6/21/2018

Temas Poéticos: LUA I


Efeitos de lua
(Ao paisagista Décio Freire)

LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)

Há nas serras, em arco, a forma da moldura
Que fecha em roda a vasta e límpida aquarela:
O claro-escuro é bom; tem perspectiva a tela;
Vibram toques de luz no céu de tal doçura

Que a mesma noite ri e aos astros se mistura;
Dorme-lhe o oceano aos pés, como o leão da novela;
Ao terral, que chegou, a água apenas murmura;
Duas barcas de pesca arfam por cima dela.

Da indolência em que a vaga embala-se e flutua;
Como um corcel do mar, que o dorso de repente
Dardo em chama feriu — salta, avança, recua...

Do alto viso do monte, entre árvores, em frente,
Fisga-lhe as flechas de ouro a caçadora nua,
E ao largo-verde flanco as torce lentamente...

★★★

Lua

CRUZ E SOUZA
“Broquéis” (1893)

Clâmides frescas, de brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas de neve
Vestem as longas árvores sombrias,
Surgindo a lua nebulosa e leve...

Névoas e névoas frígidas ondulam...
Alagam lácteos e fulgentes rios
Que na enluarada refração tremulam
Dentre fosforescências, calafrios...

E ondulam névoas, cetinosas rendas
De virginais, de prônubas alvuras...
Vagam baladas e visões e lendas
No flórido noivado das alturas...

E fria, fluente, frouxa claridade
Flutua como as brumas de um letargo...
E erra no espaço, em toda a imensidade,
Um sonho doente, cilicioso, amargo...

Da vastidão dos páramos serenos,
Das siderais abóbadas cerúleas
Cai a luz em antífonas, em trenos,
Em misticismos, orações e dúlias...

E entre os marfins e as pratas diluídas
Dos lânguidos clarões tristes e enfermos,
Com grinaldas de roxas margaridas
Vagam as Virgens de cismares ermos...

Cabelos torrenciais e dolorosos
Boiam nas ondas dos etéreos gelos.
E os corpos passam níveos, luminosos,
Nas ondas do luar e dos cabelos...

Vagam sombras gentis de mortas, vagam
Em grandes procissões, em grandes alas,
Dentre as auréolas, os clarões que alagam,
Opulências de pérolas e opalas

E a lua vai clorótica fulgindo
Nos seus alperces etereais e brancos,
A luz gelada e pálida diluindo
Das serranias pelos largos flancos...

Ó lua das magnólias e dos lírios!
Geleira sideral entre as geleiras!
Tens a tristeza mórbida dos círios
E a lividez da chama das poncheiras!

Quando ressurges, quando brilhas e amas,
Quando de luzes a amplidão constelas,
Com os fulgores glaciais que tu derramas
Das febre e frio, dás nevrose, gelas...

A tua dor cristalizou-se outrora
Na dor profunda mais dilacerada
E das cores estranhas, ó astro, agora,
És a suprema dor cristalizada!...

★★★

A Lua

CARMEN FREIRE
“Visões e Sombras” (1897)

Oh lua! formosa lua!
Do céu soberana augusta,
Dize, dize, que te custa
Desvendar-me a vida tua?

Conta-me os doces segredos
Das regiões incognoscíveis,
Onde arcanjos invisíveis
Têm armeis de astros nos dedos.

Dize se as nuvens formosas,
Quando se fundem num beijo,
Sentem no seio o lampejo
Das estrelas luminosas.

Vem alentar-me, querida,
Que, a todo o poder, prefiro
O aroma do teu suspiro
Para encantar minha vida.

Talvez tu possas um'hora
Mostrar-me as crenças que voaram
Páginas que se rasgaram,
Apagando a minha aurora.

Talvez mostre-mas suspensas,
Sem abrigo e sem ventura,
Chorando na imensa altura...
O' minhas perdidas crenças!

E, quando ao céu remontares,
Leva contigo a minha alma,
E no céu, como um astro, calma,
Fique dominando os ares.

Vendo um corpo que sofreu
Na terra, sob uma cruz:
A terra perde uma luz,
Mas ganha uma luz o céu.

Desvenda-me os esplendores
Do céu coalhado de estrelas,
Que a gente parece, ao vê-las,
Vê-lo coberto de flores,

Mostra-me os vastos impérios
Da tua eterna morada,
Profundamente sulcada
Dos mais profundos mistérios.

Mas calas zelosamente
O poema que o céu encerra,
E corres até a terra
O teu manto alvinitente.

E suspensa em doce luz
Ficas de um êxtase presa,
Alma de Santa Tereza,
Casta esposa de Jesus.

Desce da frígida bruma,
Ai! vem conversar comigo!
Vem, que o teu hálito amigo
O meu coração perfuma.

★★★

Paisagem de luar

CRUZ E SOUZA
“Missal” (1893)

Na nitidez do ar frio, de finas vibrações de cristal, as estrelas crepitam…
Há um rendilhamento, uma lavoragem de pedrarias claras, em fios sutis de cintilações palpitantes, na alva estrada esmaltada da Via-Láctea.
Uma serenidade de maio adormecido entre frouxéis de verdura cai do veludo do firmamento, torna a noite mais solitária e profunda.
O Mar, pontilhado dos astros, faísca, fosforesce e rutila, agitando o dorso Glauco.
E, de leve, de manso, um clarão branco, lânguido, lívido vem subindo dos montes, escorrendo fluido nas folhagens, que prateiam-se logo, como se fabuloso artista invisível as prateasse e as polisse.
A lua cheia transborda em rio de neve na paisagem, e, no mar, há pouco apenas fagulhante da iriação das estrelas, a lua jorra do alto.
Por ele afora, pelo vasto mar espelhado, pequenas embarcações se destacam agora, alígeras, lépidas, à pesca da noite, velas brancas serenas, sob a constelação dos espaços.
A água repercute, na amorosa solidão do luar, a barcarola sonora dos pescadores, que, de entre a glacial amplidão da água, mais fresca e sonora, vibra.
Um aspecto de natureza, verde, virgem, que repousa, estende-se nos longes, desce aos prados, sobe às montanhas e infinitamente espalha-se nas mudas praias alvejantes.
E, à proporção que a lua mais vai subindo o páramo, à proporção que ela mais galga a altura, mais as pequenas embarcações de pesca avançam nas vagas resplandecentes, com as asas das velas abertas à salitrosa emanação marinha.
Com o brilho fúlgido, aceso, d’esmeralda facetada, uma estrela parece peregrinamente acompanhar de perto a lua, num ritmo harmonioso…
Perfumes salutares, tonificantes eflúvios exalam-se da frescura nova, imaculada dos campos, como dum viçoso e casto florir de magnólias, na volúpia da natureza adormecida numa alvura de linhos, dentre opulências de noivados.


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