11/05/2017

As camisas (Conto), de Humberto de Campos


As camisas

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Há muitos dias que o Dr. Abelardo insistia com a mulher, a encantadora D. Sílvia, para que usasse umas camisas de seda cor de rosa, que, na sua opinião, lhe deviam assentar admiravelmente sobre a pele clara, macia, cetinosa. Apaixonada pelo marido, que sabia disputado pela mais íntima das suas amigas, a loura Luizita Corrêa, D. Sílvia escancarou, nesse dia, o grande móvel do quarto de vestir, em que guardava as suas roupas de interior, e, tirando as dezenas de camisas que ali estavam arrumadas com ordem, ia mostrando-as, uma a uma, ao esposo:

— É assim?

— Não.

— É dessas, de seda, enfiadas de fita?

— Não.

— É assim, apenas com uma fita sobre o ombro?

— Também não!

E como a esposa lhe não mostrasse nenhuma camisa como a que ele desejava acariciar sobre o seu corpo soberbo, convidou-a ele próprio, beijando-a nos olhos.

— Amanhã, na cidade, veremos onde tem. Quero comprar-te uma dúzia. Ouviste, meu amor?

D. Sílvia agradeceu, com um sorriso e um beijo, a gentileza amorosa do esposo e, no dia seguinte, à tarde, entravam, os dois, contentes, em uma casa de modas da rua do Ouvidor, onde, tomando a dianteira, o marido pediu:

— Camisas de dia, de seda, para senhora; nº 3.

— Que cor? — indagou, solicita, a moça que o atendeu.

— Cor de rosa.

A empregada subiu ao primeiro andar, trouxe algumas caixas de camisas de seda, mas nenhuma correspondia ao desejo elegante do freguês, que era, de fato, exigente.

— Não são destas? — consultou.

— Não, senhora. São mais finas, mais transparentes, com uma renda de seda até quase à cintura.

— Ah! Já sei! — exclamou a mocinha, sorrindo.

E, levantando os olhos para o andar superior chamou por uma companheira.

— Julieta!

Apareceu, em cima, no balaustre, a cabeça oxigenada de outra caixeira da casa.

— Manda-me dali, por favor — pediu — a caixa de camisas nº 8.645.

E, particularizando, alto:

— Olha! daquelas que D. Luizita Corrêa comprou aqui... Sabes?

Quando as camisas desceram das nuvens, D. Sílvia tinha subido.

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