
Extraído do livro "História do Brasil", publicado no início do século XX. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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1 - Pelos fins de 1642 começa
o príncipe a sentir os sinais da borrasca iminente. Vem notícia de que no
Maranhão os colonos se insurgem contra os flamengos. Logo depois, aviso de que
no Ceará se levantam os índios e massacram todos os holandeses que lá estavam.
E não demorou muito que o anúncio (por meados de 1643) da expulsão dos intrusos
de São Luís viesse produzir verdadeiro pânico no Recife.
Parece que Nassau, depois que
fundara a sua cidade monumental, estaria disposto a permanecer no Brasil. Mas
havia já ele escrito para Holanda lembrando o termo, que se aproximava, do seu
contrato, esperando talvez que os Estados Gerais e a própria Companhia fariam
questão de que ficasse mais tempo. Enganou-se; porque, com a pronta sanção dos
Estados Gerais, o Conselho dos Dezenove o exonerara.
Estava, pois, inteiramente
desiludido. A sua obra fracassara estrondosamente. Desde setembro (1643) cuidou
de preparar-se, liquidando os seus negócios particulares, e pondo em ordem as
coisas do governo e da administração.
No dia 11 de maio (1644)
despediu-se da sua Mauritsstad, e foi por terra à Paraíba, onde embarcou (a 22)
para a Europa.
Com a retirada do príncipe,
entra em crise o domínio holandês. Como se tem visto, aliás, o protesto dos
pernambucanos contra a espoliação nunca cessou, nem um instante, na terra
violentada. Desde 1630 que a parte da colônia, em cujo coração se refugiara o
sentimento de repulsa contra os intrusos, ficou em atitude hostil e agitação de
guerra até a liquidação do litígio.
Mas agora o que se dá é que se
generaliza e recrudesce o que andava latente nas almas. E para isso, além da
ausência de Nassau, concorreu, primeiro a restauração de Portugal, seguida da
política pérfida e capciosa do governo holandês; e depois, a reconquista do
Maranhão.
Por meados de 1644 tornam-se
alarmantes as notícias que de toda parte chegam ao Recife, dando como preparado
um vasto movimento contra os flamengos. Impressionado com semelhantes atoardas,
resolveu o Conselho Político enviar uma embaixada à Bahia, no intuito
disfarçado de sondar o que ali se passava.
O governador-geral, Antônio
Teles da Silva, que viera (1642) muito de propósito (até em companhia de André
Vidal de Negreiros) para promover e amparar a insurreição, fingiu satisfazer
aqueles verdadeiros espiões quanto a reclamos que lhe apresentaram.
Por mais, no entanto, que tudo
com cuidado se procurasse na Bahia dissimular, pode supor-se que os tais
emissários voltaram para o Recife muito convencidos de que não tardaria a
tormenta.

Não tardou muito a chegar esse
momento.
Começara João Fernandes
Vieira, aclamado general dos restauradores, a reunir gente na Várzea; e, por meados
de 1645, estabelecia o seu quartel em Camaragibe; enquanto, no seu engenho
Tabatinga, Amador de Araújo, com o destemido mulato Domingos Fagundes, formava
também a sua legião.
Assim que teve notícia de
tudo, expediu o Conselho Político para a Várzea o coronel Haus, com uns 500
homens, e para Ipojuca o major Blaer.
A gente de Amador de Araújo,
em vez de esperar o inimigo, marcha depressa a juntar-se com a de Vieira no
engenho das Covas.
Dali, como se fugisse
perseguido dos flamengos, move-se Vieira, e vai tomar posição no monte das
Tabocas, onde o coronel Haus, à frente já de mais de 1 000 homens, o foi
investir, seguro de escarmentá-lo. Começa o ataque pelas duas da tarde de 3 de
agosto (1645). Combateu-se até à noite.
No dia seguinte, quando se
apercebiam os patriotas para renovar a peleja, viu-se que o inimigo havia
fugido durante a noite, e tão às pressas que deixara, com os mortos e feridos,
quantidade de armas e munições.
Esta primeira estrondosa
vitória do monte das Tabocas teve imenso efeito moral no espírito da colônia.
Dali abala Vieira, rumo de
Santo Antônio do Cabo. Em caminho encontra as forças de Camarão e de Henrique
Dias; e, logo depois, opera junção com as de André Vidal e Martim Soares
Moreno.
No meio das ufanias em que se
agitam os independentes, vêm pô-los em grande aflição notícias recebidas da
Várzea, dando Haus como um tufão, a devastar aquelas já consternadas paragens.
Não só a soldadesca em cólera matava e fazia saque geral, como destruía tudo,
demolindo e incendiando casas e igrejas. Havia o Conselho Político decretado
que todas as famílias abandonassem "dentro de cinco dias, os lares com
seus filhos e filhas, sob pena de morte a sangue e fogo, e perda de seus bens;
e que, passando este termo, não se usaria de nenhuma clemência com aquelas que,
tendo maridos, irmãos ou filhos ausentes, se achassem em suas casas". Haus
cumpria as ordens do seu governo.
Esses sinais diziam bem como
ia ser sacrílega aquela guerra!
3 - Põem-se os insurgentes em
marcha para os distritos da Várzea; e pela manhã de 17 de agosto vão
surpreender os bandos inimigos nas imediações da Casa Forte (engenho de D. Ana Pais) e infligem-lhes nova derrota.
Com estes primeiros sucessos,
alastra-se a insurreição. Em todo o Sul sublevam-se em massa as populações. Nazaré,
Porto Calvo, o próprio forte Maurício, e outras posições, em setembro, caíam em
poder dos pernambucos.
No Norte, com o rompimento da
insurreição em Pernambuco, tornou-se horrível a situação para os patriotas.
Mesmo que não estivessem de inteligência com os chefes do Sul, bastariam as
novas medidas preventivas, tomadas pelo governo do Recife, para levantar toda
gente válida da Paraíba e do Rio Grande.
Expede Vieira forças de
socorro para ali. Funda-se no interior da Paraíba o Arraial de Santo André, para onde afluem os independentes das duas
capitanias. E as lutas se tornam desesperadas e sangrentas.
Enquanto isso, em Pernambuco
os libertadores continuam a levar a guerra com sucesso. Apoderaram-se de
Olinda, e, logo depois, do forte de Santa Cruz, no caminho do Recife, em cujas
cercanias cruzavam as temerosas quadrilhas de assalto que se despediam do Arraial Novo do Bom Jesus, onde se
estabelecera o acampamento geral dos insurretos. Os holandeses ficaram logo no
Recife como num presídio, não se sentindo ali tranquilos nem pelo lado do mar.
Ansiosos de acender a guerra
no Norte, mandaram para lá, os patriotas, o Camarão com a sua gente; e, logo
depois, foi o próprio mestre de campo André Vidal, e em pouco tempo deixou tudo
em boas condições.
O que está criando agora uns
tantos embaraços para os independentes é a atitude que a corte de Lisboa tem de
simular em relação ao governo de Holanda, com quem se acha comprometida pelo
tratado de paz, e de cuja amizade, e até de cujo concurso nem pode abrir mão na
conjuntura excepcional em que se encontra. Enquanto fomenta às ocultas a guerra
no Brasil, dá D. João IV na Europa todas as seguranças de perfeita lealdade às
Províncias Unidas dos Países-Baixos e condena "oficialmente" a
audácia dos que se insurgem contra o governo holandês, chegando a expedir
ordens formais ao Governador-Geral para que reprimisse a insurreição, fazendo recolher
os mestres de campo e demais capitães e soldados que andassem na guerra.
Por mais que se estivesse de
conluio com a corte, esta política insidiosa, que as circunstâncias impunham (e
que os exemplos da Holanda autorizavam), produzia má impressão, e até defecções
nas fileiras dos insurgentes.
Valiam-se disso os holandeses
para mostrar como tinham por si a autoridade e justiça do próprio soberano,
apresentando os pernambucanos como criminosos de lesa-majestade.
Nem por isso esmoreciam os
filhos da terra. Henrique Dias, mesmo sem ciência dos mestres de campo, rebateu
uma vez, à manobra dos intrusos (que mandaram espalhar no acampamento a carta
do rei condenando a insurreição), dizendo altivamente aos do Conselho Político:
"Meus senhores holandeses. Meu camarada, o Camarão, não está aqui; mas eu respondo
por ambos. Saibam vossas mercês que Pernambuco é pátria dele e minha pátria, e que
já não podemos sofrer tanta ausência dela. Aqui, haveremos de perder as vidas,
ou havemos de deitar a vossas mercês fora dela. E ainda que o Governador e Sua
Majestade nos mandem retirar para a Bahia, primeiro que o façamos havemos de
responder-lhes, e dar-lhes as razões que temos para não desistir desta
guerra"...
Essas grandes palavras do
glorioso caudilho negro dão bem eloquentemente a medida daquele heroísmo com
que se encontra a cobiça flamenga.
4 - Começava a reinar a fome
no Recife, principalmente depois que os insurretos foram apertando-lhe o sítio.
E, sem um grande socorro que lhes chega de Holanda, não se sabe qual teria
sido, já por meados de 1646, a sorte dos usurpadores.
Veio esse socorro (de 2.000
homens) com o já famoso Sigemundt von Schkoppe, e acompanhando o pessoal que
vinha substituir os membros do Conselho Político.
Chegava Schkoppe com grande
arrogância e presunção muito certo de que vai de uma vez debelar aqueles grupos
de rebeldes indisciplinados e estranhos a coisas de guerra. Parece que trazia
ele assentado um grande plano estratégico. Os patriotas, porém, lho burlaram.
Entendeu ele, então, que devia
começar pela reconquista de Olinda. Mas volta dali, ao cabo de algumas
investidas inúteis, confessando que "'aquela gente combate como se
estivesse enfadada de viver"...
Uma semana depois, manda
atacar de novo a vila lendária; mas com igual insucesso.
Passados alguns dias, expede
cerca de 1.000 homens para a fronteira da Várzea: acodem as companhias de
emboscadas e os fazem voltar pelo mesmo caminho. "
Dali a pouco, uma nova
tentativa, e agora por ele próprio comandada, tem de fugir como a outra.
Vendo que os pernambucanos
estão fortes na campanha, resolvem os holandeses ameaçar-lhes a causa em outros
pontos da costa. Vão grandes forças, de mar e de terra, para o Sul, com o
intento de retomar o forte e povoação de Penedo. De surpresa, conseguem
apoderar-se da posição; mas só para terem logo depois de deixá-la (abril de
1647).
Quase ao mesmo tempo, ia
Schkoppe, com 3.000 homens, surpreender a Bahia (fevereiro de 1647). Desembarca
durante a noite em Itaparica. Saqueiam toda a ilha, exterminam a população, não
poupando nem mulheres e crianças. Ali fica o inimigo perto de um ano, a varejar
o Recôncavo e a pilhar toda a costa. E só a vinda de reforços aos
luso-brasileiros, bem como a situação do Recife, que se torna angustiosa, é que
obrigam Schkoppe a evacuar a mísera Itaparica.
Tinha, portanto, Sigemundt
perdido o seu prestigio miraculoso; e ele próprio parece meio fatigado, e sem
esperança de reabilitar-se.

Os patriotas apertam o cerco
do Recife, e parecem de dia para dia mais confiantes na vitória.
Tanto impressionou afinal a
situação da praça aos sitiados que eles deliberaram sair da conjuntura por um
ímpeto de temeridade.
À frente de uns 5.000 homens
marchou von Schkoppe para a Várzea, no intento de abrir passagem para o sul, e
isolar dos distritos do Cabo a gente do Arraial Novo. Iam estas forças com
grande pompa, e muito estrondo de caixas, clarins e trombetas, ostentando vivo
luzimento de armas, e numerosas bandeiras, entre as quais se destacava um
grande e radiante estandarte com as armas das Províncias Unidas e as insígnias
do príncipe de Orange.
Teve-se logo no Arraial
notícia do movimento; e reuniram os chefes todas as forças disponíveis,
pondo-se imediatamente em marcha, e indo tomar posição, no caminho do Sul,
entre os montes Guararapes e um vasto pantanal que se estende até à costa
marítima vizinha.
Pela manhã de 19 de abril
(1648) avista-se a vanguarda do inimigo; e entre as 9 e 10 horas trava-se a
batalha. Rompera André Vidal "como tormenta", investindo logo a
espada, sem dar ouvidos aos canhões inimigos, e tomando-lhes a artilharia.
Recua num dos flancos Henrique Dias, atacado pela reserva de Haus. Com isto
entusiasmam-se os flamengos, e avançam incendidos, metendo-se pelo tremedal ao
lado, enquanto André Vidal prepara uma nova carga, e desanda outra vez contra
eles como avalanche que se desprende. Obra então, prodígios de valor o grande
herói paraibano. Acomete intrépido ao inimigo; rompe-lhe de novo os batalhões; e
refeitas as hostes, reacende-se o combate com redobrado furor.
Ao cabo de umas cinco horas de
peleja, foi o inimigo abrindo-se do campo, e ocupando umas colinas à vista dos
insurgentes.
No dia seguinte (20 de abril),
uma segunda-feira, quando pensavam renovar a luta, não viram os nossos mais
ninguém naquelas alturas: os holandeses, durante a noite, haviam corrido para
os muros.
6 - A confiança dos sitiados,
naqueles dias de escarmento, estava nas forças navais. O corso nas costas
tornou-se horrível. Senhores exclusivos do mar, cuidam, pela pirataria, de
ressarcir-se das perdas que experimentam em terra. E só graças a isso é que se
vão manter ali por alguns anos.
As condições da guerra, no
entanto, mudavam agora, principalmente para os restauradores. Definia-se a
atitude da corte portuguesa, que passara a proteger sem mais disfarce a
insurreição dos colonos.
Viera muito a tempo tal
mudança; pois os patriotas já refletiam naquela contingência, em que andavam,
de só fazer a guerra por sua conta, e até de, era última extremidade,
sacrificar a sua tradicional fidelidade à monarquia.
Soube-se logo que na Europa se
aparelham grandes forças navais para auxiliar os insurgentes. Eram os únicos
elementos, de ação que lhes faltavam; e com esse aviso cresce a confiança dos
pernambucanos no sucesso final.
Deixam eles agora que a
própria situação dos intrusos vá produzindo os seus efeitos no Recife.
Ali fechados, mantendo-se à
custa da pilhagem, e tudo esperando da sua metrópole, procuram os holandeses
afetar segurança, e até de quando em quando saindo dos muros, a
"espantar" de súbitas refregas os contrários que lhes espreitam os
passos.
Ainda cerca de um mês depois
do escarmento dos Guararapes, fizeram uma sortida de mais vulto contra a
estância de Henrique Dias. Não os esperou o herói negro: saiu-lhes ao encontro,
e obrigou-os a "largar o campo sem lhes dar tempo de recolher os
mortos" (21 de maio). Persegue-os o batalhão negro até os arrabaldes do
Recife, produzindo ali grande alarma.
Passa-se assim, a escaramuçar
nas imediações da praça, todo o ano de 1648.
Não era possível, porém,
prolongar aquela angústia. Era preciso conjurá-la por algum ato de coragem.
É neste transe que se resolve
tomar outra vez ofensiva contra o Arraial, tomando o caminho do Sul, e abrindo
entrada para o interior.
No dia 18 de fevereiro ia o
coronel Brinck, com 4.000 homens e seis peças de campanha, ocupar a passagem
dos Guararapes. Pela tarde desse mesmo dia chegava o exército insurgente à
vista do acampamento inimigo. Finge tomar posição ali diante dele: mas durante
a noite, sem ser sentido, contorna Francisco Barreto a colina, e acampa ao sul
da posição dos flamengos.
Ao amanhecer de 19 dão estes
pela manobra. Quando os nossos ansiosos, esperavam entrar em fogo, veem, com
espanto, o exército holandês em retirada. Não os deixou sair tranquilos o
mestre de campo-general: ofereceu-lhes combate. Dizem as crônicas que a vitória
dos patriotas foi ainda maior que a do ano antecedente.

Enquanto os argentários da
Haia confiam e tramam, os patriotas vão agindo, e agora com o concurso franco
da sua metrópole. Já se organizara lá, a Companhia de Comércio. Em princípios
de 1650 chegava ao Brasil a primeira frota, trazendo alguns recursos destinados
aos insurgentes.
O grande cuidado destes é
concentrar ali, em torno do Recife, todas as suas forças, abandonando quase
todos os outros pontos. Disso se aproveitam os sitiados para tentar agressões
fora dali, sem deixar, contudo, de repetir sortidas contra os sitiantes, por
afetar impavidez e força.
Assim passaram-se ali uns três
anos.
Até que se recebem no Arraial
notícias de que D. João havia rompido negociações com o governo holandês; e
tratam os chefes da reconquista de provocar o desfecho final da guerra.
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