4/07/2018

Machado de Assis na opinião do Conselheiro Lafayette (artigo), de Pedro Lafayette



Machado de Assis na opinião do Conselheiro Lafayette

Artigo publicado no ano de 1942, na revista "Carioca". Pesquisa, transcrição e atualização ortográfica: Iba Mendes (2018)


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Lafayette Rodrigues Pereira — o famoso jurisconsulto e político do segundo reinado — acompanhou sempre com admiração a carreira literária de Machado de Assis e foi mesmo quem primeiro ergueu a pena para defender o nosso maior romancista da injusta crítica que lhe fez Sílvio Romero.

Quando o regime monárquico desabou, Lafayette retirou-se da vida pública e recolheu-se à companhia dos seus queridos livros. Foi essa fase da sua vida de intensa produção e estudos. Há nos arquivos de seus descendentes um copioso material inédito da lavra de Lafayette, que merece ser um dia publicado, mesmo porque muito há de concorrer para que melhor se conheçam as ideias, a formatação e o temperamento daquele estadista que não poucas vezes foi tão mal compreendido pelos de seu tempo.

Foi nesse período final de sua vida que Lafayette, da sua fazenda, que era o seu berço natal, publicou uma série de artigos sobre a obra de Machado de Assis, rebatendo a crítica abespinhada de Romero, — artigos esses depois compilados em livro.

Lafayette sintetiza a sua opinião sobre o autor de Brás Cubas nestas palavras concisas, mas perfeitas: “um espírito elegante com as delicadezas de um filho da cidade de Minerva, fino observador das fraquezas e ridículos do seu tempo, engenhoso e hábil em urdir contos e histórias que encantam e prendem pelo interesse e vivacidade do entrecho e pelo desenho firme e límpido das figuras”.

Uma das maiores preocupações de quase todos aqueles que estudam a obra literária de Machado de Assis é classificá-lo em algumas das grandes correntes artísticas. É um vício da nossa formação didática. Lafayette insurge-se contra este esforço estéril e entra no assunto como um homem habituado à leitura dos melhores autores: “não é romântico, não é realista, não é parnasiano, não é decadente. É um espírito culto, imaginoso, que traduz em versos bem feitos as suas inspirações e descreve em cenas animadas a vida do seu tempo e traça figuras que reproduzem a realidade com que está em contato, segundo os processos que lhe parecem mais adaptados ao intuito. Ora pinta o que está vendo, o que não é ser realista, porque assim só o fizeram os clássicos e românticos, ou, entregando-se aos caprichos da sua fantasia, remonta ao ideal ou para embelezar a natureza, ou para exagerar-lhes as asperezas, as escabrosidades, o horrível. Mas é sempre um homem do seu meio. Não cuida em ser romântico, realista ou qualquer outra coisa. Luta, pensa e escreve como um homem do seu tempo.”

Para Lafayette, Machado de Assis possui qualidades de um grande vate:

“Tem fora de toda a dúvida a alma de poeta.

Sabe sentir, tem fantasia, ideais delicados, sonhos de amor de admirável pureza, cria pequenos nadas e veste-os de formas impecáveis, burila admiravelmente fragmentos de bronze, pinta quadros, combina habilmente luz e sombras, traça “silhouettes” caprichosas e exala em formosas endechas a dor, a saudade. E tudo isto em uma linguagem correta, limpa, pura, expressiva e em versos de medidas variadas, bem feitos e sempre adaptados ao assunto. E a leitura dos seus livros se recomenda, não só pela beleza artística como também pela perfeição da língua em que são vazados."

Diz ainda Lafayette:

"Machado de Assis é um dos nossos estilistas de melhores quilates. A estrutura do seu período é singularmente bela. As palavras e as orações organizam-se e concatenam-se em uma ordem lúcida, como pede o gênio da língua, e a lógica do pensamento. É conciso não pobre no dizer. A frase é às vezes notável pela força expressão, não tanto pela imagem, como pela aliança insólita ou pelo contraste das palavras. O pensamento, cheio e sóbrio, corre desembaraçadamente em uma língua folgada e não contrafeita. Não tem pretensão ao grandioso, ao sublime, ao campanudo, ao retumbante, mas sabe dizer com precisão, propriedade e agudeza o que pensa e o que sente.”

A defesa de Machado de Assis feita por Lafayette tornou-se um dos monumentos do nosso vernáculo, não só porque nela o autor de Vindiciae ainda uma vez demonstrou os seus profundos conhecimentos do vernáculo, como também porque revelou as mais perfeitas qualidades de crítico literário.


Quando Machado de Assis faleceu, uma delegação de membros da Academia Brasileira procurou Lafayette e pediu-lhe que se candidatasse àquele cenáculo. Lafayette acedeu e a cadeira do nosso maior romancista, a qual passou a pertencer ao nosso maior jurisconsulto. 

PEDRO LAFAYETTE
Revista "Carioca", 12 de dezembro de 1942.

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