6/27/2018

Temas Poéticos: MORTE - IV


Noiva morta

CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)

Como esta alcova é lúgubre e sombria!
De ti só resta a pálida saudade!
Noiva, subiste à luz da eternidade
Num manto azul de fulva joalheria.

Do teu amor minh’alma está vazia;
Cerca-me a vida espessa escuridade.
Cruel destino! Pobre humanidade
Das leis sujeita à negra tirania!

Em vão procuro afugentar da mente
O teu corpo de mármore, velado
N'alva mortalha fina e transparente.

Debalde! Em vão! Meu sonho desvairado
Mostra-me o leito funerário e algente
Guardando a branca flor do teu noivado.

★★★

Quando a vi morta
(A Rosalino marques de Leão)

CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)

Quando a vi morta, no caixão deitada,
Hirtos os braços na algidez da morte,
Faltou-me o ar e a luz, corri sem norte
Por vê-la aos meus extremos arrancada.

Porém voltei; beijei-lhe a face amada,
De flores cingi o estranho porte;
E à febre da loucura, num transporte,
Vi-a sorrindo, para mim voltada.

Mas ah? fora ilusão, inerte estava,
E o marmoroso palor que transfigura
Já na face da morte se estampava.

Ela dormia ao sol da eternidade,
Eu, cega e triste, errava em noite escura,
Buscando a luz em plena escuridade.

★★★

O Cemitério

CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)

Quando à tarde nos túmulos sombrios
A lua espalha a merencória cor,
Trêmula uma saudade, e em cada flor
Rolam cristais de lágrimas em fios.

Tremem as cruzes sobre os leitos frios
Por esse império do mais negro horror,
E sobre os corpos hirtos, sem calor
Abrem as azas os tufões bravios

Ouvem-se os gritos d'agourentas aves,
Que, perpassando da capela as naves,
Ousam da morte perturbar o sono.

Tudo ali dorme; só não dorme a terra,
Porque a terra que o corpo envolve, encerra
Do verme atroz o pavoroso trono.

★★★

Morta

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Dos braços da mãe querida
Desceu Laura à sepultura:
Morreu na manhã da vida,
Criancinha ainda e tão pura!

Não viu desabrochar-lhe n’alma
A aurora dos quinze anos;
Fugiu inocente e calma
Do mundo cheio de enganos.

Temeu, pobre mariposa!
O encanto louco das brasas,
Pois, na friez de uma lousa,
O arcanjo não queima as asas.

De todo o choroso dia
Só nos resta na lembrança,
Como visão fugidia
D’aquela virgem criança:

Um caixãozinho funéreo,
— Abismo de nossas dores —
Conduzido ao cemitério
Como uma cesta de flores.

★★★

Quando eu morrer

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse num dia assim,
num dia de primavera
cheirando cravo e jasmim!)

... transformem meu coração
— sacrário azul de esperanças —
num pequenino caixão
para enterrar as crianças.

De meus olhos façam círios,
de meu sorriso um altar
— cheio de rosas e lírios,
tão doce como o luar —,

e guardem nele, entre flores,
longe, bem longe da terra,
a Virgem santa das dores
lá da Igrejinha da Serra.

Daquele sonho formoso
que minh’alma tanto adora,
façam o turíbulo piedoso
que incense os pés da Senhora...

E as saudades orvalhadas
— de meu amor triste enleio —
transformem nas sete espadas
de dor que Ela tem no seio!...

Se deste repouso santo
em que meu corpo adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem padece:
eu quero as gotas de pranto
todas mudadas em prece...

Prece que leve, cantando,
minh’alma ao celeste ninho,
como um pássaro ruflando
as asas brancas de arminho.


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