As cruzes
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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As senhores grazinavam, como
periquitos em roçado, em torno da mesa do chá, quando Madame Gama Simpson se
curvou, rindo com alarido, sobre a toalha de linho bordada de cegonhas
vermelhas, numa escandalosa explosão de alegria. Segurando em uma das mãos a taça
de porcelana e na outra, fechadinha como um botão de rosa, uma torradinha cor
de ouro, a linda criatura ria despreocupadamente, agitando-se na cadeira,
quando, com o movimento do corpo, lhe saltou do colo de neve e rosa, pela
janela de seda do decote, a sua custosa cruz de brilhante, fugindo-lhe para o
ombro, com o risco de perder-se.
— Cuidado com a cruz, madame! —
avisou, atencioso, do outro lado da mesa, o conselheiro Atanásio, que
observava, sem perder um movimento do solo, as ondulações do Calvário e os
arredores da Jerusalém.
D. Lisete olhou o decote, apanhou
a cruz fugitiva, e, aconchegando-a à carne rosada, queixou-se, risonha:
— Também, que ideia esta, de
inventar cruzes para o colo da gente!
— Vossa excelência não sabe,
então, o que elas significam, na opinião de Tabarin?
As senhoras mostraram-se curiosas
de conhecer a origem daquele costume, e o antigo palaciano começou, medindo as
palavras:
— Na Idade Média, quando eram
deficientes os meios de comunicação de cidade para cidade, de aldeia para
aldeia, de um castelo para outro castelo, os monges, que dominavam nos países
barbarizados da Europa tomaram a si a incumbência de marcar os caminhos, cujas
direções eram assinaladas por meio de cruzes. Ao deparar, na mata ou na
montanha, um destes símbolos da cristandade, o viajante já sabia que não errara
o seu roteiro, e que a estrada era, mesmo, por ali...
— Mas... — interrompeu,
impaciente, Madame Souza Batista.
— Espere... — implorou o
conselheiro.
E continuou:
— Mais tarde, com o advento das
modas femininas, e com o aproveitamento, por parte das mulheres, de todas as
conquistas do homem, entenderam elas de utilizar o mesmo símbolo, com a mesma
significação.
— A cruz no colo das mulheres
quer dizer, então, alguma coisa? — interrompeu, franzindo a testa, Madame
Werther.
— Evidentemente, minha senhora! —
tornou o conselheiro.
E explicou:
— Elas estão dizendo, como nas
montanhas antigas, que... o caminho é por ali!
Quando o conselheiro terminou a
sua narrativa, Madame Simpson procurou a sua cruz de brilhantes, e tomou um
susto. Com os seus modos estabanados, a cruz havia, de novo, abandonado o
decote, e fugido para trás...
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