Os gêmeos
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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O piloto Alfredo Fagundes de
Moura estava casado há pouco mais de seis meses quando, por determinação da
companhia de navegação em que era empregado, teve de embarcar subitamente no
"Capanema", antigo cargueiro alemão, para uma demorada viagem ao
Mediterrâneo. A travessia, com os submarinos teutônicos a costurarem, como
agulhas monstruosas e invisíveis, o manto verde do oceano, era, naquele tempo,
arriscadíssima: o que, porém, mais afligia o jovem marujo, não eram os perigos,
os riscos, a visão sinistra da morte nas águas, mas a saudade da sua
encantadora Palmirinha, tão simples, tão doce, tão amada, e, o que era pior,
tão sozinha no mundo, onde não tinha como amparo senão a coluna de ouro do seu
amor.
A ordem de partida fora, porém,
terminante: e, uma tarde, lá se foi o "Capanema", barra a fora,
apartando, como um pastor de ovelhas irrequietas, o infinito rebanho das ondas.
Dias depois estavam na Madeira. E os portos foram-se sucedendo: Lisboa,
Gibraltar, Cadix, Marselha, Gênova... além de outros, pequenos, monótonos,
secundários, a que eram forçados a arribar por imposição arbitrária das
flotilhas inglesas de vigilância. E nisso gastou ele dezoito meses de trabalho
e de saudade, ao fim dos quais ancorou, de novo, com a alma nos olhos, nas
proximidades da ilha fiscal.
A alegria do casal não podia ser
maior. Beijos, abraços, lágrimas de contentamento, foram os confeitos de
coração na doce festa daquele encontro.
— Estás linda, meu amor!
— E tu, forte, corado, bonito!
E novos beijos estalaram.
Um mês depois, porém, começou a
entrar na cabeça do Fagundes, batido pelo martelo de um pensamento mau, o prego
de uma dúvida horrível: é que a sua Palmirinha havia dado ao mundo, oito dias
depois da sua chegada, dois pequenitos miudinhos, mas perfeitíssimos, que a
ciência conseguira salvar.
Aos olhos do piloto, habituado a
ver longe, aquilo parecia incompreensível. Se ele estivera em viagem ano e meio
e chegara apenas há quinze dias, como admitir o nascimento daqueles
pirralhitos, tão bem conformados, e que tinham vindo de tempo? O melhor, em tal
emergência, era consultar um médico, um entendido, e foi o que ele fez, indo
bater à porta do Dr. Abelardo Meira, que morava no mesmo quarteirão.
— O meu caso senhor doutor, é
este.
E contou o fato, palavra por
palavra, sem omitir a menor particularidade. Ao fim de tudo, o médico fitou-o,
indagando:
— Quantos meses o senhor passou
fora?
— Dezoito, senhor doutor.
— E quantos filhos sua senhora
teve, agora?
— Dois, gêmeos.
O especialista endireitou o
"pincenez", pigarreou, tossiu, remexeu-se na cadeira, e inquiriu,
sentindo-se vitorioso:
— Diga-me cá: com quantos meses
nasce uma criança?
— Nove.
— Então, está aí! — exclamou o
médico.
E batendo-lhe na perna:
— Está claro, homem de Deus! Duas
crianças, dezoito meses, isto é, nove para cada uma. De que é que se admira?
O Fagundes sorriu, desafogado. E levando
a mão à cabeça, arrancou, satisfeito, num gesto brusco, o doloroso prego
daquela dúvida...
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