11/21/2017

História da Carochinha (Conto), de Adolfo Coelho


História da Carochinha
 
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Era uma vez uma carochinha que andava a varrer a casa e achou cinco réis e foi logo ter com uma vizinha e perguntou-lhe: “Ó vizinha, que hei de eu fazer a estes cinco réis?” Respondeu-lhe a vizinha: “Compra doces.” “Nada, nada, que é lambarice.” Foi ter com outra vizinha e ela disse-lhe o mesmo; depois foi ainda ter com outra que lhe disse: “Compra fitas, flores, braceletes e brincos e vai-te pôr à janela e diz:

Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e perfeitinha?

Foi a carochinha comprar muitas fitas, rendas, flores, braceletes de ouro e brincos; enfeitou-se muito enfeitada e foi-se pôr à janela, dizendo:

Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e perfeitinha?

Passou um boi e disse:

“Quero eu.” “Como é a tua fala?” “U, u…” “Nada, nada, não me serves que me acordas os meninos de noite.” Depois tomou outra vez a dizer:

Quem quer casar com a carochinha
Que é bonita e perfeitinha?

Passou um burro e disse: “Quero eu.” “Como é a tua fala?” “Em ó… em ó…” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.” Depois passou um porco e a carochinha disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala.” “On, on, on.” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.” Passou um cão e a carochinha disse-lhe: “Deixa-me ouvir a tua fala.” “Béu, béu.” “Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.” Passou um gato. “Como é a tua fala?” “Miau, miau.” Nada, nada, não me serves, que me acordas os meninos de noite.” Passou um ratinho e disse: “Quero eu.” “Como é a tua fala?” “Chi, chi, chi.” “Tu sim, tu sim; quero casar contigo”, disse a carochinha. Então o ratinho casou com a carochinha e ficou-se chamando o João Ratão.

Viveram alguns dias muito felizes, mas tendo chegado o domingo, a carochinha disse ao João Ratão que ficasse ele a tomar conta da panela que estava ao lume a cozer uns feijões para o jantar. O João Ratão foi para junto do lume e para ver se os feijões já estavam cozidos meteu a mão na panela e a mão ficou-lhe lá; meteu a outra; também lá ficou; meteu-lhe um pé; sucedeu-lhe o mesmo, e assim em seguida foi caindo todo na panela e cozeu-se com os feijões. Voltou a carochinha da missa e como não visse o João Ratão, procurou-o por todos os buracos e não o encontrou e disse para consigo: “Ele virá quando quiser e deixa-me ir comer os meus feijões.” Mas ao deitar os feijões no prato encontrou o João Ratão morto e cozido com eles. Então a carochinha começou a chorar em altos gritos e uma tripeça que ela tinha em casa perguntou-lhe:

Que tens, carochinha,
Que estás aí a chorar?

Morreu o João Ratão
E por isso estou a chorar.

E eu que sou tripeça
Ponho-me a dançar.

Diz dali uma porta:

Que tens tu, tripeça,
Que estás a dançar?
Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
E eu que sou tripeça
Pus-me a dançar.

E eu que sou porta
Ponho-me a abrir e a fechar.

Diz dali uma trave:

Que tens tu, porta,
Que estás a abrir e a fechar?

Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
E eu que sou porta
Pus-me a abrir e a fechar.

E eu que sou trave
Quebro-me.

Diz dali um pinheiro:

Que tens, trave,
Que te quebraste?

Morreu o João Ratão,
Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
E eu quebrei-me.

E eu que sou pinheiro
Arranco-me.

Vieram os passarinhos para descansar no pinheiro e viram-no arrancado e disseram:

Que tens, pinheiro,
Que estás no chão?

Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça está a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
E eu arranquei-me.

E nós que somos passarinhos
Vamos tirar os nossos olhinhos.

Os passarinhos tiraram os olhinhos, e depois foram à fonte beber água. E diz-lhe a fonte:

Porque foi passarinhos,
Que tirastes os olhinhos?

Morreu o João Ratão,
A Carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
E nós, passarinhos,
Tiramos os olhinhos.

E eu que sou fonte
Seco-me. 

Vieram os meninos do rei com os seus cantarinhos para levarem água da fonte e acharam-na seca e disseram:

Que tens, fonte,
Que secaste?

Morreu o João Ratão,
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
E eu sequei-me.
E nós quebramos os cantarinhos.

E foram os meninos para o palácio e a rainha perguntou-lhes:

Que tendes, meninos,
Que quebrastes os cantarinhos?

Morreu o João Ratão,
A carochinha está a chorar,
A tripeça a dançar,
A porta a abrir e a fechar,
A trave quebrou-se,
O pinheiro arrancou-se,
Os passarinhos tiraram os olhinhos,
A fonte secou-se,
E nós quebramos os cantarinhos.

Pois eu que sou rainha
Andarei em fralda pela cozinha.

E eu que sou o rei
Pelas brasas me arrastarei.

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