11/05/2017

Ferrabrás (Conto), de Humberto de Campos


Ferrabrás

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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O coronel Otaviano de Meireles, comandante de um batalhão da Guarda Nacional aquartelado em Niterói, era conhecido em toda a cidade pela sua valentia, e, em especial, pela sua intransigência em questões de honra. Casado com uma das senhoras mais formosas do bairro, era tal o pavor infundido pelo seu nome, que ninguém se atrevia, sequer, a levantar os olhos para a sua cara metade. Aquele que tal fizesse, era, na opinião de toda a gente, um homem liquidado.

Foi por esse tempo, e quando mais se acentuava, em toda a praia de Icaraí, a fama da coragem do coronel, que passou a residir na vizinha capital o jovem advogado Dr. Otacílio Fernandes, que não era coronel, nem major, nem capitão, nem tenente, mas fora, sempre, um dos mais famosos namoradores de Niterói. Proprietário do prédio em que o coronel residia, não foi necessário grande esforço da parte do moço para travar amizade com o inquilino; e esta foi tão rápida, e tão sincera, que, uma semana depois, era o Dr. Otacílio convidado para um almoço, no primeiro domingo, na residência do brioso militar.

Chegado o dia, lá estava, na praia de Icaraí, o jovem capitalista. Risonho, amável, dissimulando com um sorriso gentil a austeridade da sua fisionomia marcial, correu o dono da casa ao portão, para receber o convidado e fazê-lo subir até à sala, onde madame já o esperava, obsequiosa e linda, com o rosto a emergir, como uma grande rosa, das espumas de neve do seu elegantíssimo "peignoir" de linho e renda.

— O Dr. Otacílio Fernandes — apresentou o coronel.

E ao recém-chegado:

— Minha esposa...

Minutos depois, sentados à mesa redonda, em que havia apenas três talheres, a palestra corria jovial, feliz, entre petiscos saborosos e sorrisos significativos, quando o telefone tilintou. Era o procurador do coronel que reclamava a sua presença, urgente, na estação das barcas, para ultimação de um negócio inadiável.

— Diabo! — exclamou o bravo militar. Tenho de ir, não há remédio!

E virando-se para o capitalista, enquanto desamarrava o guardanapo:

— Esteja à vontade, doutor. É questão de meia hora. Fique por aí; eu não demoro!

E para a esposa:

— Orminda, faze as honras da casa; eu venho já!

Mal o coronel tomou o bonde, duas taças se chocavam no ar, por cima da mesa, festejando ruidosamente aquele encontro, há tanto desejado. E de tal forma foi a saudação, que, ao reentrar em casa, o coronel foi encontrar os dois no seu gabinete, num colóquio de excessiva intimidade. Apanhado em flagrante, o advogado pôs-se de pé, lívido. Apoiado na porta, que empurrara, o coronel encarou-o trovejando:

— Sim, senhor, Sr. Dr. Fernandes!

Pálido, trêmulo, o advogado lembrou-se da fama do coronel, e sentiu que chegara a última hora da sua vida.

— Sim, senhor! — tornou o militar.

E abrandando a voz:

— Você não tem medo de uma congestão?

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