6/29/2018

Temas Poéticos: PÁSSAROS II


Partida de uma andorinha

LUÍS DELFINO
"Algas e Musgos" (1927)

Podeis ir, sóis de amor, não mais vos fecho
Às mãos; — parti, rolai noutras esferas:
Céu azul de minha alma, isto é deveras?
Este era pois o lúgubre desfecho?

Que veiga toda a abrir-se em flores deixo!
Vale cheio de sombra e de quimeras,
Meu confidente e o dela há pouco inda eras!...
Deuses, não, não de vós, de mim me queixo.

Nela um cálido raio de ouro eu tinha
Daquele olhar divinamente terno,
Idílio bom, que embala a quem caminha.

E eu, que julgava este meu sonho eterno,
Busco inda o voo à última andorinha.
Mas donde vem assim tão cedo o inverno?...

★★★

Gaivotas

LUÍS DELFINO
“Algas e Musgos” (1927)

Do crespo mar azul brancas gaivotas
Voam — de leite e neve o céu manchando,
E vão abrindo às regiões remotas
As asas, em silêncio, à tarde, e em bando.

Depois se perdem pelo espaço ignotas,
O ninho das estrelas procurando:
Cerras os cílios, com teu dedo notas
Que elas vêm outra vez o azul furando.

Uma na vaga buliçosa dorme,
Uma revoa em cima, outra mais baixo...
E ronca o abismo do oceano enorme...

Cai o sol, como já queimado facho...
Do lado oposto espia a noite informe...
Tu me perguntas se isto é belo?... e eu acho...

★★★

Pombos mensageiros

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Transformados em pombos cor de neve,
Entraram-me a cantar pela janela,
A tua carta delicada e leve
E o beijo amigo que envolveste nela.

Ó que alegria para o coração
Onde a Saudade, sempre em flor, renasce!
A carta leve me pousou na mão
E o beijo amigo acarinhou-me a face.

E então, a rir, ó pomba idolatrada!
Eu transformei meu coração em ninho:
N’ele repousa a tua carta amada
E canta o beijo a ária do carinho.

★★★

O Beija-Flor

AUTA DE SOUZA
“Poesias”

Acostumei-me a vê-lo todo o dia
De manhãzinha, alegre e prazenteiro,
Beijando as brancas flores de um canteiro
No meu jardim — a pátria da ambrosia.

Pequeno e lindo, só me parecia
Que era da noite o sonho derradeiro...
Vinha trazer às rosas o primeiro
Beijo do Sol, nessa manhã tão fria!

Um dia, foi-se e não voltou... Mas, quando
A suspirar, me ponho contemplando,
Sombria e triste, o meu jardim risonho...

Digo, a pensar no tempo já passado;
Talvez, ó coração amargurado,
Aquele beija-flor fosse o teu sonho!

★★★

A Andorinha

AUGUSTO DE LIMA
“Contemporâneas” (1887)

Ah! que conte não me peças,
choravas se eu te contasse...
Não quero as marcas impressas
da tristeza em tua face.
.......................................................
Vês tu aquela andorinha,
que voa de um a outro lado?
Há muito tempo se aninha
no beiral de meu telhado.

Na solidão em que vivo,
tem-me sido companheira:
se estou alegre e expansivo,
ela sorri prazenteira;

gira, volteia, incessante,
chilreando doidamente.
E vem pousar sobre a estante,
encarando-me de frente.

Mas, se o prazer me deixando,
choro, triste e desolada,
começa então pipilando,
como quem chora... coitada.

A minha existência insana
é um ente familiar,
para ser uma alma humana,
falta-lhe apenas falar!

Ora, deu-se que, o outro dia,
o telhado concertaram
e o ninho (que covardia!),
em minha ausência, arrancaram.

Soube o que havia ocorrido,
logo que em casa me achei.
O passarinho sentido
pensou que eu fui que mandei.

Mas quando, mudo e sombrio,
sentar-me à mesa de estudo,
suspirando a ave me viu,
compreendeu, então, tudo.

E olhou-me com tal tristeza,
que eu também vim a chorar...
Tinha filhos com certeza:
– só de mãe aquele olhar!
.......................................................
Mas deixemos a andorinha,
enxuga o pranto da face:
– não disse que tu, louquinha,
choravas, se eu te contasse?


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