O sovina
Pesquisa e atualização ortográfica: Iba Mendes (2017)
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Funcionário modesto, ganhando
apenas setecentos mil réis por mês, o operoso oficial de Fazenda Emiliano
Praxedes não podia, ou não queria, dar à mulher, jamais, um vestido de passeio,
mesmo de baixo preço. Casado há um ano, a esposa ignorava em absoluto as suas
despesas, a cifra dos seus orçamentos, sabendo, entretanto, que os dispêndios
eram grandes, fortes, elevados, porque ele nunca entrava em casa com dinheiro.
Cansada de esperar pela
generosidade espontânea do esposo, D. Lídia chegou-se, um dia, para ele, e,
agradando-o, amimando-o, acariciando-o, pediu, passando-lhe a mão pelos
cabelos:
— Praxedes, quando é que tu me
dás um vestido novo? Tu nunca me deste nada...
Apanhado de surpresa, o
funcionário prometeu:
— Breve. Isso depende apenas de
ti. Dá-me um filhinho, um anjo para o nosso lar, que eu te darei um vestido!
Está combinado?
— Está combinado! — concordou a
moça, batendo palmas de contente.
No fim de nove meses, dado o
beijo no seu primeiro pimpolho, que piscava no leito os olhinhos desconfiados,
partia Emiliano Praxedes para a rua, de onde voltava horas depois com um
embrulho, que entregou à esposa.
— Pronto! exclamou. — O prometido
é devido!
D. Lídia abriu, risonha, o
pacote, e empalideceu, mais do que estava: era um vestido de chita azul,
grosseira, ordinaríssima, que não havia custado, talvez, mais de seiscentos
réis o metro!
Desapontada embora com a sovinice
do marido, a pobre senhora não se revoltou, não protestou, não disse nada.
Calcou o seu ressentimento no fundo da alma, escondeu a sua mágoa no coração,
e, sem que o esposo lhe tivesse feito outra promessa, deu-lhe, ao fim de mais
um ano, um outro filho. Terminado o período de resguardo, tomou um bonde para a
cidade, e, à tarde, ao entrar em casa, vinha arrebatadora: vestido de seda,
chapéu de plumas, sapato de cetim, pele de raposa, colar de pérolas, enfim, um
deslumbramento!
— Que é isso, Lídia? Que
escândalo é esse? — exclamou, boquiaberto, pondo-se de pé, o Praxedes, que já
se achava em casa, à mesa de jantar.
E madame, desafiadora:
— Você pensa, então, que todos
são miseráveis como você?
E entrou na alcova, tirando as
luvas.
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