6/29/2018

Temas Poéticos: MORTE - VII


À sepultura de um escravo

BERNARDO GUIMARÃES
"Cantos da Solidão" (1852)

Também do escravo a humilde sepultura
Um gemido merece de saudade:
Uma lágrima só corra sobre ela
De compaixão ao menos...
Filho da África, enfim livre dos ferros
Tu dormes sossegado o eterno sono
Debaixo dessa terra que regaste
De prantos e suores.
Certo, mais doce te seria agora
Jazer no meio lá dos teus desertos
À sombra da palmeira, não faltara
Piedoso orvalho de saudosos olhos
Que te regasse a campa;
Lá muita vez, em noites d'alva lua,
Canção chorosa, que ao tanger monótono
De rude lira teus irmãos entoam,
Teus manes acordara:
Mas aqui — tu aí jazes como a folha
Que caiu na poeira do caminho,
Calcada sob os pés indiferentes
Do viajor que passa.
Porém que importa — se repouso achaste,
Que em vão buscavas neste vale escuro,
Fértil de pranto e dores;
Que importa — se não há sobre esta terra
Para o infeliz asilo sossegado?
A terra é só do rico e poderoso,
E desses ídolos que a fortuna incensa,
E que, ébrios de orgulho,
Passam, sem ver que co'as velozes rodas
Seu carro d'ouro esmaga um mendigante
No lodo do caminho!...
Mas o céu é daquele que na vida
Sob o peso da cruz passa gemendo;
É de quem sobre as chagas do inditoso
Derrama o doce bálsamo das lágrimas;
E do órfão infeliz, do ancião pesado,
Que da indigência no bordão se arrima;
do pobre cativo, que em trabalhos
No rude afã exala o alento extremo;
— O céu é da inocência e da virtude,
O céu é do infortúnio.
Repousa agora em paz, fiel escravo,
Que na campa quebraste os ferros teus,
No seio dessa terra que regaste
De prantos e suores.
E vós, que vindes visitar da morte
O lúgubre aposento,
Deixai cair ao menos uma lágrima
De compaixão sobre essa humilde cova;
Aí repousa a cinza do Africano,
— O símbolo do infortúnio.

★★★


OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

— Piedade! elas veem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!

★★★


OLAVO BILAC
“Alma inquieta” (1888)

Os anos matam e dizimam tanto
Como as inundações e como as pestes...
A alma de cada velho é um Campo-Santo
Que a velhice cobriu de cruzes e ciprestes
Orvalhados de pranto.

Mas as almas não morrem como as flores,
Como os homens, os pássaros e as feras:
Rotas, despedaçadas pelas dores,
Renascem para o sol de novas primaveras
E de novos amores.

Assim, às vezes, na amplidão silente,
No sono fundo, na terrível calma
Do Campo-Santo, ouve-se um grito ardente:
É a Saudade! é a Saudade!... E o cemitério da alma
Acorda de repente.

Uivam os ventos funerais medonhos...
Brilha o luar... As lápides se agitam...
E, sob a rama dos chorões tristonhos,
Sonhos mortos de amor despertam e palpitam,
Cadáveres de sonhos...

★★★

A Morte

CÁRMEN FREIRE
"Visões e Sombras" (1897)

Quando ela vem de nós se aproximando,
Lívida e fria, horror da humanidade,
Letal, cruel, sem dó, sem mais piedade,
Da vida as ilusões aos pés calcando;

Nas órbitas vazias vai levando
Do nosso olhar a fulva claridade;
Porém se um sol nos rouba, a eternidade
O espírito imortal nos vai banhando.

Nos mares do infinito o pensamento,
Qual flama, oscila, quando a mão terrível
Cortar nos vem de um golpe o sofrimento.

Baqueia o corpo imerso em dor horrível,
E a fera horripilante de momento
Reis e plebeus conduz a sono nível!

★★★

Eutanásia
OLAVO BILAC
“Tarde” (1919)

Antes que o meu espírito no espaço
Fuja em suspiro etéreo e vago fumo,
Em versos e esperanças me consumo,
E espalho sonhos pelo bem que faço.
Até no instante em que seguir o rumo
Para o sono final do teu regaço,
Ó terra, sorverei, no extremo passo,
Da vida em febre o capitoso sumo.
Seja a minha agonia uma centelha
De glória! E a morte, no meu grande dia,
Pairando sobre mim, como uma abelha,
Sugue o meu grito de última alegria,
O meu beijo supremo, — flor vermelha
Embalsamando a minha boca fria!

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