11/11/2017

O bravo (Conto), de Humberto de Campos


O bravo

Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)

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Pai de uma menina que era um encanto, o coronel Peregrino encontrara na vida, pela primeira vez, uma dificuldade que lhe detivera o passo: o casamento da filha, a escolha de um noivo digno, bravo, correto, entre os jovens oficiais da guarnição. Três tenentes, nada menos, disputavam-lhe a mão, e era essa rivalidade, exatamente, que dificultava a solução do problema. Todos eram galantes rapazes e elegantíssimos oficiais, e, como a pequena se não decidisse por si mesma, o caso era atirado, inteiro, à delicada responsabilidade do pai.

Certo dia, reunida no quartel a oficialidade da guarnição, chamou o coronel à parte os três jovens tenentes, e, torcendo marcialmente, com as duas mãos, as fortes guias do bigode grisalho, propôs, severo:

— Eu sei que os senhores, os três, têm paixão pela minha filha, cuja mão já me pediram em casamento... A escolha, entre os senhores, é dificílima. Se eu fosse comerciante, preferiria o mais rico. Se fosse fidalgo, o mais nobre. Se me preocupasse com as aparências, o mais elegantemente vestido. Sou, porém, um soldado, e, como, tal, faço questão de escolher para genro o mais valente, o mais bravo, o mais corajoso. Não acham justo?

— Perfeitamente! — exclamou o tenente Coimbra.

— Perfeitamente! — confirmou o tenente Torres.

— Perfeitamente! — concordou o tenente Samuel.

— Nesse caso — tornou o coronel — vou submetê-los a uma prova.

E ordenou; para dentro:

— Cabo Matias, prepare a metralhadora.

O inferior puxou a máquina para o pátio, mexeu nas munições, remexeu nas ferragens, e avisou:

— Pronto, Sr. coronel.

O velho militar examinou a arma e, vendo que tudo ia bem, tomou os rapazes pelo braço, colocou-os a seis metros do aparelho mortífero, e ordenou, com voz de comando:

— Um!... Dois!...

E ia dar o último sinal para descarga da metralha, quando dois vultos pularam, rápidos, num movimento de terror, colocando-se fora do alvo.

— Covardes! — trovejou o coronel. E eram estes pusilânimes que pretendiam a mão da minha filha!...

E dirigindo-se ao terceiro, que se não afastara do lugar:

— O senhor, sim, é um bravo! A menina é sua!

E, estendendo-lhe a mão:

— Venha daí; vamos ver a sua noiva.

O oficial detinha-se, porém, imóvel.

— Vamos, homem! — insistiu.

O tenente olhou para um lado, olhou para outro, e, afinal, confessou:

— Posso lá o que! Se eu pudesse sair daqui, eu tinha corrido!

E para o soldado:

— Matias, empresta-me a tua calça?

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