3/20/2018

História do Brasil: Insurreição geral contra os intrusos da Holanda (Ensaio), de Rocha Pombo



Insurreição geral contra os intrusos da Holanda

Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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1 - Pelos fins de 1642 começa o príncipe a sentir os sinais da borrasca iminente. Vem notícia de que no Maranhão os colonos se insurgem contra os flamengos. Logo depois, aviso de que no Ceará se levantam os índios e massacram todos os holandeses que lá estavam. E não demorou muito que o anúncio (por meados de 1643) da expulsão dos intrusos de São Luís viesse produzir verdadeiro pânico no Recife.

Parece que Nassau, depois que fundara a sua cidade monumental, estaria disposto a permanecer no Brasil. Mas havia já ele escrito para Holanda lembrando o termo, que se aproximava, do seu contrato, esperando talvez que os Estados Gerais e a própria Companhia fariam questão de que ficasse mais tempo. Enganou-se; porque, com a pronta sanção dos Estados Gerais, o Conselho dos Dezenove o exonerara.

Estava, pois, inteiramente desiludido. A sua obra fracassara estrondosamente. Desde setembro (1643) cuidou de preparar-se, liquidando os seus negócios particulares, e pondo em ordem as coisas do governo e da administração.

No dia 11 de maio (1644) despediu-se da sua Mauritsstad, e foi por terra à Paraíba, onde embarcou (a 22) para a Europa.

Com a retirada do príncipe, entra em crise o domínio holandês. Como se tem visto, aliás, o protesto dos pernambucanos contra a espoliação nunca cessou, nem um instante, na terra violentada. Desde 1630 que a parte da colônia, em cujo coração se refugiara o sentimento de repulsa contra os intrusos, ficou em atitude hostil e agitação de guerra até a liquidação do litígio.

Mas agora o que se dá é que se generaliza e recrudesce o que andava latente nas almas. E para isso, além da ausência de Nassau, concorreu, primeiro a restauração de Portugal, seguida da política pérfida e capciosa do governo holandês; e depois, a reconquista do Maranhão.

Por meados de 1644 tornam-se alarmantes as notícias que de toda parte chegam ao Recife, dando como preparado um vasto movimento contra os flamengos. Impressionado com semelhantes atoardas, resolveu o Conselho Político enviar uma embaixada à Bahia, no intuito disfarçado de sondar o que ali se passava.

O governador-geral, Antônio Teles da Silva, que viera (1642) muito de propósito (até em companhia de André Vidal de Negreiros) para promover e amparar a insurreição, fingiu satisfazer aqueles verdadeiros espiões quanto a reclamos que lhe apresentaram.

Por mais, no entanto, que tudo com cuidado se procurasse na Bahia dissimular, pode supor-se que os tais emissários voltaram para o Recife muito convencidos de que não tardaria a tormenta.

2 - É o grande herói paraibano que desde 1642, e de concerto com o Governador- Geral, prepara, com muito jeito e cautela, a reação decisiva contra os intrusos. Fez, com esse fim, duas viagens para o Norte, até à Paraíba, em toda parte entendendo-se com os chefes já conjurados, e até premunindo-os de armas e munições para o momento oportuno.

Não tardou muito a chegar esse momento.

Começara João Fernandes Vieira, aclamado general dos restauradores, a reunir gente na Várzea; e, por meados de 1645, estabelecia o seu quartel em Camaragibe; enquanto, no seu engenho Tabatinga, Amador de Araújo, com o destemido mulato Domingos Fagundes, formava também a sua legião.

Assim que teve notícia de tudo, expediu o Conselho Político para a Várzea o coronel Haus, com uns 500 homens, e para Ipojuca o major Blaer.

A gente de Amador de Araújo, em vez de esperar o inimigo, marcha depressa a juntar-se com a de Vieira no engenho das Covas.

Dali, como se fugisse perseguido dos flamengos, move-se Vieira, e vai tomar posição no monte das Tabocas, onde o coronel Haus, à frente já de mais de 1 000 homens, o foi investir, seguro de escarmentá-lo. Começa o ataque pelas duas da tarde de 3 de agosto (1645). Combateu-se até à noite.

No dia seguinte, quando se apercebiam os patriotas para renovar a peleja, viu-se que o inimigo havia fugido durante a noite, e tão às pressas que deixara, com os mortos e feridos, quantidade de armas e munições.

Esta primeira estrondosa vitória do monte das Tabocas teve imenso efeito moral no espírito da colônia.

Dali abala Vieira, rumo de Santo Antônio do Cabo. Em caminho encontra as forças de Camarão e de Henrique Dias; e, logo depois, opera junção com as de André Vidal e Martim Soares Moreno.

No meio das ufanias em que se agitam os independentes, vêm pô-los em grande aflição notícias recebidas da Várzea, dando Haus como um tufão, a devastar aquelas já consternadas paragens. Não só a soldadesca em cólera matava e fazia saque geral, como destruía tudo, demolindo e incendiando casas e igrejas. Havia o Conselho Político decretado que todas as famílias abandonassem "dentro de cinco dias, os lares com seus filhos e filhas, sob pena de morte a sangue e fogo, e perda de seus bens; e que, passando este termo, não se usaria de nenhuma clemência com aquelas que, tendo maridos, irmãos ou filhos ausentes, se achassem em suas casas". Haus cumpria as ordens do seu governo.

Esses sinais diziam bem como ia ser sacrílega aquela guerra!

3 - Põem-se os insurgentes em marcha para os distritos da Várzea; e pela manhã de 17 de agosto vão surpreender os bandos inimigos nas imediações da Casa Forte (engenho de D. Ana Pais) e infligem-lhes nova derrota.

Com estes primeiros sucessos, alastra-se a insurreição. Em todo o Sul sublevam-se em massa as populações. Nazaré, Porto Calvo, o próprio forte Maurício, e outras posições, em setembro, caíam em poder dos pernambucos.

No Norte, com o rompimento da insurreição em Pernambuco, tornou-se horrível a situação para os patriotas. Mesmo que não estivessem de inteligência com os chefes do Sul, bastariam as novas medidas preventivas, tomadas pelo governo do Recife, para levantar toda gente válida da Paraíba e do Rio Grande.

Expede Vieira forças de socorro para ali. Funda-se no interior da Paraíba o Arraial de Santo André, para onde afluem os independentes das duas capitanias. E as lutas se tornam desesperadas e sangrentas.

Enquanto isso, em Pernambuco os libertadores continuam a levar a guerra com sucesso. Apoderaram-se de Olinda, e, logo depois, do forte de Santa Cruz, no caminho do Recife, em cujas cercanias cruzavam as temerosas quadrilhas de assalto que se despediam do Arraial Novo do Bom Jesus, onde se estabelecera o acampamento geral dos insurretos. Os holandeses ficaram logo no Recife como num presídio, não se sentindo ali tranquilos nem pelo lado do mar.

Ansiosos de acender a guerra no Norte, mandaram para lá, os patriotas, o Camarão com a sua gente; e, logo depois, foi o próprio mestre de campo André Vidal, e em pouco tempo deixou tudo em boas condições.

O que está criando agora uns tantos embaraços para os independentes é a atitude que a corte de Lisboa tem de simular em relação ao governo de Holanda, com quem se acha comprometida pelo tratado de paz, e de cuja amizade, e até de cujo concurso nem pode abrir mão na conjuntura excepcional em que se encontra. Enquanto fomenta às ocultas a guerra no Brasil, dá D. João IV na Europa todas as seguranças de perfeita lealdade às Províncias Unidas dos Países-Baixos e condena "oficialmente" a audácia dos que se insurgem contra o governo holandês, chegando a expedir ordens formais ao Governador-Geral para que reprimisse a insurreição, fazendo recolher os mestres de campo e demais capitães e soldados que andassem na guerra.

Por mais que se estivesse de conluio com a corte, esta política insidiosa, que as circunstâncias impunham (e que os exemplos da Holanda autorizavam), produzia má impressão, e até defecções nas fileiras dos insurgentes.

Valiam-se disso os holandeses para mostrar como tinham por si a autoridade e justiça do próprio soberano, apresentando os pernambucanos como criminosos de lesa-majestade.

Nem por isso esmoreciam os filhos da terra. Henrique Dias, mesmo sem ciência dos mestres de campo, rebateu uma vez, à manobra dos intrusos (que mandaram espalhar no acampamento a carta do rei condenando a insurreição), dizendo altivamente aos do Conselho Político: "Meus senhores holandeses. Meu camarada, o Camarão, não está aqui; mas eu respondo por ambos. Saibam vossas mercês que Pernambuco é pátria dele e minha pátria, e que já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui, haveremos de perder as vidas, ou havemos de deitar a vossas mercês fora dela. E ainda que o Governador e Sua Majestade nos mandem retirar para a Bahia, primeiro que o façamos havemos de responder-lhes, e dar-lhes as razões que temos para não desistir desta guerra"...

Essas grandes palavras do glorioso caudilho negro dão bem eloquentemente a medida daquele heroísmo com que se encontra a cobiça flamenga.

4 - Começava a reinar a fome no Recife, principalmente depois que os insurretos foram apertando-lhe o sítio. E, sem um grande socorro que lhes chega de Holanda, não se sabe qual teria sido, já por meados de 1646, a sorte dos usurpadores.

Veio esse socorro (de 2.000 homens) com o já famoso Sigemundt von Schkoppe, e acompanhando o pessoal que vinha substituir os membros do Conselho Político.

Chegava Schkoppe com grande arrogância e presunção muito certo de que vai de uma vez debelar aqueles grupos de rebeldes indisciplinados e estranhos a coisas de guerra. Parece que trazia ele assentado um grande plano estratégico. Os patriotas, porém, lho burlaram.

Entendeu ele, então, que devia começar pela reconquista de Olinda. Mas volta dali, ao cabo de algumas investidas inúteis, confessando que "'aquela gente combate como se estivesse enfadada de viver"...

Uma semana depois, manda atacar de novo a vila lendária; mas com igual insucesso.

Passados alguns dias, expede cerca de 1.000 homens para a fronteira da Várzea: acodem as companhias de emboscadas e os fazem voltar pelo mesmo caminho. "

Dali a pouco, uma nova tentativa, e agora por ele próprio comandada, tem de fugir como a outra.

Vendo que os pernambucanos estão fortes na campanha, resolvem os holandeses ameaçar-lhes a causa em outros pontos da costa. Vão grandes forças, de mar e de terra, para o Sul, com o intento de retomar o forte e povoação de Penedo. De surpresa, conseguem apoderar-se da posição; mas só para terem logo depois de deixá-la (abril de 1647).

Quase ao mesmo tempo, ia Schkoppe, com 3.000 homens, surpreender a Bahia (fevereiro de 1647). Desembarca durante a noite em Itaparica. Saqueiam toda a ilha, exterminam a população, não poupando nem mulheres e crianças. Ali fica o inimigo perto de um ano, a varejar o Recôncavo e a pilhar toda a costa. E só a vinda de reforços aos luso-brasileiros, bem como a situação do Recife, que se torna angustiosa, é que obrigam Schkoppe a evacuar a mísera Itaparica.

Tinha, portanto, Sigemundt perdido o seu prestigio miraculoso; e ele próprio parece meio fatigado, e sem esperança de reabilitar-se.

5 - Enquanto D. João IV, com a sua astuciosa diplomacia, procura conter os holandeses na Europa, fingindo-se empenhado pela paz nas condições que eles queriam, vai no Brasil a guerra cada vez mais acesa.

Os patriotas apertam o cerco do Recife, e parecem de dia para dia mais confiantes na vitória.

Tanto impressionou afinal a situação da praça aos sitiados que eles deliberaram sair da conjuntura por um ímpeto de temeridade.

À frente de uns 5.000 homens marchou von Schkoppe para a Várzea, no intento de abrir passagem para o sul, e isolar dos distritos do Cabo a gente do Arraial Novo. Iam estas forças com grande pompa, e muito estrondo de caixas, clarins e trombetas, ostentando vivo luzimento de armas, e numerosas bandeiras, entre as quais se destacava um grande e radiante estandarte com as armas das Províncias Unidas e as insígnias do príncipe de Orange.

Teve-se logo no Arraial notícia do movimento; e reuniram os chefes todas as forças disponíveis, pondo-se imediatamente em marcha, e indo tomar posição, no caminho do Sul, entre os montes Guararapes e um vasto pantanal que se estende até à costa marítima vizinha.

Pela manhã de 19 de abril (1648) avista-se a vanguarda do inimigo; e entre as 9 e 10 horas trava-se a batalha. Rompera André Vidal "como tormenta", investindo logo a espada, sem dar ouvidos aos canhões inimigos, e tomando-lhes a artilharia. Recua num dos flancos Henrique Dias, atacado pela reserva de Haus. Com isto entusiasmam-se os flamengos, e avançam incendidos, metendo-se pelo tremedal ao lado, enquanto André Vidal prepara uma nova carga, e desanda outra vez contra eles como avalanche que se desprende. Obra então, prodígios de valor o grande herói paraibano. Acomete intrépido ao inimigo; rompe-lhe de novo os batalhões; e refeitas as hostes, reacende-se o combate com redobrado furor.

Ao cabo de umas cinco horas de peleja, foi o inimigo abrindo-se do campo, e ocupando umas colinas à vista dos insurgentes.

No dia seguinte (20 de abril), uma segunda-feira, quando pensavam renovar a luta, não viram os nossos mais ninguém naquelas alturas: os holandeses, durante a noite, haviam corrido para os muros.


6 - A confiança dos sitiados, naqueles dias de escarmento, estava nas forças navais. O corso nas costas tornou-se horrível. Senhores exclusivos do mar, cuidam, pela pirataria, de ressarcir-se das perdas que experimentam em terra. E só graças a isso é que se vão manter ali por alguns anos.

As condições da guerra, no entanto, mudavam agora, principalmente para os restauradores. Definia-se a atitude da corte portuguesa, que passara a proteger sem mais disfarce a insurreição dos colonos.

Viera muito a tempo tal mudança; pois os patriotas já refletiam naquela contingência, em que andavam, de só fazer a guerra por sua conta, e até de, era última extremidade, sacrificar a sua tradicional fidelidade à monarquia.

Soube-se logo que na Europa se aparelham grandes forças navais para auxiliar os insurgentes. Eram os únicos elementos, de ação que lhes faltavam; e com esse aviso cresce a confiança dos pernambucanos no sucesso final.

Deixam eles agora que a própria situação dos intrusos vá produzindo os seus efeitos no Recife.

Ali fechados, mantendo-se à custa da pilhagem, e tudo esperando da sua metrópole, procuram os holandeses afetar segurança, e até de quando em quando saindo dos muros, a "espantar" de súbitas refregas os contrários que lhes espreitam os passos.

Ainda cerca de um mês depois do escarmento dos Guararapes, fizeram uma sortida de mais vulto contra a estância de Henrique Dias. Não os esperou o herói negro: saiu-lhes ao encontro, e obrigou-os a "largar o campo sem lhes dar tempo de recolher os mortos" (21 de maio). Persegue-os o batalhão negro até os arrabaldes do Recife, produzindo ali grande alarma.

Passa-se assim, a escaramuçar nas imediações da praça, todo o ano de 1648.

Não era possível, porém, prolongar aquela angústia. Era preciso conjurá-la por algum ato de coragem.

É neste transe que se resolve tomar outra vez ofensiva contra o Arraial, tomando o caminho do Sul, e abrindo entrada para o interior.

No dia 18 de fevereiro ia o coronel Brinck, com 4.000 homens e seis peças de campanha, ocupar a passagem dos Guararapes. Pela tarde desse mesmo dia chegava o exército insurgente à vista do acampamento inimigo. Finge tomar posição ali diante dele: mas durante a noite, sem ser sentido, contorna Francisco Barreto a colina, e acampa ao sul da posição dos flamengos.

Ao amanhecer de 19 dão estes pela manobra. Quando os nossos ansiosos, esperavam entrar em fogo, veem, com espanto, o exército holandês em retirada. Não os deixou sair tranquilos o mestre de campo-general: ofereceu-lhes combate. Dizem as crônicas que a vitória dos patriotas foi ainda maior que a do ano antecedente.

7 - Com esta última grande derrota, cai Recife em aflições de hora da morte, e o que mais nos espanta é que aquela gente ali ficasse ainda por mais de quatro anos! Só mesmo a ilusão com que a Holanda lhe nutre a esperança, falando em acordo com o rei português, é que explicaria a tenacidade daquela resistência.

Enquanto os argentários da Haia confiam e tramam, os patriotas vão agindo, e agora com o concurso franco da sua metrópole. Já se organizara lá, a Companhia de Comércio. Em princípios de 1650 chegava ao Brasil a primeira frota, trazendo alguns recursos destinados aos insurgentes.

O grande cuidado destes é concentrar ali, em torno do Recife, todas as suas forças, abandonando quase todos os outros pontos. Disso se aproveitam os sitiados para tentar agressões fora dali, sem deixar, contudo, de repetir sortidas contra os sitiantes, por afetar impavidez e força.

Assim passaram-se ali uns três anos.

Até que se recebem no Arraial notícias de que D. João havia rompido negociações com o governo holandês; e tratam os chefes da reconquista de provocar o desfecho final da guerra.

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