gaivotas felizes voam e revoam em torno aos mastros, ou pousam na vaga serena, bicando as migalhas de bordo que flutuam junto aos barcos, ou apanhando, aqui e além, destramente, peixinhos que nadam em cardumes, faiscando à tona d'água pelas escamas de prata...

E eu ouço, como sempre, enlevado, o meu grande amigo, o Oceano, a chamar-me para o largo, para o Imprevisto e o Inédito, para a Aventura e as Viagens, sobre o seu vasto seio embalador, onde as ondas cantam hinos de alegria ou de mágoa às Bonanças ou às Borrascas...

Vamos, minha nevrose marítima, de celta, de brasileiro do sul ou de lusitano bravo! O meu belo cutter veleiro, chamado o Encanto do Mar, palpita já inquieto na linha rasa do cais, latino branco aberto ao vento, como a asa curva e ligeira de um gaivotão de altas vagas.

E embarco então a minha Amada e os meus seis filhos queridos — e largo afoita e alacremente, como outrora os velhos nautas de Sagres, não para devassar os mistérios do antigo Mar Tenebroso, que é hoje o Atlântico claro, mas para satisfazer e quietar, por instantes, ao menos, ao sol vivo e esplendoroso deste bendito Ano — Bom que só nos promete alegrias, venturas, amor e paz, o meu sangue e os meus nervos de descendente direto de açoriano e minhoto que nasce, vive e expira, embevecido e feliz, na eterna paixão do Mar...

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