

A plêiade
mineira
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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Das capitanias brasileiras era
certamente a de Minas a que mais motivos dava ao surto deste sentimento e
aspiração. Nos povos como nos indivíduos, o principal estímulo à autonomia é a
consciência, que lhes dá a abastança, de se poderem prover a si mesmos.
Descobertas na segunda metade do século XVII, as minas que denominaram a
região, e grandemente incrementada nesta a mineração do ouro e do diamante,
aflui-lhe das capitanias vizinhas, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, toda a
gente, e foi muita, para quem aquelas julgadas fáceis riquezas eram
irresistível chamariz. Assim se começou a fazer a população da Capitania de
Minas Gerais, desde então a mais avultada, a mais densa e logo depois a mais
rica do Brasil. Como a riqueza cria a cultura, pelas facilidades que lhes
proporciona, também a mais culta.
Por disposição geográfica do
país, e pela variedade dos sítios minerais descobertos, a vida local, longe de
se concentrar exclusivamente numa cidade capital, dispersava-se por vários
pontos importantes, Sabará, São João del-Rei, Diamantina, Mariana, Serro. Com
as suas escolas avulsas, seminários episcopais, colégios de jesuítas ou aulas
de outros religiosos, também atraídos pelo engodo das minas, eram tais vilas e
cidades outros tantos pequenos focos de instrução, e contribuíam para
difundi-la pelas comarcas cujo centro eram e pela capitania. Valeriam ainda
porventura mais como estímulo do espírito de autonomia, do municipalismo, que
devia contrastar o oficialismo reinícola da capital. A riqueza feita a muitos
dos seus moradores pela mineração, do mesmo passo que os excitava a uma vida
larga e de luxo, largueza e luxo relativos mas consoantes com o meio, e para
ele até ostentoso, movia-os a mandarem os filhos não só a Portugal, mas também
a outros países europeus, seguir estudos superiores. No século XVIII, mormente
na sua segunda metade, o número de doutores, leigos e eclesiásticos, e de
clérigos com estudos superiores dos seminários, era com certeza em Minas Gerais maior do
que em qualquer outra capitania. Já então, devido justamente a serem
principalmente de religiosos os estabelecimentos de ensino e as aulas avulsas
de latim criadas em várias localidades pelas reformas de Pombal, andava muito
espalhado o estudo do latim e sabê-lo era vulgar em Minas. A ciência do latim
constituía ainda, mesmo na mais adiantada Europa, o fundamento e o essencial de
toda a cultura. Nas festividades feitas em Mariana, em 1748, por ocasião da
ereção do bispado e posse do seu primeiro prelado, nos outeiros e academias
realizadas como partes das festas, numerosos versejadores e letrados recitaram,
além de discursos congratulatórios e sermões panegíricos, grávidos de erudição
latina e hidrópicos de hipérboles, dúzias de poemas, curtos e longos, décimas,
sonetos, elegias, acrósticos, cantos heroicos, glosas, silvas, epigramas, em
latim e em português. Da
lição e cultura da capitania podemos fazer ideia pelas livrarias particulares
nela àquele tempo existentes. Dão-nos informação a respeito os autos de sequestros
feitos nos bens dos implicados na chamada Conjuração Mineira. Além dos livros
profissionais de estudo e consulta, constituíam-nas geralmente os melhores
autores latinos no original e gregos no original e em traduções latinas, e mais
os franceses Descartes, Condillac, Corneille, Racine, Bossuet, Montesquieu,
Voltaire, tratados e dicionários de história e erudição, as décadas de Barros e
Couto, os poetas clássicos portugueses, e também Tasso, Milton, Metastásio,
Quevedo, afora dicionários de várias línguas, obras de matemáticas, ciências
naturais e físicas e outras.

Mais numerosa e mais densa que
nenhuma outra do Brasil, a população de Minas, aquela ao menos que tinha Vila
Rica por centro imediato, sentia-se melhor o contacto recíproco, criador da
solidariedade. Sendo a mais rica, era também a mais isenta, a mais desvanecida
de suas possibilidades. Este desvanecimento bairrista tinha-o Tiradentes em
sumo grau. O espírito localista, feição congênita dos mineiros, oriundos das
condições físicas e morais do desenvolvimento da capitania, fortificava ali o
nativismo ou nacionalismo regional. O sentimento da liberdade e da
independência, atribuído geralmente aos montanheses, parece ter em Minas mais
uma vez justificado o conceito. Foi este meio que produziu a floração de poetas
que é a plêiade mineira. Em qualquer outro do Brasil o seu aparecimento se não
compreenderia.

Mas a só influência deste meio,
onde nasceram e se criaram, não bastaria a explicar-lhes o estro e surto
poético, e menos a atividade literária. A esse primeiro influxo pátrio
juntou-se preponderantemente o de sua longa permanência na Europa, do seu
convívio em um ambiente social e literário mais estimulante dos seus dons
nativos do que seria a sua terra e o meio, em suma acanhado, em que se haviam
criado. O contrário aliás passou com Tomás Gonzaga, do grupo o único que não
era brasileiro, e o único de quem se pode dizer que foi o Brasil que o fez
poeta. Não se conhece com efeito nenhuma produção anterior às liras de Marília de Dirceu, e estas resultaram de
seus amores malfadados com uma brasileira, e, concomitantemente, de sucessos em
que se achou envolvido no Brasil, que aos seus louros de poeta juntaram a coroa
de mártir da liberdade.
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