6/25/2018

Temas Poéticos: MULHERES III


A Júlia

AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)

No teu olhar, cheio da luz chorosa
Que envolve o Espaço quando a tarde expira,
Boia uma doce mágoa lacrimosa,
Uma saudade indefinida gira.

E quando afirmes que não tem começo
A dor sem fim que no teu seio existe
Queres assim, eu muito bem conheço,
Fazer-me crer que já nasceste triste.

E falas a sorrir: “Essa dolente
Tristeza amarga que me empana o olhar
É a vaga chorando eternamente
Por não poder se separar do mar...”

E se te fito a umedecida boca
E vejo rubro o lábio que sorri,
Logo pergunto, num cismar de louca,
À mente e ao coração, se és tu quem ri.

Pois é tão mansa a chama destes olhos
Envoltos na carícia do sorriso,
Que eu penso que teus cílios são abrolhos,
Abrolhos rodeando um paraíso...

★★★

Júlia

MACHADO DE ASSIS
“Poesias Dispersas”

Teu rosto meigo e singelo
Tem do céu terno bafejo.

Tu és a rosa do prado
Desabrochando ao albor
Abrindo o purpúreo seio,
Abrindo os cofres de amor.

Tu és a formosa lua
Percorrendo o azul dos céus,
Retratando sobre a linfa.
Os seus alvacentos véus.

Tu és a aurora formosa
Quando d’além vem surgindo;
E que se ostenta garbosa
Áureas flores espargindo.

Tu és perfumada brisa
Sobre o prado derramada
Que goza os doces sorrisos
Da formosa madrugada.

Tua candura e beleza
Tem de amor doce expressão
És um anjo, minha Júlia,
Donde nasce a inspiração.

Quando a terra despe as galas
E os mantos da noite veste,
Vejo brilhar tua imagem
Lá na abóbada celeste.

Nela vejo as tuas graças,
Nela vejo um teu sorriso
Nela vejo um volver d'olhos
Nascido do paraíso.

És ó Júlia, meiga virgem
Que temente ora ao Senhor;
São teus olhos duas setas.
O teu todo é puro amor.

★★★

A Guiomar

MACHADO DE ASSIS
“Poesias Dispersas”

Ri, Guiomar, anda, ri. Quando ressoa
Tua alegre risada cristalina,
Ouço a alma da moça e da menina,
Ambas na mesma lépida pessoa.

E então reparo, como o tempo voa,
Como a rosa nascente e pequenina
Cresceu, e a graça fresca apura e afina...
Ri, Guiomar, anda, ri, mimosa e boa.

A bela cor, o aroma delicado,
Por muitos anos crescerão ainda,
Ao vivo olhar do noivo teu amado.

Para ti, cara flor, a vida é infinda,
O tempo amigo, longo e repousado.
Ri, Guiomar, anda, ri, discreta e linda.

★★★

A Francisca

MACHADO DE ASSIS
“Poesias Dispersas”

Nunca faltaram aos poetas (quando
Poetas são de veia e de arte pura),
Para cantar a doce formosura,
Rima canora, verso meigo e brando.

Mas eu triste poeta miserando,
Só tenho áspero verso e rima dura;
Em vão minh'alma sôfrega procura
Aqueles sons que outrora achava em bando.

Assim, gentil Francisca delicada,
Não achando uma rima em que te veja
Harmoniosamente bem rimada,

Recorrerei à Santa Madre Igreja
Que rime o nome de Francisca amada
Com o nome de Heitor, que amado seja.

★★★

Dolores

AUTA DE SOUZA
“Poesias” (1899/1900)

Já vão caminho no cemitério

Meus louros sonhos em visões negras,
E vão-se todos no azul sidéreo
Como uma nuvem de toutinegras.

A noite de ontem levei chorando
Todo o passado de meus amores;
E o dia ainda me achou rezando
No imenso terço de minhas dores.

Vejo na vida longo deserto
Sem doce oásis de salvação.
Dentro em minh’alma, doida, chorosa,
De pobre moça tuberculosa,
Cheio de medo, trêmulo, incerto
Bate com força meu coração.

E assim morrendo, coitada, aos poucos,
Convulsa e fria, louca de espanto,
Solto suspiros, soluços roucos,
Olhando as cruzes do Campo Santo.

Porque me lembro que muito breve
Leva-me a ele tanta dor física.
E dentro em pouco, branco de neve,
Verão o esquife da pobre tísica.


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