11/05/2017

Indefesa (Conto), de Humberto de Campos


Indefesa

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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O Dr. Edgard esperava há meia hora na sala de visita a formosa dona daquela casa, e evocava, saudoso, o tempo em que a conhecera.

Fora há seis anos, em uma festa náutica, em Botafogo. Passageiros da mesma lancha, ele acompanhava um páreo, detidamente, com o seu binóculo de marfim, quando alguém lho arrancou violentamente dos olhos, gritando-lhe com alvoroço:

— Ora, empreste-me! sim?

Ele voltou-se, e viu que o seu binóculo estava ao serviço de dois olhos tão verdes como as águas, e, preso deles, não conseguiu mais, nesse dia, acompanhar um número sequer daquela campanha esportiva, travada nas ondas.

Dentro de seis meses estavam noivos. E um dia, por um arrufo, por um breve ciúme sem causa, acabou-se o noivado, partindo ele para a Alemanha, a aperfeiçoar os estudos, ficando ela, jovem e linda, no Rio, onde se casara, afinal, com um advogado, quatro meses antes do seu regresso.

Ele sabia do casamento quando a encontrou, uma tarde, na Avenida:

— Então, de volta, doutor? — exclamou a maravilhosa criatura, estendendo-lhe a mão pequenina, numa grande alegria.

— É verdade. E venho encontrá-la mais formosa, mais risonha, e, com certeza, mais feliz!

— Sabe que me casei? — tornou a moça, despedindo-se — Apareça em nossa casa. Teremos imenso prazer em recebê-lo.

E apertando-lhe a mão, com um olhar, que era um relâmpago:

— Vá! Sim?

Recapitulava o jovem médico esses episódios, origens daquela visita, quando ressoaram passos na escada, e surgiu à porta da sala, deslumbrante de graça e de mocidade, a figura que mais o encantara na vida.

— Oh!... — exclamou, deslumbrado, pondo-se de pé.

Sentaram-se os dois, pálidos, entreolhando-se em silêncio. De repente, com uma audácia imprevista, ele aventurou, incontido.

— Estás deslumbrante, Ecilda! Estás tentadora... maravilhosa... irresistível!

E, de súbito, cerrando os dentes:

— Se tu não gritasses... eu me precipitaria sobre ti, cobrindo-te de beijos!

A moça, trêmula, os lábios entreabertos, olhou-o nos olhos, e, levando à garganta a mãozinha branca, sussurrou, apenas, a meia-voz, tranquilizando-o:

— Estou... rouca!

E fechou os olhos...

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