A primitiva
sociedade colonial
Extraído do Livro "História da Literatura Brasileira", publicado no ano de 1916. Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)
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O início da colonização do Brasil pelos portugueses
coincidiu com a mais brilhante época da história deste povo e particularmente
com o mais notável período da sua atividade mental. É o século chamado áureo da
sua língua e literatura, o século dos seus máximos prosadores e poetas, com
Camões à frente.
Essa curta renascença geral e
florescimento literário de Portugal não passou, porém, nem podia passar, à sua
grande colônia americana. Se aquela interessava à massa da nação, que lhe
assistia às manifestações e experimentava os efeitos, esta apenas tocava o
círculo estreito que ali, como então em toda a Europa, advertia em poetas e
literatos. Roda de fidalgo, de cortesãos, de eclesiásticos, dos quais, justamente
os mais cultos, raríssimos se iam a conquistas e empresas ultramarinas. O
grosso dos que se nelas metiam eram da multidão ignara que constituía a maioria
da nação, o "vulgo vil sem nome" de que, com o seu desdém de fidalgo
e letrado, fala o Camões, chefiados por barões apenas menos incultos do que
eles. Nem o empenho que os cá trazia lhes consentia outras preocupações que as
puramente materiais de a todo o transe assenhorearem a terra, lhe dominarem o
gentio e aproveitarem a riqueza, exagerada pela sua mesma cobiça.
Não é, pois, de estranhar que em
nenhum dos primeiros cronistas e noticiadores do Brasil, no primeiro e ainda no
segundo século da colonização, mesmo quando já havia manifestações literárias,
se não encontre a menor referência ou alusão a qualquer forma de atividade
mental aqui, a existência de um livro, de um estudioso ou coisa que o valha. O
padre Antônio Vieira, homem de letras como era, em toda a sua obra, abundante
de notícias, referências e informes do Brasil do século XVII, apenas uma vez,
acidental e vagamente lhe alude à literatura. Foi quando, escrevendo ao
mordomo-mor do Reino, contou, jogando de vocábulo, que na Bahia, "sobre se
tirarem as capas aos homens (por decisão de um novo governador) têm dito mil
lindezas os poetas, sendo maior a novidade deste ano (1682) nestes engenhos do
que nos de açúcar."
Entretanto no tempo de Vieira, a
maior parte do século XVII, já no Brasil havia manifestações literárias no
medíocre poema de Bento Teixeira (1601) e nos poemas e prosas ainda então
inéditas mas que circulariam em cópias ou seriam conhecidas de ouvido, de seu
próprio irmão Bernardo Vieira Ravasco, do padre Antônio de Sá, pregador, de
Eusébio de Matos e de seu irmão Gregório de Matos, o famoso satírico, de
Botelho de Oliveira, sem falar nos que incógnitos escreviam relações, notícias
e crônicas da terra, um Gabriel Soares (1587), um Frei Vicente do Salvador,
cuja obra é de 1627, o ignorado autor dos Diálogos
das Grandezas do Brasil e outros de que há notícia.
Não trouxeram, pois, os portugueses
para o Brasil algo do movimento literário que ia àquela data em sua pátria. Mas
evidentemente trouxeram a capacidade literária já ali desde o século XIII pelo
menos revelada pela sua gente e que naquele em que aqui se começaram a
estabelecer atingia ao seu apogeu. As suas primeiras preocupações de ordem
espiritual, que possamos verificar, produziram-se quase meio século após o
descobrimento com a chegada dos primeiros jesuítas em 1549, e sob a influência
destes. As escolas de ler, escrever e contar, gramática latina, casos de
consciência, doutrina cristã e mais tarde retórica e filosofia escolástica,
logo abertas por esses padres nos seus "colégios", imediatamente à
sua chegada fundados, foram a fonte donde promanou, no primeiro século, toda a
cultura brasileira e com ela os primeiros alentos da literatura.
A terra achada "por tanta
maneira graciosa" pelos seus descobridores, e que aos primeiros que a
descreveram se deparou magnífica, só muito mais tarde entrou a influir no ânimo
dos seus filhos os incitamentos das suas excelências. E isso de leve e de
passagem, embora com repetições que fariam dessa impressão uma sensação
duradoura e característica em a nossa poesia.
A gente que a habitava, broncos
selvagens sem sombra de literatura, e cujos mitos e lendas passaram de todo
despercebidos aos primeiros colonizadores e a seus imediatos descendentes, não
podia de modo algum influir na primitiva emoção poética brasileira. Só com o
tempo e muito lentamente, pelo influxo de sua índole, do seu temperamento, da
sua idiossincrasia na gente resultante dos seus primeiros cruzamentos com os
europeus, viria ela a atuar no sentimento brasileiro. Mas ainda por forma que
ninguém pode, sem petulância ou inconsciência, gabar-se de discriminar e
explicar. É da mesma natureza indireta, reflexa, imponderável, a influência que
possa haver tido e que certamente teve no mesmo sentimento o elemento africano,
que desde o primeiro século se caldeou com os portugueses e o índio para a
constituição do nosso povo. Ainda que o gentio selvagem, com quem entraram os
conquistadores em contato, tivesse uma poesia de forma métrica, o que é mais
que duvidoso, não se descobre meio de demonstrar não só que ela houvesse em
tempo algum influído na inspiração dos nossos primeiros poetas, ou como poderia
ter influído. Absolutamente se não descobriu até hoje, malgrado as asseverações
fantasistas e gratuitas em contrário, não diremos um testemunho, mas uma
simples presunção que autorize a contar quer o índio, quer o negro, como
fatores da nossa literatura. Apenas o teriam sido mui indiretamente como
fatores da variedade étnica que é o brasileiro. Mas ainda assim a determinação
com que cada um deles entrou para a formação da psique brasileira, e portanto
das suas emoções em forma literária, é impossível, se não nos queremos pagar de
vagas palavras e conceitos especiosos. Há bons fundamentos para supor que os
primeiros versejadores e prosistas brasileiros eram brancos estremes, e até de
boa procedência portuguesa. É, portanto, o português, com a sua civilização,
com a sua cultura, com a sua língua e literatura já feita, e até com o seu
sangue, o único fator certo, positivo e apreciável nas origens da nossa
literatura. E o foi enquanto se não realizou o mestiçamento do país pelo
cruzamento fisiológico e psicológico dos diversos elementos étnicos que aqui
concorreram, do qual resultou o tipo brasileiro diferenciado por várias feições
físicas e morais do seu principal genitor, o português. Forçosamente lenta em
fazer-se, e ainda mais em atuar espiritualmente, não podia esta mestiçagem
haver influído na mente brasileira senão superficial, indefinida e morosamente.
Em todo caso as duas raças inferiores apenas influíram pela via indireta da
mestiçagem e não com quaisquer manifestações claras de ordem emotiva, como sem
nenhum fundamento se lhes atribuiu.
A sociedade que aqui existiu no
primeiro século da conquista e da colonização (1500-1600) e a que desta se foi
desenvolvendo pela sua multiplicação, logo aumentada pelo cruzamento com
aquelas raças, era em suma a mesma de Portugal nesse tempo, apenas com o
amesquinhamento imposto pelo meio físico em que se encontrava. A todos os
respeitos nela predominava o português. Índios e negros eram apenas o
instrumento indispensável ao seu propósito de assenhorear e explorar a terra e
à necessidade de sua preparação. Salvo exceções diminutas, esse português
pertencia às classes inferiores do Reino, e quando acontecia não lhes pertencer
pela categoria social, era-o de fato pelas condições morais e econômicas.
Soldados de aventura, fidalgos pobres e desqualificados, assoldadados de
donatários, capitães-mores e conquistadores, tratantes ávidos de novas
mercancias, clérigos de nenhuma virtude, gente suspeita à polícia da Metrópole,
além de homiziados, de degradados, eram, em sua maioria, os componentes da
sociedade portuguesa, para aqui transplantada. Os seus costumes dissolutos, a
sua indisciplina moral e mau comportamento social são o tema de acerbas queixas
não só dos jesuítas, que acaso no seu rigor de moralistas austeros lhes
exageravam os defeitos, mas das autoridades régias dos cronistas e mais
noticiadores. Justamente ao tempo da constituição das capitanias gerais a
sociedade portuguesa tinha descido ao último grau de desmoralização e
relaxamento de costumes. Um dos mais perspicazes observadores da primitiva
sociedade colonial brasileira, o autor incógnito dos Diálogos das Grandezas do Brasil, explicando em 1618 por que
apesar da abundância da terra era tanta a carestia das coisas de maior
necessidade, atribui a culpa à negligência e pouca indústria dos moradores que
todos não pensavam senão em voltar ao Reino sem cuidarem do adiantamento e
futuro da mesma terra. "O Estado do Brasil todo em geral, escreve ele no
seu estilo ingenuamente vernáculo, se forma de cinco condições de gente a
saber: marítima, que trata de suas navegações e vem aos portos das capitanias
deste Estado com suas naus e caravelas carregadas de fazendas que trazem por
seu frete, aonde descarregam e adubam as suas naus e as tornam a carregar,
fazendo outra vez viagem com carga de açúcares, pau do Brasil e algodão para o
Reino, e de gente desta condição se acha, em qualquer tempo do ano, muita pelos
portos das capitanias. A segunda condição de gente são os mercadores, que
trazem do Reino as suas mercadorias a vender a esta terra, e comutar por
açúcares, do que tiram muito proveito; e daqui nasce haver muita gente dessa
qualidade nela com as suas lojas de mercadorias abertas, e tendo
correspondência com outros mercadores do Reino que lhas mandam. Como o intento
destes é fazerem-se somente ricos pela mercancia, não tratam do aumento da
terra, antes pretendem de a esfolarem tudo quanto podem. A terceira condição de
gente são oficiais mecânicos de que há muitos no Brasil de todas as artes, os
quais procuram exercitar, fazendo seu proveito nelas, sem se lembrarem de
nenhum modo do bem comum. A quarta condição de gente é de homens que servem a
outros por soldada que lhe dão, ocupando-se em encaixotamento de açúcar,
feitorizar canaviais de engenho e criarem gados, com nome de vaqueiros,
servirem de carreiros e acompanharem seus amos, e de semelhante gente há muita
por todo este Estado, que não tem nenhum cuidado do bem geral. A quinta
condição é daqueles que tratam da lavoura e estes tais se dividem ainda em duas
espécies: uma a dos que são mais ricos, têm engenhos com o título de senhores
deles, nomes que lhes cede Sua Majestade e suas cartas e provisões, e os demais
têm partidos de canas; a outra, cujas forças não abrangem a tanto, se ocupam em
lavrar mantimentos, legumes, e todos, assim uns como os outros, fazem as suas
lavouras e granjearias com escravos da Guiné; e como o de que vivem é somente
do que granjeiam com os tais escravos, não lhes sofre o ânimo ocupar a nenhum
deles em coisa que não seja tocante a lavoura, que professam de maneira que têm
por tempo perdido o que gastam em plantar uma árvore que lhes haja de dar fruto
em dois ou três anos, por lhes parecer que é muita demora; porque se ajunta a
isto o cuidar cada um deles que logo em breve tempo se hão de embarcar para o
Reino, e não basta a desenganá-los desta opinião mil dificuldades que a olhos
vistos lhe impedem podê-la fazer; por maneira que este pressuposto que têm
todos em geral de se haverem de ir para o Reino com a cobiça de fazerem mais
quatro pães de açúcar, quatro covas de mantimentos, não há homem em todo este
Estado que procure nem se disponha a plantar árvores frutíferas nem fazer as
benfeitorias das plantas que se fazem em Portugal e pelo conseguinte se não
dispõem a fazerem criações de gado e outras, e se algum o faz é em muita
pequena quantidade e tão pouca que a gasta toda consigo mesmo e com a sua
família. E daí resulta a carestia e falta destas coisas..."
É o depoimento de uma testemunha
de vista, inteligente, bem intencionada e insuspeita por sua nacionalidade,
sobre os elementos de que se ia formando a vida econômica da nova sociedade
portuguesa na América, e a primeira delegação do desapego à terra pelos seus
mesmos povoadores, daquilo que um historiador nosso chamou transoceanismo (Capistrano
de Abreu). Ainda mesmo para a apreciação do presente, não perderam todo o
interesse estas suas observações, cuja exatidão aliás outros documentos
contemporâneos confirmam.
Assim escreve no começo do século
XVII o nosso historiador Frei Vicente do Salvador: "E deste modo se hão os
povoadores, os quais, por mais arraizados que na terra estejam e mais ricos que
sejam, tudo pretendem levar a Portugal, e se as fazendas e bem que possuem
souberam falar também lhes houveram de ensinar a dizer como os papagaios, aos
quais a primeira coisa que ensinam é Papagaio
Real, para Portugal, porque tudo querem para lá. E isto não têm só os que
de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra não
como senhores mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem
destruída."
Não numera o autor do Diálogos nem os oficiais públicos da
governança, nem a clerezia, nem os homens d'armas da conquista e defesa da
colônia. Eram a gente parasita sempre suspirosa por tornar à terra, sem nenhum
ânimo de ficada aqui. Oficiais e mecânicos e ainda somenos indivíduos, mal aqui
chegados tornavam-se de uma filáucia que deu na vista a mais de um observador.
A escravidão exonerando-os de trabalhar e habituando-os a viver como no Reino
viam viverem os fidalgos, insuflavam-se das fumaças destes. Brandônio, no
terceiro Diálogo, observava ao seu
interlocutor Alviano que a gente do Brasil era mais afidalgada do que ele
imaginava, e aos seus escravos incumbia todo o trabalho. Com estes informes
devemos crer não andam muito longe da verdade os noticiadores da corrupção que
logo eivou a primitiva sociedade colonial brasileira.
O seu primeiro estabelecimento
foi, com a única exceção de São Paulo, todo no litoral, à beira-mar. As suas
vilas e cidades primitivas, desde São Vicente e Olinda até a do Salvador,
enquanto não entraram a construir casas de adobe à moda de Portugal, não se
diferenciariam notavelmente das aldeias indígenas aqui encontradas, construídas
de paus toscos ou folhagens. E como ali continuariam a viver
desconfortavelmente, incomodamente, sordidamente, faltos de móveis, de alfaias
e de asseio, segundo viviam os mesmos fidalgos e burgueses no Reino.
As mulheres brancas eram raras,
as donas e senhoras raríssimas. As famílias existentes na maior parte teriam
vindo constituídas de Portugal e muito poucas seriam. As formadas aqui, por
motivo de escassez de mulheres brancas, seriam ainda menos. As demais
resultavam de uniões irregulares dos colonos com as suas negras, conforme
principiaram os portugueses a chamar às índias, ou do seu casamento com estas,
como começou a acontecer por influência dos jesuítas, e mais tarde foi
acoroçoado pelo rei. As numerosas filhas ilegítimas ou legitimadas do Caramuru
casaram com fidalgos e soldados da conquista e seriam mamelucas ainda escuras,
do primeiro sangue, e umas broncas caboclas. Ao contrário do que passou na
América inglesa, excetuando algum eclesiástico ou alto funcionário, quase não
veio para o Brasil nenhum reinol instruído, e ainda incluindo estes pode
dizer-se que no primeiro século da colonização não houve aqui algum
representante da boa cultura europeia dessa gloriosa era.
O mais antigo assento da primeira
sociedade brasileira, que não desmereça o nome de civilizada, foi a capitania
de Pernambuco de Duarte Coelho. Este fidalgo da primeira nobreza portuguesa e
ilustrado por bizarros feitos militares na Índia desde 1534 se estabeleceu na
sua capitania com a sua mulher, da casa dos Albuquerques, um cunhado, outros
fidalgos e cavaleiros de suas relações ou parentescos, e muitos colonos, os
melhores talvez dos que nesses tempos vieram ao Brasil. A sua colônia foi a
mais bem ordenada e a mais em governada de todas e a que mais prosperou. Mas
mesmo aí não faltam testemunhos da descompostura dos costumes coloniais. Jerônimo
de Albuquerque, cunhado do austero donatário, quando casou de ordem da rainha
escandalizada com a sua libertinagem, fez-se acompanhar de onze filhos naturais
que tivera, uns da filha do tuxaua Arco Verde, outros de suas mancebas índias A
ordem e polícia material criada pela forte e esclarecida vontade de Duarte
Coelho parece ter aí correspondido ao princípio da maior homogeneidade social,
nos elementos mais coerentes da colonização e no maior número e melhor
qualidade dos primeiros colonos. Também as da terra favoreciam-lhe o
aproveitamento, facilitando ainda, com o seu adiantamento e a obra do seu
donatário, pela maior proximidade do Reino e mais frequentes e rápidas
comunicações com ele. Duarte Coelho não parece ter sido um fidalgo sem letras,
e as apreciaria porque elas, com João de Barros, o tinham celebrado e a
parentes seus por suas façanhas na Índia. Dois dos seus descendentes e
sucessores na capitania-mor de Pernambuco foram homens de letras. Não admira,
pois, que desta sociedade onde já havia sociabilidade e luxo, saísse a mais
antiga obra literária brasileira, a
Prosopopeia, de Bento Teixeira, em 1601.
A fundação do governo-geral da
Bahia e consequente centralização da vida colonial da cidade do Salvador,
expressamente fundada para esse efeito, criou na segunda metade do século XVI,
quando justamente começava a definhar a prosperidade de Pernambuco, a segunda
sociedade menos grosseira que houve no Brasil. Não era tão escolhida como a de
Duarte Coelho a colônia trazida por Tomé de Sousa. Era, porém, mais numerosa e
compunha-se de mais variados e a certos respeitos mais prestáveis elementos de
colonização, oficiais e mestres de ofícios, mecânicos, técnicos, artesãos, além
dos agricultores e obreiros comuns. Trouxe mais o governador-geral a primeira leva
daqueles padres que iam ser o principal instrumento da civilização do país,
como ela somente se podia fazer aqui – os jesuítas. A cidade cresceu em número
e importância de prédios e aumentou em população. Os jesuítas fundaram colégio e outros
religiosos conventos distribuindo todos instrução aos meninos portugueses e
indígenas. Ao redor da cidade fizeram-se engenhos. Todo o Recôncavo se foi
povoando, contribuindo para o aumento de Salvador, que se fazia uma pequena
corte tão disparatada nos seus vários aspectos, costumes e vestuários, quanto o
eram os elementos que a formavam: fidalgos, cavaleiros, funcionários,
mecânicos, soldados, índios, negros, bem trajados uns, maltrapilhos outros,
seminus aqueles. Gibões de veludo e seda bordados de ouro e enfeites de penas à
guisa de roupa. Muitos frades, padres em demasia.
Por divertimentos comuns, ou
jogos ilícitos ou festas de igreja, e extraordinariamente touradas, cavalhadas,
canas. Soltura de costumes, viver desregrado, hábitos de ociosidade. Enfim a
vida das sociedades coloniais incipientes, compostas de elementos disparatados,
e dispostos a desforrarem-se da disciplina e constrangimento das metrópoles por
uma vida à manga lassa. Procuravam conter-lhe os ímpetos e desmandos, aliás com
pouca eficácia, o governador e seus auxiliares e os padres, principalmente, a
acreditá-los, os jesuítas, que aliás constantemente ralham contra esta
sociedade. O decorrer dos tempos lhe não modificou consideravelmente a
constituição política e moral. Ela permaneceu essencialmente a mesma na sua
feição étnica, na sua constituição fisiológica, como na sua formação
psicológica, isto é, permaneceu portuguesa, ao menos até as guerras holandesas,
na primeira metade do século XVII. Por isso é que durante todo o período
colonial, salvo algumas raras, mofinas e intermitentes manifestações de
nativismo, a literatura aqui é inteiramente portuguesa, de inspiração, de
sentimento e de estilo. Não faz senão imitar inferiormente, sem variedade nem
talento, a da mãe pátria. E milagre seria se assim não fosse.
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